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sábado, 15 de agosto de 2015

"Me esqueci de envelhecer!"... / Digestivo Cultural / Camila Oliveira Santos

Confira o Tweet de @digestivo: https://twitter.com/digestivo/status/632481454996353024?s=09
Sábado, 15/8/2015
Me Esqueci de Envelhecer!
Camila Oliveira Santos


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Quem foi que soprou o vento?
E esqueceu de me dizer.
Quem foi que espantou o tempo?
E inventou de envelhecer.


Do dia soprou-se horas,
Formou-se semanas,
Deu-me meses...


Quem foi que espichou o tempo?
Quem disse que era agora?
Gritou marchando já!


Quem foi que inventou o cento?
Desses que vem com o vento,
E esqueceu de me dizer.
Segue teimoso e lento,
Se esqueceu de me esquecer.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

"O Brasil é um lugar chato. Dolorosamente chato de se viver. " // André Forastein / Digestivo Cultural



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http://www.digestivocultural.com/ensaios/ensaio.asp?codigo=430&titulo=A_Cultura_do_Consenso
Segunda-feira, 10/10/2011
A Cultura do Consenso
André Forastieri  
 

Caros amigos, é chato dizer, mas o Brasil é um lugar chato. Dolorosamente chato. Viver aqui é um porre.

O Brasil não tem literatura, não tem teatro, não tem cinema, não tem estilo, não tem ciência. Tinha novelas e música. Hoje, nem isso.

E não adianta jogar toda a culpa no capitalismo avançado, na globalização, ou na pobreza. A Índia, por exemplo, tão miserável e internacionalizada quanto o Brasil, é um país de verdade com uma cultura de verdade ― incluindo indústrias fonográfica e cinematográfica da pesada, uma indústria de software florescente, um número enorme de cientistas importantes etc.

Nem é preciso ser um país continental. Qualquer Nova Zelândia tem seu cinema, qualquer Irlanda tem seu U2, qualquer lugar onde se vá se encontra algum sinal de vida própria.

Aqui não tem nada. Tem a bunda da Carla Perez.

No Brasil não há produção cultural, não há reflexão, não há crítica, não há debate informado. Temos horror pelo conflito, que é o horror pelo mundo moderno, pela iniciativa, pelas idéias. Queremos ser amados e resolver tudo na boa. Vivemos na cultura do consenso.

Quase sempre foi assim, e nunca entendi direito por quê. Herança portuguesa, influência da contra-reforma ― tá, tudo bem, mas não é o suficiente. Pior: fui perguntar para minha mulher, que é jornalista e economista, se ela conhecia algum livro que relacionasse economia e cultura e tentasse dar conta da origem deste lodo todo. Resposta dela: “Não existe”.

É até argumentável que a cultura do consenso comporte aspectos positivos. A tolerância racial, a assimilação rápida de novas tendências, a paciência ― enfim, a adaptabilidade.

Sim, o brasileiro é adaptável ao extremo ― para o bem e para o mal. Estimulado, provocado, informado, o brasileiro consegue lidar com complicações e inovações que dariam nó na cabeça de muito primeiro-mundista.

Este cheirinho de potencial cria a ilusão de que moramos num país, e não num descampado improdutivo. A má notícia é que o espaço da informação, da análise, da provocação ― o que passa por imprensa no Brasil ― raramente vai muito além de press releases porcamente disfarçados. Não informa, não estimula, não debate e influi cada vez menos.

Os meios de comunicação no Brasil não passam de estações repetidoras do consenso. A ação entre amigos que gerencia este país tem seu reflexo perfeito nos jornais, revistas, rádios e TVs. Como Narciso, a imprensa está apaixonada pelo que vê.

Não é preciso ir muito longe para encontrar as provas da mediocridade da imprensa brasileira.

Abra o jornal de hoje. Ligue a televisão. Por baixo das quatro cores ou dos efeitos gerados por computador, a conversa mole e a desinformação correm soltas. O cinema nacional renasceu, consultas crescentes ao SPC significam aquecimento, Chico César é moderno, publicidade é cultura.

Qualquer sinal de idéias destoantes, de conflito, de vida inteligente é abafado tão rápido quanto possível.

Aliás, não é à toa que os vestibulandos estão preferindo publicidade a jornalismo. As profissões são praticamente as mesmas. Mas paga bem melhor quando exercida em agências, em vez de redações.

O pior é que o tédio que domina a vida brasileira tende a se aprofundar. Nos condenamos a pelo menos doze anos, provavelmente dezesseis, de dominação da vida pública e seus porta-vozes.

Com a conivência da leal oposição do rei, com a nossa conivência e descaso, e com o aplauso puxa-saco da “inteligentsia” e da imprensa, que se misturam e se confundem e cuja falta de critérios e escrúpulos não tem igual.

Entre tanta coisa chata, talvez o mais chato de tudo é que até quem está na contracorrente desta miséria mental se rendeu. A única opção visível para as melhores cabeças da minha geração é fazer bem o que se faz, ganhar o máximo de dinheiro possível e viver no Brasil como viveríamos em San Francisco, Nápoles ou Bangkok.

Lemos mais em inglês do que em português, compramos livros pela Amazon, música pela internet, funghi porcini na importadora da esquina e carros importados com airbag.

Não votamos ou votamos nulo. Rimos da jequice dos poderosos e do nosso lumpesinato cultural. O Brasil é isso mesmo. A imprensa é isso mesmo.

Eu esperava e espero mais de mim e da minha geração.

Podemos continuar empurrando nossa mediocridade com a barriga, engolindo a raiva e a frustração de morar num país de merda como o Brasil. Ou podemos criar vergonha na cara, meter a mão nesta merda e tornar este lugar um pouco mais interessante para se viver.

Como, não sei. Mas parece divertido..;

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado na revistaCaros Amigos, em abril de 1997, e republicado no blog de André Forastieri, em fevereiro de 2009 (atualmente no portal R7). 

São Paulo, 10/10/2011 

 
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* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

terça-feira, 19 de março de 2013

Crônica, um gênero brasileiro

Segunda-feira, 8/10/2007
Crônica, um gênero brasileiro
José Castello  
+ de 10500 Acessos
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Nas fronteiras longínquas da literatura, ali onde os gêneros se esfumam, as certezas vacilam e os cânones se esfarelam, resiste a crônica. Nem todos os escritores se arriscam a experimentá-la, e os que o fazem se expõem, muitas vezes, a uma difusa desconfiança. Para os puristas, a crônica é um "gênero menor". Para outros, ainda mais desconfiados, não é literatura, é jornalismo – o que significa dizer, simples registro documental. Alguns acreditam que ela seja um gênero de circunstância, datado – oportunista. Não é fácil praticar a crônica.

Definida pelo dicionário como "narração histórica, ou registro de fatos comuns", a crônica ocupa um espaço fronteiriço, entre a grandeza da história e a leveza atribuída à vida cotidiana. Posição instável, e nem um pouco cômoda, em que a segurança oferecida pelos gêneros literários já não funciona. Lugar para quem prefere se arriscar, em vez de repetir. A crônica confunde porque está onde não devia estar: nos jornais, nas revistas e até na televisão – e nem sempre nos livros. Literatura ou jornalismo? Invenção, ou uma simples (e literal) fotografia da existência? Coisa séria, ou puro entretenimento?

Supõe-se, em geral, que os cronistas digam a verdade – seja o que se entenda por verdade. Não só porque crônicas são publicadas na imprensa, lugar dos fatos, das notícias e da matéria bruta, mas também porque elas costumam ser narradas na primeira pessoa, e o Eu sempre evoca a idéia de confissão. E ainda porque vêm adornadas, com freqüência, pela fotografia (verdadeira!) de seu autor.

Então, se o cronista diz que foi à padaria, ou que esteve em uma festa, aquilo deve, de fato, ter acontecido, o leitor se apressa a concluir. É uma suposição antiga, que vem dos tempos do Descobrimento, quando os cronistas foram aqueles que primeiro transformaram em palavras a visão do Novo Mundo. Cronistas eram, então, missivistas empenhados em dizer a verdade, retratistas do real.

Contudo, e esse é seu grande problema, mas também sua grande riqueza, a crônica é um gênero literário. Não é ficção, não é poesia, não é crítica, e nem ensaio, ou teoria – é crônica. As crônicas históricas do passado, relatos de viajantes e de aventureiros, pretendiam ser apenas um "relato de viagem". Aproximavam-se, assim, do inventário, do registro histórico e do retrato pessoal, e ainda da correspondência. Essas narrativas estavam mais ligadas à história que à literatura. Tinham, antes de tudo, um caráter utilitário, pragmático: serviam para transmitir aquilo que se viu.

No século XIX, com a sofisticação dos estudos históricos, e também com a expansão da imprensa, a crônica se afastou do registro factual e se aproximou da literatura e da invenção. Nossos primeiros grandes cronistas – Alencar, Machado, Bilac, João do Rio – foram, antes de tudo, grandes escritores. Eles descobriram na crônica o frescor do impreciso e o valor do transitório. E a praticaram com regularidade e empenho.

Gênero brasileiro
Mas foi ao longo do século XX que a crônica se firmou entre nós, assumindo posturas e feições realmente próprias. É no século XX que ela se torna – nas mãos de cronistas geniais como Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Carlos Oliveira, Sérgio Porto, Rachel de Queiroz, Fernando Sabino, Henrique Pongetti – um gênero brasileiro. Ou, dizendo melhor: que ela se adapta e se expande no cenário da literatura brasileira.

Isso não fala, contudo, nem de uma identidade, nem de um modelo. Ao contrário: o que marca a crônica brasileira é que, em nossa literatura, ela se torna um espaço de liberdade. Qual escritor brasileiro, no século XX, teve o espírito mais livre que Rubem Braga? Quem mais, desprezando as normas e pompas literárias, e com forte desapego aos cânones e aos gêneros, apostou tudo na crônica – vista como um gênero capaz de jogar de volta a literatura no mundo?

A grande novidade da crônica que se firmou ao longo do século XX no Brasil é exatamente esta: sua radical liberdade. Embora abrigada nos grandes jornais e depois reunida em livros, ela já não tem compromisso com mais nada: nem com a verdade dos fatos, que baliza o jornalismo, nem com império da imaginação, que define a literatura. A crônica traz de volta à cena literária o gratuito e o impulsivo. O cronista não precisa brilhar, não precisa se ultrapassar, não precisa surpreender, ou chocar; ele deseja, apenas, a leveza da escrita.

Gênero anfíbio, a crônica concede ao escritor a mais atordoante das liberdades: a de recomeçar do zero. Quando escreve uma crônica, o escritor pode ser ligeiro, pode ser informal, pode dispensar a originalidade, desprezar a busca de uma marca pessoal – pode tudo. Na crônica, ainda mais que na ficção, o escritor não tem compromissos com ninguém. Isso parece fácil, mas é freqüentemente assustador.

Pode falar de si, relatar fatos que realmente viveu, fazer exercícios de memória, confessar-se, desabafar. Mas pode (e deve) também mentir, falsificar, imaginar, acrescentar, censurar, distorcer. A novidade não está nem no apego à verdade, nem na escolha da imaginação: mas no fato de que o cronista manipula as duas coisas ao mesmo tempo – e sem explicar ao leitor, jamais, em qual das duas posições se encontra. O cronista é um agente duplo: trabalha, ao mesmo tempo, para os dois lados e nunca se pode dizer, com segurança, de que lado ele está.

Na verdade, ele não está em nenhuma das duas posições, nem na da verdade, nem na da imaginação – mas está "entre" elas. Ocupa uma posição limítrofe – e é por isso que o cronista inspira, em geral, muitas suspeitas. Os jornalistas o vêem como leviano, mentiroso, apressado, irresponsável. Os escritores acreditam que é preguiçoso, interesseiro, precipitado, imprudente, venal até. E o cronista tem que se ver, sempre, com essas duas restrições. Uns o tomam como uma ameaça à limpidez dos fatos e ao apego à verdade que norteiam, por princípio, o trabalho jornalístico. Outros, por seus compromissos com os fatos e com as miudezas do cotidiano, como um perigo para a liberdade e o assombro que definem a literatura.

E assim fica o cronista, um cigano, um nômade a transitar, com dificuldades, entre dois mundos, sem pertencer, de fato, a nenhum dos dois. Um errante, com um pé aqui, outro ali, um sujeito dividido. E o leitor, se tomar o que ele escreve ao pé da letra, também pode se encher de fúria. Como esse sujeito diz hoje uma coisa, se ontem disse outra? Como se descreve de um jeito, se ontem se descreveu de outro? Onde pensa que está? Quem pensa que é? Mas é justamente essa a vantagem do cronista: ele não se detém para pensar onde está, ou no que é; ele se limita a sentir e a escrever.

O cronista conserva, desse modo, os estigmas negativos que cercam a figura do forasteiro – aquele que sempre desperta desconfiança e em quem não se deve, nunca, acreditar inteiramente. Vindo sabe-se lá de onde, inspira uma admiração nervosa – como admiramos os mascarados e os clowns, sempre com uma ponta de insegurança, e um sorriso mal resolvido no rosto. Errante, ele nos leva a errar – em nossas avaliações, em nossas suposições. Uns o vêem, por isso, como um trapaceiro; outros, mais espertos, aceitam aquilo que ele tem de melhor a oferecer: a imprecisão.

Censuramos aos cronistas de hoje sua falta de rigor, seu sentimentalismo, seu apego excessivo ao Eu, seu lirismo, sua falta de propósitos. O que faz um sujeito assim em nossos jornais? – pensam os jornalistas. O que ele faz em nossa literatura? – pensam os escritores. Rubem Braga relatou, certa vez, que seus amigos escritores lhe cobravam, sempre, um grande romance – grande romance que, enfim, nunca chegou a escrever. Braga tentava lhes dizer que o romance não lhe interessava, mas só a crônica. E os amigos tomavam essa resposta como uma manifestação de falsa modéstia, ou então de preguiça. Nunca puderam, de fato, entender a grandeza de que Braga falava.

Numa conversa com Rubem Braga, republicada agora em Entrevistas(coletânea recém-lançada pela Rocco), Clarice Lispector lhe diz: "Você, para mim, é um poeta que teve pudor de escrever versos". E diz mais: "A crônica em você é poesia em prosa". Sempre a suspeita: de que, no fundo, o cronista é um tímido, alguém que se desviou do caminho verdadeiro, alguém que não foi capaz de chegar a ser quem é. Depois de lembrar a Clarice que já publicara alguns poemas, Braga, ele também, talvez por delicadeza, ou quem sabe seduzido pelos encantos da escritora, termina por ceder: "É muito mais fácil ir na cadência da prosa, e quando acontece de ela dizer alguma coisa poética, tanto melhor".

Figura exemplar
Depois da explosão de gêneros promovida pelo modernismo do século XX, o cronista se torna – à sua revelia, a contragosto – uma figura exemplar. Transforma-se em um pioneiro que, entre escombros e imprecisões, e sempre pressionado pelo real, se põe a desbravar novas conexões entre a literatura e a vida – sem que nem a literatura, nem a vida venham a ser traídos. Figura solitária, o cronista se torna, também, uma presença emblemática, a promover simultaneamente dois caminhos: o que leva da literatura ao real, e o que, em direção contrária, conduz do real à literatura.

Há na literatura contemporânea um sentimento que, se não chega a ser de impotência, até porque grandes livros continuam a ser escritos, é, pelo menos de vazio. O modernismo esgarçou parâmetros, derrubou clichês, tirou do caminho um grande entulho de clichês, de formas gastas, de vícios de estilo. Depois de Kafka, Joyce, Proust, depois de Clarice e de Rosa, como continuar a ser um escritor? Como prosseguir em um caminho que, depois deles, se define pela fragmentação, pela dispersão, pelo vazio – exatamente como nosso conturbado mundo de hoje? O escritor já não pode mais conservar a antiga postura de Grande Senhor da escrita. Ele deixou de ser o Mestre da Palavra, para se converter, mais, em um aprendiz.

O escritor foi empurrado de volta a um ponto morto – ponto de recomeço, lugar fronteiriço que se assemelha, muito, ao ocupado pelos cronistas. Foi lançado, de volta, às perguntas básicas. Por que escrevo? O que é escrever? De que serve a literatura? Posição que, com as devidas ressalvas, podemos chamar de filosófica: pois parte das perguntas fundamentais, aquelas que, desde os gregos, definem a filosofia.

Eis a potência da crônica: sustentar-se como o lugar, por excelência, do absolutamente pessoal. Os líricos, como Vinicius, se misturam aos meditativos, como Carlinhos Oliveira, ou aos filosóficos, como Paulo Mendes Campos. Clarice praticava a crônica como um exercício de assombro; Rachel, como um instrumento para desvendar o mundo; Sabino, como um gênero de sensibilidade. Cada um fez, e faz, da crônica o que bem entende. Nenhum cronista pode ser julgado: cada cronista está absolutamente sozinho.

Terreno da liberdade, a crônica é também o gênero da mestiçagem. Haverá algo mais indicativo do que é o Brasil? País de amplas e desordenadas fronteiras, grande complexo de raças, crenças e culturas, nós também, brasileiros, vacilamos todo o tempo entre o ser e o não-ser. Somos um país que se desmente, que se contradiz e que se ultrapassa. Um país no qual é cada vez mais difícil responder à mais elementar das perguntas: – Quem sou eu?

Gênero fluido, traiçoeiro, mestiço, a crônica torna-se, assim, o mais brasileiros dos gêneros. Um gênero sem gênero, para uma identidade que, a cada pedido de identificação, fornece uma resposta diferente. Grandeza da diversidade e da diferença que são, no fim das contas, a matéria-prima da literatura.

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado no suplemento literário Rascunho, em setembro de 2007. 

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Vá entender um gênio...!

 (...) gênio é gênio mesmo. Não tem a vida fácil. Gênio não passa em concurso, não tem artigo aprovado, não ganha dinheiro e pode até ser meio louco. O gênio talvez mais prestigiado dos últimos tempos foi John Nash, que ganhou o Nobel (foi premiado, sim), mas vejam o filme Uma mente brilhante, para verem como foi sua vida. Agora, gênios são exceção. Todos os sistemas educacionais visam a formar pessoas boas, capazes, não gênios. Não sei se algum sistema educacional amplo pode ter como meta formar gênios. Em algum escaninho pode reconhecer o gênio e dar-lhe liberdade de pensar (para o gênio, isso basta). Mas, no geral, dão-se notas e avaliam-se pessoas por uma curva acima da norma ― não contra a norma. Gênio é contra. E o grande problema é: dos que são contra, a maioria esmagadora é apenas medíocre. Não é genial. E, se Espinosa ou Sócrates não publicaram, pelo menos em vida ou com suas assinaturas, isso não quer dizer que toda pessoa que não publica seja Espinosa ou Sócrates...
Renato Janine Ribeiro 

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

O PT no divã....

PT por Renato Janine Ribeiro

PT. Nunca acreditei que traria o paraíso. Demorei a votar nele. Talvez por isso, minha decepção com ele seja menor do que a dos seus fiéis. Quem acreditava que ele era tão diferente dos outros caiu realmente de suas ilusões. Entendo. Mas quem não espera muito dos partidos tem menos a perder, pelo menos em termos de fantasias. Agora, mesmo assim, acho que ele deveria ter prestado contas sobre suas mudanças pós-2002, em especial a passagem da ética intransigente a uma política de resultados. Deveria ter explicado até onde iria nisso.

Renato Janine Ribeiro 

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

domingo, 2 de setembro de 2012

"O texto é uma trança, cada fio, cada código é uma voz, essas vozes trançadas ou trançantes forma a escritura..."


COLUNAS 

Terça-feira, 21/8/2012
Roland Barthes e o prazer do texto
Jardel Dias Cavalcanti 

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"O discurso está cansado, exausto de tanto produzir sentido". Com esse diagnóstico Roland Barthes não pretende instituir um saber, mas um certo jeito de viver o saber: "nenhum poder, um pouco de saber, um pouco de sabedoria, e o maior sabor possível".

Com a proposta de "saber com sabor", Barthes reinvindica, além da liberdade crítica, o prazer. Renunciando a qualquer pretensão de uma leitura sistemática, baseada em verdades linguísticas, históricas ou sociológicas. Barthes produz um texto desejado, sonhado, saboreado, transformado em texto prazeroso e deslumbrante, texto barthesiano.

Sua intensão foi buscar a produtividade do texto. Essa produtividade seria sua capacidade de produzir sentidos múltiplos e renováveis, que mudam de leitura a leitura. Ler não seria, então, aplicar modelos prévios, mas criar formas únicas, que são formas virtuais do texto ativadas pela imaginação do leitor. Ao reagir contra a indiferença da semiologia com relação aos objetos, Barthes reivindica a diferença: "cada texto é único em sua diferença. Cada leitura também é única em sua diferença". O próprio Barthes não desejava que seu trabalho fosse usado como modelo científico suscetível de ser aplicado a outros textos.

No seu livro "O prazer do texto", ele assume o individual contra o universal do modelo estruturalista, do corpo contra o conceito, o prazer contra a seriedade acadêmica, o diletantismo contra o cientificismo. Barthes se desloca a partir de então com um à-vontade despudorado, provocando os que exigem do intelectual uma estabilidade ideológica. Barthes não acredita em nenhuma posição de "verdade"; pelo contrário, achava que qualquer posição que se instala, que toma consistência e se repete, torna-se posição ideológica no mau sentido: uma posição que pode ser facilmente recuperada e utilizada pelo sistema dominante, para que ele mesmo se mantenha imutável.

Mas o livro "O prazer do texto" acabou desagradando a gregos e troianos, ou melhor, a marxistas, que o acusavam de ser um aristocrata, um individualista, um alienado; e a estruturalistas, que o acusavam de abandono do método.

Duas tendências coexistiam em Barthes: uma tendência apolínea (seu lado clássico, metódico, "científico") e uma tendência dionisíaca (seu lado sensual, anárquico). A partir de "O prazer do texto", foi a segunda tendência que prevaleceu: o Barthes do corpo, do gozo sensual dos signos, o Barthes escritor.

Barthes falava da escritura como instigadora da pulsão da curiosidade; e acrescentava freudianamente: "toda curiosidade é de fundo sexual. O que é erótico em um texto não é o tema, é o próprio texto. O texto é uma trança, cada fio, cada código é uma voz, essas vozes trançadas ou trançantes forma a escritura. O texto é em suma um fetiche, reduzi-lo à unidade do sentido, por uma leitura abusivamente unívoca, é cortar a trança, é esboçar o gesto castrador".

Assim Barthes desloca o erótico do tema para o texto, mostrando como o "fraseado" é líquido, lubrificado, "ele conjuga numa mesma plenitude o sentido e o sexo". A escritura é isso: "a ciência dos gozos da linguagem e seu kamasutra (dessa ciência, só há um tratado: a própria escritura)".

O texto não exprime nada, desdobra-se num duplo fetichismo: primeiro, o do sujeito que escreve sob suas eleições (a descrição da suavidade das mãos, o contorno dos lábios, o desenho do nariz, os pés) - tudo que no outro faz disparar o desejo; depois, já longe do quadro, o fetiche volta-se para a própria linguagem. Escreve-se, então, não para ser amado, mas para que as palavras sejam amadas, como fetiche. O texto, então, goza não da apreensão do significado, mas da voluptuosidade do significante.

Na verdade, diz Barthes, o sentido de um texto não pode ser outra coisa senão o plural de seus sistemas, sua transcriptibilidade infinita; um sistema transcreve o outro, mas reciprocamente: face ao texto não há língua crítica "primeira", "natural", "nacional", materna. O texto é, de chofre, ao nascer, multilíngue; não há nem língua de saída, nem língua de entrada, pois o texto tem do dicionário não o poder direcional (fechado), mas a escritura infinita.

Giles Deleuze, no seu livro "Dialogues" parece ter se sintonizado ao pensamento de Barthes, como fica claro na sua sugestão do que seria a leitura hoje: "As boas maneiras de ler um texto, é chegar a tratar um livro como se escuta um disco, como se olha um filme... como se é tocado por uma canção: todo tratamento do livro que exigisse um respeito especial, uma atenção de outra espécie, vem de outra época e condena definitivamente o livro. Não há nenhuma questão de dificuldade nem de compreensão: os conceitos são exatamente como sons, cores ou imagens, são intensidades que convêm a você ou não... não há nada a compreender, nada a interpretar."

O poeta inglês Dylan Thomas também sintetiza bem o que seria o pensamento barthesiano ao responder à pergunta: O que é poesia? "Que importa o significado da poesia? Se lhe pedirem uma definição digam: poesia é o que me faz rir ou chorar, que me faz vibrar, o que me faz desejar isso ou aquilo ou nada. O que interessa na poesia é o movimento eterno que está atrás dela, a vasta corrente subterrânea de dor, de loucura ou exaltação, por modesta que seja a intenção do poema".

No fim da vida, em sua "Aula", no Collège de France, a relação entre a língua e o poder se tornará uma assertiva radical. Para Barthes toda língua é uma classificação, a língua é fascista, pois obriga a dizer. Aqui se encontra a radicalização da idéia de discurso e poder de Foucault. Mas como sair da engrenagem fascista da língua? Para Barthes, só a literatura como "revolução permanente da linguagem" pode alterar essa situação.

Segundo Antoine Campagnon, no seu livro Os antimodernos, a questão que Barthes se coloca é: como neutralizar o poder da língua refazendo dela um objeto amado? Diferente do procedimento da vanguarda (surrealismo, principalmente) que incitava o ódio pela linguagem, em "O Neutro" Barthes propõe não a revolução, não a violência, mas a carícia. Ele diz: "Não desinfetar a língua, mas saboreá-la, roçá-la lentamente, ou até mesmo esfregá-la, mas não purificá-la". A língua como "écriture", lugar onde o homem pode exercer livremente sua sensualidade. Em seu Fragmentos de um discurso amoroso ele anota, finalmente: "A linguagem é uma pele: esfrego minha linguagem no outro. É como se eu tivesse palavras ao invés de dedos, ou dedos na ponta das palavras".

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Um conto /// " O desconhecido do MSN"


O desconhecido do MSN


Márcia iniciou o MSN e a janela com o convite se abriu: um certo Alessandro queria adicioná-la. Era bonito na foto e, no texto do convite - "Oi, te achei interessante. Posso te adicionar?"-, havia o endereço do perfil dele no Facebook. Decidiu, pois, dar uma checada antes. Viu que ele tinha apenas uns quarenta amigos - o que lhe pareceu pouco, talvez não estivesse há muito tempo naquela rede social -, notou que ele morava e trabalhava na mesma cidade, que tinham muitos interesses em comum, e o principal: pelas demais fotos via-se que era realmente um homem muito bonito, um sujeito a exalar um ar de confiança dos mais impressionantes. Claro, um piloto de helicóptero - uau! - não podia ser alguém sem auto-estima. O aparelho pode até preferir o combustível, mas os passageiros querem mesmo é alguém que lhes transmita segurança.

"Ok", pensou ela, "vou dar uma chance pra esse cara", e aprovou o convite. Ele, que já estava online, iniciou o contato imediatamente.

"Oi, ¿tudo bem?"

"Tudo, ¿e com você?", devolveu ela.

E iniciaram um longo diálogo que durou mais de três horas. Descobriram gostos em comum, falaram de livros, filmes, viagens, esportes radicais, gastronomia e até de astrologia, que a ela nunca interessou muito, mas que, em vista das descrições que ele lhe fazia com base apenas na sua data de nascimento, muito a tocou. Não era um homem qualquer. Via-se que conhecia os mais diversos temas. E como escrevia bem! Transmitia maturidade. Muito diferente de outros homens a quem ela dera uma brecha pela internet e que apenas a deixaram constrangida e irritada.

"Acho que estou prestes a cometer uma loucura", escreveu ela, por fim.

"E que loucura seria essa?"

"Acho que vou aceitar seu convite para esse passeio de helicóptero."

"¿Mesmo?"

"Mesmo."

"Isso não é tão louco assim. Eu piloto muito bem. Estará em boas mãos."

Ela hesitou alguns instantes. Mas preferiu abrir o jogo: "O problema é que sou casada".

"Hum, entendo. Mas não se preocupe, vou respeitar você."

"Rsrsrsrsrsrs", digitou ela. "Mas é que estou pensando em me separar do meu marido. A loucura que estou falando é a seguinte: ¿você consegue pilotar enquanto uma mulher te chupa?"

Ele demorou segundos demais para responder. Ela quase se arrependeu da ousadia. Então notou que ele digitava algo. E leu: "Bom, como profissional, acho que seria uma péssima idéia e realmente não deixaria você fazer isso comigo em pleno vôo. Mas podemos, antes ou depois do passeio - você escolhe a ordem - podemos passar uma tarde num motel".

"Perfeito!", disse ela. "¿Quando?"

Marcaram o encontro. E desconectaram. Ela estava decidida a ter essa aventura. Estava cansada da distância que o marido deixara crescer entre eles, cansada da sua falta de iniciativa, do seu desânimo, das suas reclamações e de sua eterna depressão. Ele vivia colocando a culpa dessa vida atolada no governo, nos ex-sócios, na falta de visão do brasileiro comum, enfim, a culpa era sempre de um outro, ele jamais assumia sua falta de atitude. Ele, que fora um homem cheio de sonhos e planos, uma pessoa criativa e muito inteligente, depois que se tornara Fiscal Federal na fronteira, costumava agora passar metade do mês noutra cidade, sempre se comunicando de uma forma amargurada, seca, como se não gostasse mais da vida ou, quem sabe, como se não gostasse mais dela. Já Rafael, o marido, não sabia o que pensar. Para não perder sua esposa, que tanto amava, de fato trocara seus sonhos por um emprego estável que pagava bem. ¿Quantas vezes ouvira os amigos a lhe dizer que precisava deixar de viver no mundo da Lua? ¿Quantas vezes lhe disseram que uma família precisa de segurança material e não de viagens na maionese artística? Mas agora estava fora de si. Não sabia se matava a si próprio, se matava Márcia, ou se as duas coisas. Desde o casamento, quatro anos antes, ele vivia criando perfis e contas de MSN falsos para testar a fidelidade da esposa. Mas essa estranha mania se acentuara com esse novo emprego, que o mantinha longe, numa cidade aborrecida, cultivando meramente os ciúmes e a preocupação. Sua imaginação não o abandonava, vivia martirizando-o. Imaginava a esposa sozinha, ainda jovem, bonita, sem filhos, sem ter o que fazer na capital. Entrava então no Flickr, copiava mil fotos de diversos estranhos, ficava dias preparando um perfil fake no Facebook, convidando pessoas aleatoriamente para dar uma certa credibilidade àquela vida falsa sem amigos reais, e, até aquele momento, por mais que tivesse tentado, na pele de um outro, seduzi-la com palavras, promessas, lascívia e até dinheiro, a esposa sempre se esquivara, alegando amar o marido e afirmando enfaticamente que havia aceitado o convite apenas por achar que se tratava de algum contato profissional. Desta vez, porém, ela não passou no seu teste.

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Conto extraído do meu livro Mestre de um universo.   YURI VIEIRA

terça-feira, 3 de julho de 2012

Morte absoluta // Manuel Bandeira

http://www.digestivocultural.com/blog/post.asp?codigo=1882&titulo=A_morte_absoluta&utm_source=twitterfeed&utm_medium=twitter

Morrer.
Morrer de corpo e alma.
Completamente.

Morrer sem deixar o triste despojo da carne,
A exangue máscara de cera,
Cercada de flores,
Que apodrecerão — felizes! — num dia,
Banhada de lágrimas
Nascidas menos da saudade do que do espanto da morte.

Morrer sem deixar porventura uma alma errante.
A caminho do céu?
Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?

Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra,
A lembrança duma sombra
Em nenhum coração, em nenhum pensamento.
Em nenhuma epiderme.

Morrer tão completamente
Que um dia ao lerem o teu nome num papel
Perguntem: "Quem foi?..."

Morrer mais completamente ainda,
— Sem deixar sequer esse nome.

Manuel Bandeira, no Casmurro, um blog que eu acabei de descobrir. 

Julio Daio Borges

domingo, 22 de abril de 2012

"Alice no país de Freud, Marx ou Hegel"


COLUNAS 

Quarta-feira, 16/1/2002
Alice no País de Freud, Marx ou Hegel
Paulo Polzonoff Jr 



+ de 4200 Acessos+ 4 Comentário(s)
Daniela Mountian
Existem leitores e leitores. Os primeiros, que são a grande maioria, quero crer, lêem por um estranho instinto que os guia página após página, até o êxtase final. Outros, lêem por uma necessidade estranha de encontrar sentidos ocultos em cada uma das frases impressas. Ao último time pertencem toda uma gama de acadêmicos, guiados por gurus como Marx, Freud e Hegel. Eles infestam os departamentos das universidades com teses que anunciam descobertas as menos interessantes possíveis: uma visão primitiva do fluxo de pensamento em Ulisses, de Joyce; uma cosmovisão da influência política da prosa dickensiana na União Soviética durante o regime stalinista; ou o falo e o totem nas Líricas de Camões. São livros cheios de aspas e citações nos mais remotos dialetos, que se sustentam por uma visão sempre específica demais sobre determinado parágrafo de tal página do romance tal. É como se, de cada obra-prima, brotassem obras-parasitas, que acabam, muitas vezes, por matar o hospedeiro.

Um dos casos mais explícitos é Lolita, o clássico de Vladimir Nabokov. O livro conta a história de um professor universitário que se apaixona perdidamente por uma menina de apenas doze anos. Pior: ele é seduzido por ela. Lolita é um verdadeiro demoniozinho, com consciência plena de cada ato seu. Claro que o professor não é nenhum santo; tanto que ele acaba por matar a mãe da menina quando ela descobre o flerte entre os dois. Nabokov, contudo, que não é bobo nem nada, tratou de dar uma explicação, logo nas primeiras páginas do livro, para a fascinação do professor Humbert Humbert pela pequena e lasciva Lolita: ele teria se apaixonado perdidamente, na puberdade, por uma menina que morrera dias depois de trocarem carícias, em algum lugar da Europa.

O livro, como se vê, é um prato cheio tanto para freudianos, como para marxistas e para sociólogos de todas as tribos. Além disso, é matéria-prima para leituras cristãs, mulçumanas e até médicas. Não estaria exagerando se dissesse que é um dos livros mais discutidos do século 20. Os freudianos, obviamente, se atém ao comportamento sexual de Humbert Humbert e de sua amante-mirim. Eles criticam a explicação de Nabokov para o desvio, por assim dizer, do professor — o argumento do romancista seria pouco consistente do ponto de vista analítico. E toneladas e toneladas de papel são gastas para se explicar o comportamento de Nabokov de acordo com esta ou aquela corrente da psicanálise. Já os marxistas, estes, mentes geniosas capazes de enxergar um chifre em cabeça de cavalo a quilômetros de distância nas largas e geladas estepes russas, gostam de ver no romance de Nabokov toda a degeneração moral causada pelo capitalismo. Ainda mais em se tratando de um escritor de origem russa, que se tivesse crescido e desenvolvido sua narrativa sob os auspícios do regime vermelho, jamais teria escrito tamanha pornografia. Para os adoradores de Marx, Lolita seria a encarnação do demônio estampado na nota de cem dólares. Os sociólogos, estes gostam de dar explicações as mais estapafúrdias possíveis. Rir, nestes casos, é o melhor remédio para não se irritar. A última que li até que não era das piores, e dizia que o livro de Nabokov nada teria a ver com pedofilia; o romance seria um retrato da hipocrisia americana, já que, na viagem empreendida pelos amantes por toda a América, ninguém questiona o fato de aquele homem dormir com uma menina. Até que parece plausível, não fosse reduzir o romance a um tratado antropológico. Os cristãos, obviamente, condenam o livro, sério candidato a entrar para o próximo Index Librorium Prohibitorium, por suas cenas de sexo, por sinal, narradas com extrema delicadeza por Nabokov. Eu, particularmente, jamais esquecerei uma cena em que Lolita se senta no colo de Humbert Humbert enquanto ele lê jornal e.

Escrevi sobre Lolita para anunciar o mais recente edição de Aventuras de Alice no País das Maravilhas e Através do Espelho, pela Jorge Zahar Editor (R$ 38,50), com as ilustrações originais de John Tenniel, e devidamente comentada pelo carrolliano Martin Gardner. O livro é enriquecedor do ponto de vista interpretativo. Jamais li, em toda a minha pequena vida, tantas notas inúteis.

Para quem não conhece e venha a se interessar pelo romance, As Aventuras de Alice no País das Maravilhas narra um sonho da pequena Alice numa terra imaginária. A divagação começa quando Alice decide seguir um coelho e entra na toca dele. Cai até o centro da Terra ou lugar próximo e lá conhece as mais estranhas criaturas, que estão sempre a se agredirem com piadinhas e trocadilhos. Já Através do Espelho conta uma viagem da menina por um... espelho! Lá ela se envolve num intrincado jogo de xadrez, também com criaturas estranhas, também com agressões mútuas. Para o comentador Martin Gardner, contudo, Alice... é mais do que uma história muito bem engendrada pela mente matemática de Carroll; é um verdadeiro Finnegans Wake do século 19. Por vezes, a impressão deste leitor foi de estar entrando na mente de Carroll e desvendando segredos nem por ele imaginados. Numa mistura de biografia com psicologismos fáceis, alguma erudição de enciclopédia e conclusões capazes de ligar a palavra guarda-chuva com uma civilização perdida no mar da Arábia, Gardner torna o livro de Carroll uma muralha intransponível, escrito, ao que parece, desde a primeira até a última linha, para ser um dos alicerces da literatura americana. Claro, como não poderia deixar de ser, na edição comentada faz-se alusões ao suposto envolvimento de Carroll com a garotinha a quem o livro foi dedicado.

Ler um livro sem este tipo de ruído (para usar um tipo de jargão que os comunicólogos adoram) é, por outra, uma experiência gratificante. As Aventuras de Alice... é uma obra-prima do nonsense, capaz de dar nó nas imaginações mais férteis. Esqueça os simbolismos matemáticos, a sexualidade sempre duvidosa de Carroll, a hipótese do consumo de drogas durante a criação do livro, as interpretações freudianas, marxistas, hegelianas, católicas ou protestantes, e tente ler o romance como uma história capaz de fazer os mais intrincados ziguezagues para se ir de a até z.

Não faço aqui, como podem pensar os mais precipitados, uma apologia da leitura retilínea, homogênea, pastosa e superficial. A mim me parece óbvio que livros como o de Carroll ou Nabokov (entre tantos) foram escritos com a tinta carregada da ambigüidade, e por isso mesmo é que são considerados grandes romances. A ambigüidade, contudo, permite muitas leituras individuais, e é nesse sentido que as leituras acadêmicas, seja de que corrente forem, são perniciosas. Porque reduzem o leitor-indivíduo a um leitor-seguidor, não raro membro de sociedades que se voltam para o estudo da arte numa espécie de tertúlia conspiratória sob os mandamentos deste ou daquele pensador. Quando nada há de maisindividual (quer chamar de egoísta? Pois chame) do que a arte. 


Paulo Polzonoff Jr 
Rio de Janeiro, 16/1/2002

domingo, 12 de fevereiro de 2012

"A origem da dança" - 21/2/2012 - Digestivo Cultural - Jardel Dias Cavalcanti - Colunas

A origem da dança

No palco, o bailarino estende seu braço para além de qualquer gesto identificado no hábito da vida comum. Ele busca expressar alguma coisa, não sabemos bem o que, algo subjetivo,comunicado pela forma com que seu corpo gira, extendendo-se em posições desnecessárias à existência comum: ele dança. Porque ele precisa dançar para nos levar para essa zona obscura da nossa vida: a sensibilidade?

De uma forma geral, diversos autores, entre eles Miriam G. Mendes, Eliana Caminada, Antonio Faro, Luis Elmerich, Dalal Achaar, atestam que a essência da dança do homem primitivo surgiu de uma necessidade emocional de se expressar, percebendo as forças da natureza, o seu poder misterioso e tendo a vontade de imitar essa força, de possuir essa força. A dança teria, então, um caráter mágico, estando ligada a rituais e cerimônias, aos desdobramentos dos poderes da natureza. Essa concepção a respeito da origem da dança descarta outros componentes que poderiam ser discutidos e que explicariam o sentido do dançar.

No Período Paleolítico, quando o homem primitivo fez pinturas de animais em cavernas como forma mágica de se preparar para possuir aquele animal que iria abater na caça, traria a dança em seu corpo como parte integrante desse ritual de emanação de seus poderes? Talvez esteja aí uma grande questão a ser discutida: como o homem chegou ao desenvolvimento desses movimentos e gestos para, então, se utilizar dessa memória corporal usando-a em rituais?


É evidente que há a questão do desenvolvimento físico, do homem se tornar um bípede e na busca por dominar seu corpo, que traz essa apreensão do desenvolvimento gestual como uma memória corporal que vai se formulando:

Podemos afirmar que na busca evolutiva de libertação do corpo, a dança se instala como culminância de um longo processo. Libertar o corpo e dominá-lo parece ser o destino inexorável do homem. A dança emerge como explicitação desta conquista humana. 

Essa discussão acaba por esbarrar em questões levantadas por outros autores, como Miriam G. Mendes, Mônica Dantas, Susanne Langer, que perguntam: até que ponto todo movimento e gesto é considerado dança? Fica claro que não, nem toso gesto é dança, pois fazer-se da dança é a imaginação, pois todo gesto e movimento para ser considerado dança deve ser imaginado.

O homem primitivo já não possuiria no desenrolar de seu desenvolvimento geral e em específico, no seu pensamento, seu processo criativo, o imaginário, para ter criado posteriormente essa noção de possuir os poderes do mágico?

Vários são os pensadores que se debruçaram sobre esta importante questã: afinal o que levaria o ser humano a criar um universo paralelo à sua própria vida e que denominaria ARTE? O que estaria na origem da criação de determinado gênero artístico (música, dança, literatura, pintura, etc) é tão específico em suas origens quanto nas explicações sobre elas.

O universo de explicações à pergunta "o que levou o homem a dançar?" é grande. Cada historiador da dança, cada esteta, cada dançarino que se queira também pensador da dança, emitiu o resultado de suas reflexões sobre o tema. Em geral tantos são os pensadores quanto diferentes são suas interpretações sobre o tema.

Desde a idéia de Susanne Langer, de que "os primeiros ingredientes da arte são geralmente formas acidentais encontradas no meio ambiente cultural, que exercem atração sobre a imaginação como elementos artísticos usáveis" , passando por Rudolf Laban que diz que o gesto (elemento básico da dança) se origina do sentimento real, onde "de um golpe, como relâmpago, o entendimento torna-se plástico" , até Curt Sachs que, no seu famoso livro A world history the dance, vê que "a dança dos homens é, em seu início, uma agradável reação motora em um padrão ritmico" , as interpretações fornecem amplo material para o debate.

Para que o debate seja implementado com coerência e que as diferenças sejam avaliadas claramente, faz-se necessário chegar-se a uma conclusão necessária sobre o que seja a dança, pois na raiz das interpretações sobre a origem da dança estão expostas também as definições do que seja a dança em si enquanto arte. Quando é que um movimento torna-se arte? São perguntas importantes, pois definem a arte da dança.

Seria a dança, então, como define Camila Wedgewood, na Enciclopédia Britânica, "um fenômeno rítmico de alguma ou todas as partes do corpo para expressar emoções e idéias, segundo um esquema individual ou coletivo?"

Suzanne Langer, no seu livro Sentimento e Forma
, questiona esta relevância da função biológica da dança, antes dela ter adquirido o status de arte.
Curt Sachs, por sua vez, definiu a dança como um conjunto organizado de movimentos ritmados do corpo sem nenhum aspecto utilitário, isto é, sem servir para finalidades de trabalho. Considerou-a, também, uma arte básica e prioritária em relação a todas as outras expressões de criatividade humana porque o bailarino usa o próprio corpo par elaborar o produto de sua criação. "Nenhum elemento se interpõe entre o criador e a criação contidos numa só pessoa". 

O mesmo Curt Sachs diz que é perdendo seu caráter pragmático, religioso, que a dança foi elevada ao status de drama, quando sua estrutura voltou-se para o dramático, ou seja, tornou-se uma preocupação do campo da arte.

Idéia que também pode ser questionada, pois a dança não perdeu absolutamente seu sentido mítico (de revelar modelos exemplares de todos os ritos e atividades humanas significativas, segundo definição de Micea Eliade), agregando elementos rituais que expressam a existência de práticas da comunidade humana (casamento, trabalho, alimentação).

Povos primitivos, pelo que se pode ver através de estudos de antropólogos, arqueólogos e historiadores, procuravam expressar como o movimento e o gesto características rituais através de dramatizações dançantes, sendo esses movimentos comunicadores de seu sentido espiritual e social.

É nesse sentido que partem muitas explicações da origem da dança, cuja ênfase é cultural, ou seja, da dança como elemento organizador do trabalho e da comunidade humana.

Não resta dúvida de que a dança modificou-se, que seu sentido alterou-se dentro da história, mas a pergunta que nos ocupa aqui continua sendo relevante: afinal, o que elevou o homem a criar movimentos sem fins utilitários, ou seja, simplesmente dançar? 

Como em todas as artes, foi o desejo de se reinventar para além da sua existência puramente biológica, para além da simples organização prática da vida, em busca de uma transcendência que só a arte pode dar.


Jardel Dias Cavalcanti 
Londrina, 21/2/2012


sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Uma exposição do talento de Daniel Piza por Júlio Daio Borges em o "Digestivo Cultural"

http://www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=3480&titulo=Encontros_(e_desencontros)_com_Daniel_Piza

Fernando Pessoa


* Lamento, sinceramente, não ter tido mais encontros com o Daniel Piza. Perdi alguém que, além de uma admiração, foi uma espécie de mentor. Quase um irmão mais velho que o jornalismo cultural me legou. E perdi um intelocutor como poucos. Gostaria de dizer, ainda, que perdi um amigo, se não estivéssemos, muitas vezes, em arenas opostas, e se tivéssemos sabido aproveitar mais a amizade, pura e simples. O Daniel vai ficar como um dos grandes do nosso jornalismo, podendo se ombrear com os maiores de qualquer época, e de qualquer país, na editoria de cultura. Talvez como a bossa nova, na frase de Caetano Veloso, o jornalismo brasileiro não tenha sabido merecê-lo. Sua erudição era autêntica (fui testemunha) e a lista de coisas que lia e/ou acompanhava sempre me exasperava. Minha salvação, aliás, foi ter desistido de ser o Daniel Piza, no tempo do "Fim de Semana", e ter procurado meu próprio caminho, através do Digestivo. <http://www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=3480&titulo=Encontros_(e_desencontros)_com_Daniel_Piza>

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Mais sobre Daniel Piza....

http://www.digestivocultural.com/blog/post.asp?codigo=3291&titulo=Um_Leitor_sobre_Daniel_Piza
Olá, Julio

Queria ter escrito logo na semana passada, mas acabou ficando só para hoje. Meu nome é Germano Stein, te sigo no Twitter. Meu objetivo era agradecer pelo texto sobre o falecimento do Daniel Piza

Como leitor dele de longa data, sua morte repentina me entristeceu profundamente e eu ainda procurava na internet algum obituário que lhe fizesse justiça. Eu até já havia procurado um texto teu no Digestivo na terça à tarde, mas não vi nenhuma menção. Achei até estranho, sabia que o Piza era uma figura tão importante para você e o Digestivo. Por isso, foi uma alegre surpresa ver na quarta de manhã um link no Twitter para o "Encontros (e Desencontros)"........>>>>>



Acho que isso resume meu histórico com a obra do Piza, mas não explica exatamente minha tristeza. Em primeiro lugar a trajetória do Piza lembra ― para usar termos do futebol que lhe era tão caro ― um jogo com um placar final amargo, cheio de bolas na trave e golaços que ficaram no quase.