Os sovietes (conselhos) surgiram entre os revolucionários russos de 1905 e, em 1917, se consolidaram como órgãos do poder no Estado comunista. No dizer atribuído a Lênin, eram "expressão da criação do povo, manifestação da iniciativa do povo". Portanto, como nada mais democrático do que a expressão da vontade e ação do povo, devemos aceitar que o terrível, genocida e totalitário regime implantado na União Soviética continua sendo, para todo comunista, a melhor expressão de democracia registrada nos anais da História. Eis aí o motivo da reverente admiração de tantos pelos regimes cubano, angolano, venezuelano, chinês, norte-vietnamita e norte-coreano e sua aversão às sofridas primaveras de Praga, Budapest e Pequim. Aliás, também se deve a isso a completa desconsideração, dos mesmos, por todos os regimes que testemunham a superioridade das democracias liberais e de suas instituições ante as funestas filhas de Marx e Lênin.
Foi a natureza revolucionária e comunista dos sovietes que deu origem à alcunha "Decreto dos Sovietes" ao Decreto Nº 8243/2014, da extinta presidente Dilma, que criava a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e o Sistema Nacional de Participação Social (SNPS). No cruzamento deste com aquela, saía atropelado e paraplégico o Congresso Nacional. Com o decreto, o governo imiscuía nas decisões nacionais uma dezena de mecanismos envolvendo a participação dos coletivos, movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados (!), suas redes e suas organizações. O PT e demais partidos de esquerda criaram e controlam centenas desses coletivos e movimentos. Todo poder aos sovietes!
Era o mês de março de 2014. Haveria uma eleição em outubro daquele ano e, muito embora as pesquisas fossem favoráveis à candidata petista, as investigações da Lava Jato não tranquilizavam suficientemente o governo. Então, o Decreto Nº 8243 era sonho de consumo: num luzir democrático tão falso quanto seria a propaganda eleitoral por vir, seu pessoal poderia, participativa e democraticamente, como "povo", interferir em todas as áreas do governo, qualquer que fosse o vencedor do pleito.
A gritaria dos segmentos esclarecidos da sociedade, capazes de perceber a real natureza dessas manobras, não chegou a mobilizar o Congresso em pleno ano eleitoral. Um projeto de Decreto Legislativo (PDC 1491/14), sustando o ato presidencial ficou dormindo no protocolo. Passado o pleito, porém, com a vitória petista, o próprio governo se desinteressou pelo assunto. A Câmara aprovou o PDC 1491/14 e o enviou para o Senado e para o esquecimento. Esquecimento nosso, porém. No mesmo dia em que a Câmara cassava o decreto dos sovietes, os três deputados do PSOL (Chico Alencar, Ivan Valente e Jean Wyllys) o reapresentavam como projeto de lei! Era o que havia de mais comunista na prateleira das possibilidades e o partido não permitiria que se exaurisse na lixeira.
Estamos falando do PL 8048/2014. Em regime de tramitação ordinária, ou seja, com aprovação conclusiva pelas comissões, essa ave de mau agouro já foi aprovada pela Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público. Neste momento, está pousada na Comissão de Finanças e Tributação, de onde irá à deliberação final da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania. Só voará ao plenário se rejeitada por alguma das duas comissões restantes ou se pelo menos 51 deputados o requererem. Passou da hora de a sociedade se manifestar novamente sobre essa fraude à democracia e às instituições políticas da República.
________________________________ * Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
A esquerda politicamente correta monopolizou tanto o ódio como a hipocrisia. Se você é de esquerda, se você banca o “progressista”, então pode odiar à vontade
Vivemos em tempos de muita tolerância e amor, sem preconceitos. Ao menos é isso que a esquerda prega. Mas essa tolerância toda só vai até a página dois. Quando há do outro lado um conservador, um liberal, um homem, um branco, um judeu, um cristão, um republicano (cruzes!), aí está liberado destilar todo o ódio existente. Afinal, criaturas abomináveis não merecem nosso respeito. Trata-se de um fenômeno espantoso. E mais chocante ainda é ele passar despercebido pela imensa maioria, que considera normal o duplo padrão moral dessa esquerda, toda a sua hipocrisia, sua seletividade. Exagero? Então vejamos.
As pessoas xingam Donald Trump e seus eleitores com a maior naturalidade. São “xenófobos” e “machistas”, para dizer o mínimo. O que apresentam como prova efetiva? Sim, ele apela para generalizações e usa rótulos depreciativos, apesar de a imprensa distorcer muito do que é dito de fato. Mas um momento: não é exatamente a mesma coisa que estão fazendo com o candidato e seus milhões de simpatizantes?
Hillary Clinton, toda enrolada em escândalos sérios, pode simplesmente afirmar que metade dos eleitores de Trump são idiotas. Arnaldo Jabor pode escrever que os republicanos são um bando de reacionários malucos e imbecis. E aí, quando Trump fala dos mexicanos criminosos ou dos muçulmanos terroristas (que existem mesmo), é prova de que ele é um preconceituoso?
Vejamos ainda o caso da eleição para prefeito no Rio. Crivella tem um livro antigo com passagens condenáveis. Para seu adversário, prova da intolerância do pastor. Mas seu partido, o PSOL, publicou um texto chamando o estadista Shimon Peres de “genocida”, e seu companheiro Babá já queimou até bandeira de Israel em local público. Freixo apoia os vândalos dos black blocs também. Mas o ódio, a intolerância, vem sempre do outro lado.
Há, ainda, o caso do Black Lives Matter. É racismo reverso. Negros acusando os brancos de “demônios”, pregando a violência. Mas se alguém afirmar que ALL lives matter, ou seja, que não devemos fazer distinção com base na cor, então esse é o intolerante e o racista. Faz algum sentido? O que fica claro nesses casos – e há diversos mais – é que a esquerda politicamente correta monopolizou tanto o ódio como a hipocrisia. Se você é de esquerda, se você banca o “progressista”, então pode odiar à vontade, rotular o quanto quiser, apelar para generalizações. Basta seu alvo não ser membro de uma das tantas “minorias” que está tudo bem.
É puro ódio. Continua sendo intolerância. E vem com mais força ainda, justamente porque foi sancionada pela ideologia, mascarada pela hipocrisia. Em nome do amor e da tolerância, vamos acabar com essa raça nojenta e asquerosa de republicanos conservadores cristãos e judeus!
Para acirrar os ânimos e baixar o nível, tem aumentado a troca de ofensas pessoais que, além de confundir os eleitores, mostra as fragilidades de Freixo e Crivella
Zuenir Ventura, O Globo
A s más notícias não cessam de perseguir o Rio depois da Olimpíada. Já não se fala nem da violência urbana, velha rotina que tende a aumentar com a saída do governo de José Mariano Beltrame, uma esperança perdida.
Além disso, antes mesmo de terminados os Jogos, o governador em exercício Francisco Dornelles decretou “estado de calamidade pública”, diante da iminência de “total colapso na segurança pública, na saúde, na educação, na mobilidade e na gestão ambiental”.
O motivo alegado foi a queda da arrecadação do ICMS e dos royalties do petróleo. Os efeitos dessa providência continuam a aparecer nas primeiras páginas dos jornais. Ontem, soube-se que o projeto de orçamento do governo estadual para 2017 prevê um rombo de R$ 15,3 bilhões.
E que 26 empreiteiras culpam a prefeitura pela paralisação de obras por suposta dívida de R$ 700 milhões. O pior é que as perspectivas para a cidade não são animadoras. A cada dia surgem revelações de deslizes de um e outro candidato à sucessão de Eduardo Paes.
A acusação mais recente é a de que Marcelo Freixo nomeou sua ex-mulher no gabinete do partido na Câmara dos Vereadores; e Marcelo Crivella teria feito coisa parecida no Senado com a mãe de uma assessora.
Para acirrar os ânimos e baixar o nível, tem aumentado a troca de ofensas pessoais que, além de confundir os eleitores, mostra as fragilidades de ambos. No quesito xingamento, o pastor está ganhando a disputa, ao exibir seu imbatível repertório verbal.
Ao lado dos termos com que premiara o adversário — “não vou dizer que você é safado, canalha, vagabundo, o povo vai dizer isso nas urnas” — ele guardou alguns como “patifes”, “patetas” e também “vagabundos” para os jornalistas que desmascararam seus malfeitos do passado.
Com a autoridade de quem passou pela política moralmente incólume, Fernando Gabeira fez uma primorosa análise do impasse em que se encontra o eleitor carioca: “Entre a cruz e a espada”, ou seja, entre um fundamentalismo religioso e outro político.
No primeiro caso, ele se refere ao livro em que o autor demoniza religiões que não a sua; e no segundo, ele lembra dois episódios emblemáticos: o ataque ao Prêmio Nobel da Paz, Shimon Peres, chamado no site do PSOL de “genocida”, e a queima da bandeira de Israel por um dirigente do partido de Freixo.
Por isso, ele se dá o direito de afirmar, e eu concordo: “Assim como a suspeita de obscurantismo religioso é razoável no contexto de Crivella, a do obscurantismo político também é razoável no da extrema-esquerda”.
Como é que o carioca, que se acha tão esperto, foi se meter numa encrenca dessas?
Há pouco, em seu discurso no plenário, Renan Calheiros também disse que “recomendará” a Rodrigo Maia a votação de uma PEC aprovada no Senado em 2013 que acaba com "a aposentadoria compulsória com recebimento dos vencimentos para o Ministério Público e para o Judiciário por improbidade".
"É um absurdo que essa prática continue a acontecer no Brasil."
O Brasil chocou o ovo da serpente (ou da jararaca) durante décadas. O filhote, enfim, nasceu forte e esfomeado e devorou a economia popular. Os brasileiros demoraram a admitir o estrago que seu monstrinho de estimação estava lhe causando, e, quando isso finalmente se tornou inevitável, veio a reação: o país encarou a cobra venenosa, disse “ai, ai, ai” e a colocou de castigo. Acredita que assim ela vai passar a se comportar direitinho.
A literatura antiofídica da Lava Jato indica que em 2005, exatamente quando Lula pedia perdão aos brasileiros pelo mensalão, o mesmo Lula tratava da compra escandalosa da refinaria de Pasadena. É compreensível. Gente boa só consegue se arrepender de um roubo de cada vez. E eis que 11 anos depois, preso e condenado pelo petrolão, José Dirceu é perdoado pelo mensalão. O Supremo Tribunal Federal (STF) foi firme em sua decisão contra o quadrilheiro petista: “Ai, ai, ai, não faça mais isso”.
Quadrilheiro, não. O mesmo ministro do Supremo que acaba de perdoar o companheiro Dirceu, Luís Roberto Barroso, fez sua estreia espetacular na Corte máxima decretando que a quadrilha do mensalão não era uma quadrilha. Ou seja: Dirceu, Delúbio, Valério e companhia, que agiram sistematicamente em conluio para fraudar os cofres públicos e enriquecer o PT, utilizando métodos, álibis e laranjas comuns por vários anos, não formavam uma quadrilha. Quadrilha é aquilo que baila em volta da fogueira nas festas juninas.
Foi também o mesmo companheiro Barroso quem operou o rito do impeachment da companheira presidenta, usando sua mira laser do Supremo para mostrar ao Congresso o que ele tinha de fazer. Assim prevaleceu a formação da comissão especial como o PT queria, o que infelizmente não adiantou nada, porque as instituições brasileiras começaram a ficar com vergonha de proteger governo bandido – e tanto o Legislativo quanto o Judiciário referendaram a legitimidade do impeachment.
Aí uma turma ficou gritando contra o golpe – os mesmos de sempre, que se escondem na mística progressista para viver de símbolos retrógrados. Perdoar a quadrilha é uma ótima forma de continuar chocando os ovos das serpentes simpáticas e revolucionárias.
Então, já que é para chocar, vamos chocar: enquanto era julgado pelo mensalão, Dirceu, o perdoado, cometia os crimes do petrolão; posteriormente, já tendo sido preso por esses novos crimes, as investigações da Lava Jato mostraram que as propinas do esquema engendrado por ele continuavam jorrando nas contas dos guerreiros do povo brasileiro. É mesmo de morrer de pena.
O perdão concedido pelo STF a José Dirceu está em perfeita consonância com a moral vigente no país, ou pelo menos com a moral dominante. O Brasil perdoou Lula quando ele pediu para ser perdoado, em 2005, e no ano seguinte lhe deu a reeleição – com as revelações do mensalão estalando nas manchetes. Comiseração é isso aí, o resto é brincadeira. Lula entendeu muito bem o recado da nação e pisou fundo. O Brasil é sócio do que se passou nos dez anos seguintes – e continua, na prática, perdoando Lula.
O ex-presidente acaba de se tornar réu pela terceira vez. Agora é por tráfico de influência internacional em favor da Odebrecht, usando o BNDES e irrigando a conta de um sobrinho. Quando esta mesma revista ÉPOCA revelou a referida investigação contra Lula, foi xingada por ele em praça pública. Ou seja: o filho do Brasil faz o que faz e continua livre para atacar gravemente a imprensa e subir em palanques para perpetuar seu grupo político no seio do Estado brasileiro. E o país ainda tolera o coro dos hipócritas que acusam os investigadores de fascismo. Essa tolerância é pior do que o pior dos crimes do PT.
É claro que os reis da mistificação vão dizer que a frase acima é uma pregação da intolerância, portanto do autoritarismo, portanto da força bruta contra os democratas, etc. etc. Eles são bons nisso. Quando milhões de pessoas saíram às ruas de verde e amarelo pelo impeachment, essa inteligência de João Santana espalhou que era um absurdo protestar contra a corrupção com a camisa da CBF... Um covarde é capaz de qualquer coisa.
E um país que confunde intolerância com impunidade é capaz de aceitar o perdão mais hediondo. À solta, a serpente agradece.
Construção do Itaquerão foi presente ao ex-presidente Lula, afirma Emílio Odebrecht
Reportagem publicada no jornal Folha de S. Paulo detalha informações do acordo de delação premiada do presidente do Conselho de Administração da construtora Odebrecht
23/10/2016 - 08h55min | Atualizada em 23/10/2016 - 11h29min
A construção da Arena Corinthians teria sido um presente ao ex-presidenteFoto: Bruno Alencastro / Agencia RBS
O Itaquerão está na mira da Lava-Jato...
É o que afirma a reportagem publicada neste domingo no jornal Folha de S. Paulo, que teve acesso ao conteúdo da delação premiada de Emílio Odebrecht. Conforme o jornal, o presidente do Conselho de Administração da Organização Odebrecht afirmou que a construção da Arena do Corinthians, o Itaquerão, foi uma espécie de presente ao ex-presidente, que torce para o clube.
O 'presente' teria sido em retribuição aos êxitos obtidos pela empreiteira durante período em que Lula esteve na presidência do país. Entre 2003 e 2015, a Odebrecht viu seu faturamento passar de R$ 17,3 bilhões para R$ 132 bilhões. Segundo a reportagem, Emílio, que é pai de Marcelo Odebrecht – preso na Operação Lava-Jato e condenado a 19 anos de prisão – era o principal interlocutor de Lula com a empresa, e teria pressionado cerca de 80 executivos do grupo a buscar acordos de delação premiada.
Palco de abertura da Copa do Mundo do Brasil, em 2014, a Arena Corinthians foi construída entre 2011 e 2014 e custou R$ 1,2 bilhão – R$ 380 milhões a mais do que a estimativa inicial de R$ 820 milhões –, e foi financiada com recursos do BNDES (R$ 400 milhões), títulos da prefeitura de São Paulo (até R$ 420 milhões) e empréstimos em bancos.
Ainda segundo o jornal, a ideia da construção de um estádio para o Corinthians partiu de Lula, que atribuía a falta de bons resultados do time ao fato de a equipe não possuir uma casa própria. O clube não tem conseguido arcar com o pagamento das parcelas de R$ 5,7 milhões mensais ao BNDES, e negocia junto à instituição uma carência maior. Se não conseguir vencer o pagamento das parcelas, o Corinthians pode perder o estádio para a Odebrecht.
Emílio também relatou que mantinha encontros regulares com Lula. Uma das vantagens obtidas para a empresa nesses encontros foi a ajuda do então presidente para expandir os negócios da Odebrecht para a América Latina e África.
Em nota enviada à Folha, o advogado Cristiano Zanin Martins, que cuida da defesa do ex-presidente Lula, desqualificou o conteúdo das delações, como a de Odebrecht.
– A Lava-Jato não conseguiu apresentar qualquer prova sobre suas acusações contra Lula. Se a delação já não serve apra provar qualquer fato, a especulação de delação é um nada e não merece qualquer comentário – concluiu.
As Forças Armadas do Brasil contam com cerca de 350 mil militares na ativa e uma justiça especializada que funciona há 208 anos e vai consumir R$ 430 milhões dos cofres públicos este ano.
Somente o Superior Tribunal Militar (STM), a mais alta corte responsável por julgar recursos de crimes previstos no Código Penal Militar e oficiais generais das Forças Armadas, tem 15 ministros e orçamento de R$ 419,5 milhões para 2016.
Se comparado com o Supremo Tribunal Federal, que custa R$ 554,7 milhões por ano, o STM tem quatro ministros a mais, orçamento 25% menor e uma produtividade atípica para os padrões do açodado e moroso judiciário brasileiro.
Enquanto a corte militar julga, em média, 1.200 processos por ano, o Supremo dá cerca de 8 mil decisões por mês. Os ministros do STM levam, em média, oito meses para dar uma sentença. No STF, ações penais demoram cerca de cinco anos e meio para chegar a uma decisão final, conforme levamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Mas por que o Brasil, mesmo em tempos de paz, mantém uma justiça especializada em julgar crimes cometidos contra as Forças Armadas e por seus representantes?
Custo e benefício
"Estamos tratando de segurança e defesa. São em sua maioria situações especiais. A justiça militar tem que ser rigorosa e severa e, quando se trata de militar, é razoável que eles sejam julgados por seus próprios pares", defende Maria Elizabeth Teixeira Rocha, ministra do STM e ex-presidente da corte militar.
Ela pondera que uma jurisdição não pode ser medida apenas por quanto custa por ano. Afirma ainda que o problema não é o STM julgar poucos processos, mas as outras cortes estarem tão assoberbadas.
"A Justiça militar é uma Justiça pobre. Não consigo ver essa desproporcionalidade como falam", observa Rocha.
Cerca de 85% do orçamento de 2016 aprovado para o STM está comprometido com pagamento de pessoal e encargos sociais. Dos R$ 355,5 milhões reservados para o fim deste ano, 49% serão gastos com aposentados e pensionistas, conforme dados do STM.
Para a cientista política Maria Celina D'Araújo, professora da PUC-Rio, a existência dessa estrutura em tempos de paz é um forte indicativo do prestígio que os militares desfrutam na sociedade brasileira.
"É um custo benefício que não vale a pena. Não faz sentido, é uma estrutura cara e pesada demais", avalia a professora.
Tradição
A Justiça Militar da União é a mais antiga do país. Foi instituída em 1808, pouco depois de Dom João desembarcar no Brasil. A partir de 1934, deixou de ser um braço do Executivo e passou a fazer parte do Poder Judiciário.
Suas principais atribuições foram alteradas pela Constituição de 1988 e por uma lei assinada pelo então presidente Fernando Collor em 1992.
Tem duas instâncias: 20 auditorias militares e uma auditoria de correição; e o STM como corte superior. Julga apenas atos relacionados às normas, ao patrimônio e administração da Aeronáutica, Exército e Marinha, e crimes cometidos por civis contra as Forças Armadas, em áreas sob seu comando ou contra seus representantes em serviço.
Crimes cometidos pela Polícia Militar não são analisados por essa estrutura do Judiciário federal. Eles são julgados pela Justiça estadual - apenas Minas Gerais, Rio Grande do Sul e São Paulo ainda mantêm cortes especializadas para policiais e bombeiros militares.
Um levantamento inédito feito pelo STM identificou que casos de uso, tráfico e porte de drogas nas Forças Armadas aumentaram 300% em dez anos. Cerca de 95% dos flagrados são jovens soldados temporários e recrutas de 18 anos.
Os crimes de deserção (abandono da Força), estelionato - em sua maioria golpes aplicados por civis na tentativa de fraudar a Previdência militar - e furto respondem pela maioria dos processos, segundo o mesmo estudo.
"Muitos são crimes que poderiam facilmente ser julgados pela justiça comum, não são exclusivos da carreira militar. Além disso, muitas das infrações, como as de obediência, são tratadas na esfera administrativa, fazem parte da 'justiça do comandante' e são resolvidas dentro do próprio quartel", salienta a professora Maria Celina D'Araújo, defensora de criar varas especializadas em crimes militares junto à Justiça estadual e federal.
Na primeira instância, os julgamentos acontecem nos conselhos permanentes, quando os réus são praças, e nos conselhos especiais, quando os réus são oficiais. Os conselhos são compostos por um juiz-auditor que não é militar e por quatro militares de patente superior à do réu.
O STM, por sua vez, tem entre seus ministros dez militares da ativa (três da Marinha, três da Aeronáutica e quatro do Exército do posto mais elevado da carreira) e cinco civis (sendo três advogados, um juiz-auditor e um membro do Ministério Público Militar).
Reestruturação
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) propôs mudanças na estrutura da Justiça militar da União, apontando que o custo médio dos processos é muito superior aos dos três Estados que ainda mantêm uma estrutura similar para seus policiais militares.
Estima-se que cada processo que tramita na primeira ou segunda instâncias da corte especializada para as três Forças Armadas custa R$ 155,6 mil. O CNJ também sugeriu redução, de 15 para 11, do número de ministros que compõem o STM.
"Há necessidade de se adequar a estrutura e equalizar a carga de trabalho da Justiça Militar àquela observada nos outros ramos da Justiça", diz o relatório concluído em dezembro de 2014.
A ministra Maria Elizabeth Teixeira Rocha rebate, dizendo que todas as determinações do CNJ são cumpridas "no que for possível", como em termos de prazos e metas. Mas diz que muitas das atribuições da Justiça militar são constitucionais.
"Dependemos do Congresso. Estamos tentando uma reforma há dez anos. Eu sei que o Congresso não funciona em tempo real, só legisla quando pressionado", argumenta a ministra do STM, que é uma das três civis e única mulher da corte militar.
Rocha afirma que há um consenso entre os ministros do STM no sentido de absorver parte dos casos relacionados às Forças Armadas tradicionalmente julgados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), como processos de remoção, transferência e processos administrativos disciplinares.
"Se a ideia é que Justiça boa é justiça assoberbada, acho mais razoável ampliar nossa competência. Pagamos por um anacronismo pelo qual não somos responsáveis", reclama a ministra.
Julgamento de civis
Um dos pontos de maior controvérsia dentro do STM, contudo, é se civis devem ou não ser julgados pela corte militar em casos de crimes cometidos contra integrantes e contra as Forças Armadas - como, por exemplo, equipamentos ou armas roubados nos quarteis, agressão a militares em serviço ou qualquer ilegalidade cometida em um local sob administração militar.
Casos de julgamento de desacato a militares, por exemplo, saltaram de 13 em 2002 para 109 em 2011. Esse aumento expressivo pode ser explicado, principalmente, pelo aumento da atuação de militares em operações de segurança pública, em especial no Rio de Janeiro.
Segundo a professora Maria Celina D'Araújo, há orientação da ONU (Organização das Nações Unidas) para que civis não sejam julgados por cortes militares. "Parece que estamos na Idade Média, mesmo não tendo guerra", avalia D'Araújo.
Esse tema divide os ministros civis e os militares dentro do STM. "Me parece anacrônico que militares julguem civis", admite a ministra do STM, que é voto vencido entre os colegas da corte.
Ela pondera, contudo, que há casos em que isso é necessário. Cita como exemplo uma situação em que as Farc [Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia] entrem em território nacional e matem um soldado brasileiro.
Rocha diz que o STM é um tribunal legalista e que espera mudanças na lei para que os casos de civis sejam julgados apenas por civis - ainda que sejam os civis que atuam dentro da corte militar.