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PCC SE DESFAZ E OUTRA FACÇÃO SURGE ...

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sábado, 21 de outubro de 2017

"A vida não é um tribunal" / Hélio Schwartsman

hélio schwartsman
É bacharel em filosofia, publicou 'Pensando Bem...' (Editora Contexto) em 2016.
Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos.

A vida não é um tribunal

Mateus Bonomi/Folhapress
Policiais retiram placa com frases alusivas à corrupção colocada por manifestantes em frente ao Congresso Nacional, nesta segunda
Policiais retiram placa com frases alusivas à corrupção colocada por manifestantes no Congresso
SÃO PAULO - Num tom muito cordial, pelo qual agradeço, Reinaldo Azevedo criticou minha coluna do dia 18, em que apontava semelhanças entre as sinas de alguns políticos. "Temer é vítima de um complô, Aécio, de armação, e Lula, de perseguição", escrevi. Azevedo, se resumo bem seu argumento, diz que eu fui irônico e que isso é inadmissível diante das ilegalidades e abusos processuais a que os três dirigentes estão sendo submetidos.
Admito que eu tenha sido irônico, mas não creio que isso seja pecado. O que me surpreendeu é que Azevedo, que sabe ler e interpretar textos com maestria (ele daria um excelente talmudista), tenha deixado escapar o ponto central de meu artigo. Como Azevedo, sou um garantista. O Estado de Direito é um dos alicerces da civilização contemporânea. E deixei bem claro na coluna que nenhum dos três políticos pode sofrer sanções penais sem que sua culpa tenha sido demonstrada. Na esfera criminal, as garantias dadas a acusados precisam ser maiúsculas. "Reus sacra res est" (o réu é coisa sagrada). Só que a vida não é um tribunal. Ela encerra outras dimensões em que o nível de proteção ofertado à defesa não precisa e nem deve ser tão elevado.
O exemplo mais rudimentar é o do eleitor. Ele não tem de considerar as explicações de Lula ou de Aécio antes de negar-lhes seu voto. Num plano intermediário estão os conselhos de ética do Legislativo. Eles não podem cassar ninguém sem nem ouvir sua versão, mas não precisam proceder com o mesmo rigor formal e material do Judiciário. Ao contrário do que se dá com juízes, a Carta não exige de parlamentares que fundamentem seus votos condenatórios.
Independentemente das tipificações penais e da validade das provas, ficou bem demonstrado que Temer, Aécio e Lula se meteram em relações promíscuas com empresários que já confessaram inúmeros atos de corrupção. Isso é mais que suficiente para uma condenação política.

sexta-feira, 17 de março de 2017

O Brasil escolheu ser infeliz e o projeto segue célere nas ruas e nas casas legislativas

http://avaranda.blogspot.com.br/2017/03/prevendo-o-desastre-helio-schwartsman.html?m=1

sexta-feira, março 17, 2017

Prevendo o desastre - 

HÉLIO SCHWARTSMAN

Folha de SP - 17.03

SÃO PAULO - Dezenas de milhares foram às ruas contra a reforma da Previdência. Na ponta do lápis, eu também deveria ser contra. Já passei dos 50 e, portanto, estou "quase lá". É improvável, ainda, que o sistema quebre nos próximos 30 ou 35 anos, de modo que um eventual colapso não me afetaria diretamente.
Quanto a meus filhos, que poderiam, sim, ser prejudicados pela inação, estou lhes dando uma educação que permitirá que busquem uma carreira fora do Brasil, se o país insistir em marchar voluntariamente para a inviabilidade. Mas, por motivos que transcendem a pura racionalidade, eu não quero que o Brasil fracasse, mesmo que já não esteja neste mundo para testemunhá-lo.

A discussão da Previdência é, no fundo, simples. Lá no início, adotamos o sistema de repartição simples, pelo qual são os trabalhadores em atividade e os contribuintes que arcam com as despesas das aposentadorias dos idosos e as pensões. É um sistema que pode dar-se ao luxo de ser generoso enquanto houver muitas crianças nascendo, precisa ir se tornando mais cauteloso (quase avarento) à medida que a população envelhece, e fica perigosamente perto da inexequibilidade quando a fecundidade cai muito e já não repõe a PEA (população economicamente ativa).

O Brasil já deixou de ser um país que produz muitos jovens e caminha rapidamente para ser um que gera muitos velhos. A taxa de fecundidade caiu de 6,28 filhos por mulher em 1960 para 1,72 em 2015 —o que é menos do que o necessário para manter a população constante. Nesse meio tempo, a proporção de idosos (mais de 60 anos) passou de 4,7% da população para 14,3%. E as projeções não indicam nenhum alívio à frente.
Nada contra buscar mais recursos para o INSS, mas não vislumbro crescimento econômico, maior formalização ou aumento de tributos que dê conta do tsunami demográfico que já está contratado. Ou fazemos uma boa reforma, ou não vai dar.

terça-feira, 27 de setembro de 2016

Dúvidas que o advogado usa e abusa... / Hélio Schwartsman

terça-feira, setembro 27, 2016

Prisões metafísicas - 

HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 27/09


SÃO PAULO - As prisões cautelares determinadas por Sergio Moro são ilegais e injustas, como alegam os defensores dos encarcerados? Aristóteles abre o livro Z da "Metafísica" escrevendo: "Tò òn légetai pollachôs", que pode ser traduzido como "aquilo que é se diz de várias maneiras". A multiplicidade de significados também se aplica às prisões.

Num primeiro sentido, bem ao rés do chão, as ordens são legais, já que foram assinadas por um magistrado que as fundamentou juridicamente, como exige a lei. Quando os defensores afirmam que elas são ilegais, não contestam esse aspecto formal, já que nunca aconselham seus clientes a evadir-se ou resistir à injusta agressão dos policiais, o que estaria em seu direito se as prisões fossem ilegais nesse sentido mais estrito.

O ponto dos advogados, com o qual concordo, é que as justificativas para as prisões nem sempre são sólidas. Pela lei, tanto a prisão preventiva como a temporária deveriam ser excepcionais, só cabendo quando não houver outro modo de dar seguimento às investigações ou quando se provar que a liberdade do acusado traz riscos como fuga, sumiço de provas ou perigo para a ordem pública.

O próprio juiz Sergio Moro se traiu no caso de Guido Mantega, cuja prisão foi decretada e revogada num intervalo de poucas horas. Ou bem ela não era tão imprescindível quanto o magistrado inicialmente pensara, ou então a soltura é que foi precipitada.

Há ainda uma terceira camada de sentido, que diz respeito a como as prisões cautelares são usadas de fato no país. Aqui, infelizmente, o abuso é a regra. Isso significa que os defensores têm razão ao reclamar de que a melhor interpretação da lei não está sendo seguida, mas avançam o sinal quando afirmam que seus clientes são vítimas de um tribunal de exceção. A menos, é claro, que estendamos o "de exceção" ao próprio sistema judiciário brasileiro, mas, neste caso, a grita não poderia ficar limitada aos réus da Lava Jato.

domingo, 18 de setembro de 2016

" O crescimento intelectual exige o confronto de ideias -o que inevitavelmente causa desconforto." / Hélio Schwartsman

domingo, setembro 18, 2016

Desconforto - 

HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 18/09

SÃO PAULO - Nos anos 80, quando eu fazia a cadeira de grego clássico na USP, havia uma aluna evangélica. Numa prova, não lembro bem em qual semestre, nos foi dada a tarefa de traduzir para o português um texto que falava de Zeus, Hera e outros deuses pagãos. A estudante se recusou a fazer o teste, alegando que escrever aqueles nomes "nojentos" ia contra sua religião.
Nossa professora, a excelente Isis Borges da Fonseca, em seu estilo sempre sem papas na língua, disparou: "então, você vai tirar zero". A ideia aqui é que alguém que se dispõe a estudar o idioma e a civilização gregos não pode se negar a ser exposto à cultura helênica, que, obviamente, inclui os deuses olímpicos.

Esse episódio me veio à memória ao ler uma reportagem sobre a polêmica desencadeada pela Universidade de Chicago que enviou uma carta de boas-vindas aos calouros deste ano em que os advertiu de que não devem esperar um ambiente politicamente correto (PC).

A missiva, assinada pelo diretor Jay Ellison, afirma que a universidade não apoia os chamados "trigger-warnings", isto é, os alertas que precedem textos cujos conteúdos possam ser tidos como inadequados, não desconvida palestrantes que tratem de temas controversos e não está comprometida com a criação de "safe spaces", espaços seguros em que os estudantes podem isolar-se de ideias com as quais não concordam.

Como já escrevi aqui, não sou daqueles que têm horror ao PC, que eu considero o efeito colateral de um movimento civilizatório. É positivo que estejamos cada vez mais preocupados com direitos de minorias, mas isso não nos autoriza a censurar discursos que não partilhem desses valores nem a poupar estudantes do contraditório. Assim como, 30 anos atrás, dei razão a Isis, agora dou razão à Universidade de Chicago. O crescimento intelectual exige o confronto de ideias -o que inevitavelmente causa desconforto.

sábado, 23 de julho de 2016

Fugindo do destino razoável... Hélio Scwartsman

O preço do óbvio - 

HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 23/07

O futuro é incerto? Eu apostaria que sim. O demônio de Laplace, isto é, a ideia de que um intelecto superpoderoso que conhecesse as leis da física e as posições atuais de todos os átomos do Universo saberia automaticamente o passado e o futuro de tudo, perdeu popularidade do século 19 para cá.

Não apenas não nos é possível na prática reunir tamanho conhecimento como, diante do inegável sucesso da mecânica quântica, há motivos para acreditar num Universo menos determinista, que traz algum grau de incerteza inscrito em seu âmago.

Apesar desses problemas intratáveis, há situações em que é relativamente fácil prever o futuro. A percepção de que a Rio-2016 se revelaria um péssimo investimento entra nessa categoria. Em 2009 escrevi a coluna "Pesadelo olímpico", na qual antecipava algumas das encrencas fiscais agora evidentes. Dois anos antes, por ocasião do Pan, já anunciava, no texto "Entregando o ouro", meu receio pelo buraco financeiro que contrataríamos caso o Rio viesse a ser escolhido para sediar os Jogos.

Obviamente, não tenho parte com o demônio de Laplace. Minhas previsões eram fáceis por uma razão bastante simples: no agregado, pessoas e governos se comportam de modo muito semelhante. A esmagadora maioria das cidades que hospedaram uma Olimpíada, quando fizeram as contas na ponta do lápis, constataram que haviam feito um péssimo negócio. A tendência é tão saliente que os economistas já haviam até cunhado a expressão "maldição olímpica" para designar o fenômeno. E, se nem países desenvolvidos se deram bem nesse jogo, no caso do Brasil o sensato a fazer era multiplicar por "n" o tamanho do prejuízo.

Há aí uma lição para a vida. Nunca confie em projeções interessadas e nem mesmo em como sua imaginação pinta o futuro. Se você quer um guia um pouco menos incerto, verifique como se encontram aqueles que já passaram pela situação.

sexta-feira, 22 de julho de 2016

O Terror é protagonista, realista e cria medo...

Controlando o terror? - 

HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 22/07

Um de meus vieses humanos favoritos é a ilusão de controle —a tendência de superestimar nossa capacidade de comandar o curso dos acontecimentos. É uma característica particularmente interessante de nossa espécie porque, apesar de nos impelir a uma avaliação objetivamente errada da realidade, em muitas situações produz consequências positivas, ao fazer com que perseveremos em vez de desistir à primeira dificuldade.

A fiscalização reforçada nos aeroportos, que o Brasil resolveu expandir para voos domésticos às vésperas da Rio-2016, me parece uma resposta mais em linha com nossa vontade de estar no controle do que com os ditames de eficácia. A maioria de nós não pensa duas vezes antes de apoiar esse tipo de medida, que, afinal, visa a nos manter vivos e em um único pedaço, como é conveniente. O problema é que não dá para pensar esse tipo de questão em termos absolutos. Tudo em sociedade é uma solução de compromisso entre o ideal e as necessidades práticas. Quantas horas-passageiro a mais na fila estamos dispostos a aguentar para evitar um ataque? E será que a revista rigorosa frustra mesmo atentados?
Para alguns especialistas, seu efeito mais notável é deslocar o local do ataque. Em vez de ocorrer a bordo do avião, ele acontece no saguão, como vimos em Istambul e Bruxelas. E por que limitar-se ao setor aéreo? Se as coisas ficam difíceis nos aeroportos, é possível mudar para alvos mais fáceis, como transportes de massa (Madrid, Londres), lugares de diversão pública (Orlando, Paris) ou mesmo aglomerações (Nice). Obviamente, não dá para revistar cada indivíduo que entra no metrô ou vai para a rua.

A melhor estratégia para evitar ataques ainda é o monitoramento de suspeitos por serviços de inteligência, que está longe de infalível. A verdade, por mais depressivo que seja reconhecê-lo, é que, fora da esfera do marketing, nosso controle é mais limitado do que imaginamos.

quarta-feira, 4 de maio de 2016

"O próprio direito não passa de um grande teatro, ainda que funcionalmente útil..."


quarta-feira, maio 04, 2016

O grande jogo 

- HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 04.05

Não pense numa revoada de pássaros. Dileto leitor, por maior que seja a sua boa vontade para com este escriba, se você leu a frase anterior, é cognitivamente impossível que não tenha pensado numa revoada de pássaros.

Num nível apenas um pouquinho menos dramático, o juiz que instrui o júri a ignorar uma prova incriminadora mas inválida que tenha sido exibida por descuido quase certamente será ignorado. Os jurados podem até jurar que chegaram ao veredicto de culpado sem considerar aquela prova, mas seus neurônios não conseguem "esquecer" o que viram, e o novo conhecimento inevitavelmente influiu na decisão.

Com o impeachment é a mesma coisa. Embora a peça jurídica que fundamenta o pedido de afastamento de Dilma esteja circunscrita a pedaladas e decretos, é praticamente impossível que os senadores não levem em conta o conjunto da obra na hora de julgá-la —exatamente como fizeram os deputados quando autorizaram a abertura do processo.

Isso transforma boa parte das oitivas e procedimentos a que assistimos num grande teatro. As pessoas falam, expõem suas razões e contrarrazões, mas, ao fim e ao cabo, os senadores farão o que tiverem vontade. Adeptos da teoria do golpe já verão aí motivos para impugnações e nulidades, mas, fugindo um pouco do campo das paixões políticas, é possível argumentar que o próprio direito não passa de um grande teatro, ainda que funcionalmente útil.
Um dos campeões dessa visão é o historiador holandês Johan Huizinga (1872-1945). Para ele, a ideia de jogo está por trás de todas as instituições culturais, incluindo filosofia, linguagem, arte e, claro, o direito. Traços disso estão por todos os lados. Na Inglaterra advogados e juízes ainda usam perucas (por aqui só sobrou a toga). A coisa funciona porque aceitamos os resultados desses jogos como legítimos e não os contestamos de forma violenta.

sexta-feira, 25 de março de 2016

"Quando saí, o governo Dilma respirava por aparelhos; agora, estertora." / Hélio Schwartsnam

sexta-feira, março 25, 2016

País conflagrado - HÉLIO SCHWARTSMAN


FOLHA DE SP - 25.03

SÃO PAULO - Fui ao Oriente Médio e, na volta, encontro o Brasil conflagrado. Quando saí, o governo Dilma respirava por aparelhos; agora, estertora. O fato que mais contribuiu para lançar combustível às chamas foi a divulgação, por Sergio Moro, da gravação de um diálogo comprometedor entre Dilma e Lula.

Para os simpatizantes do Planalto, o juiz federal violou todas as regras atinentes a escutas telefônicas, ao privilégio de foro e desrespeitou a instituição da Presidência da República, a soberania nacional etc. Deveria estar atrás das grades. Para a turma pró-impeachment, Moro agiu como herói ao lançar luzes sobre as entranhas pouco iluminadas do poder.

Como tudo na vida, a questão é mais nuançada. Pelas análises de juristas que li, acho que dá para sustentar que a produção das provas, que incluem o diálogo comprometedor, foi legal; há dúvidas sobre sua validade num eventual julgamento da presidente; e é mais ou menos certo que Moro avançou o sinal ao revelar "urbi et orbi" seu conteúdo.

Isso, é claro, só vale no âmbito jurídico. Na esfera política, é preciso ser apaixonadamente petista para não perceber que o juiz recorreu a um expediente de que o PT não só se utilizou no passado como frequentemente elogiou, que é tornar público aquilo que aos poderosos interessa manter secreto –mesmo que para isso certas leis tenham de ser violadas.

Para ficar num caso recente, o governo não se mostrou tão zeloso com procedimentos quando o ex-agente americano Edward Snowden, em violação às leis dos EUA, divulgou em 2013 dados que mostravam Washington bisbilhotava a presidente brasileira. Um ministro de Dilma disse na ocasião que o ex-espião prestara um "serviço à humanidade".

No que a atitude de Moro difere da de Snowden? Mesmo que o diálogo não valha como prova num tribunal, foi bom para o país ter tomado conhecimento dessa conversa? O velho PT teria dito "sim" sem pestanejar.

sexta-feira, 7 de março de 2014

"Minha reação emocional diante do nacionalismo é nula"... / Hélio Schwartsman

O que faz um povo?

SÃO PAULO - A crise na Ucrânia tem como pano de fundo uma mistura de geopolítica com elementos econômicos, mas o que lhe dá combustível são os nacionalismos. A essa altura, é difícil evitar que ao menos a Crimeia passe para as mãos dos russos. Mas será que isso é um mal?
Assim como me parece irracional fazer uma guerra para juntar povos, creio que é igualmente estúpido ir às vias de fato para evitar que parte de um país se desmembre, mas admito que sou atípico nessa matéria: minha reação emocional diante do nacionalismo é nula. Penso até que pessoas que se dizem dispostas a morrer por sua pátria têm um parafuso a menos. Entre as muitas abstrações pelas quais não faz sentido sacrificar-se está a ideia de nação, um conceito para lá de artificial do qual tiranos e mesmo dirigentes democráticos abusam bastante.
O que, afinal, constitui uma nação ou um povo? E a resposta é basicamente "uma narrativa". Ela pode estar voltada para o passado, como queriam os românticos com suas descrições dos feitos míticos de um povo, ou para o futuro, como defendem, de forma mais razoável, aqueles que falam em construir juntos novas oportunidades. Trata-se, ainda assim, de um discurso que visa a encontrar pontos em comum para unir grupos de pessoas que reúnem mais diferenças do que semelhanças.
O gaúcho de Porto Alegre está culturalmente mais próximo do argentino de Buenos Aires do que de um pescador amazonense, e o médico do Rio tem mais a ver com seu colega nova-iorquino que com um peão pantaneiro. O discurso nacionalista, porém, faz com que coloquemos a cor do passaporte à frente de tudo.
Faz sentido? Não muito, mas os nacionalismos são tão prevalentes (e podem custar tão caro) que parece lógico concluir que se escoram em vieses cognitivos poderosos o bastante para escapar aos temperos da razão. Não são muito boas, portanto, as perspectivas para a Ucrânia. 
hélio schwartsman
Hélio Schwartsman é bacharel em filosofia, publicou 'Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão' em 2001. Escreve de terça a domingo.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Heurística recebe 'cartão amarelo' do Bom Senso... // Hélio Schwartsman


Escolhas necessárias



SÃO PAULO -
 Pensar dá trabalho e, por isso, preferimos nos apoiar na heurística, isto é, naquele conjunto de regras, que podem ser culturalmente transmitidas ou basear-se em impulsos biológicos, que nos faz tomar decisões rapidamente.
O problema com essas regras é que elas não precisam estar sempre corretas. Basta que funcionem mais do que não funcionem para que sejam preservadas pela cultura e pela evolução. Nas situações em que não dão tão certo, as chamamos de vieses.
Um bom caso é o do exame do Cremesp, que reprovou quase 60% dos 2.843 recém-formados no Estado. Por razões legais, o teste não é eliminatório. O futuro médico tem de fazê-lo, mas não precisa ser aprovado.
A maioria das pessoas, apoiada em vieses, se revolta com essa situação. A ideia de credenciar médicos que se mostraram despreparados para a função faz nossos alarmes internos dispararem. Esse, porém, não é o único viés em jogo aqui. Também ficamos indignados com hospitais públicos sem médicos e pacientes sofrendo na fila. Essas imagens têm forte apelo para nosso senso de justiça.
A dificuldade é que ambas as intuições, embora justificáveis, são difíceis de conciliar. Se queremos mais médicos, a ponto de importá-los de Cuba e dispensá-los de provas técnicas, não faz muito sentido dificultar o processo de licenciamento dos profissionais aqui formados.
Em situações complexas, não dá para nos fiarmos na heurística. É preciso definir racionalmente se a prioridade será completar as escalas dos hospitais ou selecionar com rigor quem poderá exercer a medicina.
O governo e a população, a julgar pelas pesquisas de aprovação ao Mais Médicos, já tomaram sua decisão. Diante do fato consumado, para que a prova do Cremesp não seja uma completa inutilidade, o conselho deveria ao menos abrir os resultados por escola, a fim de que o teste ajude os futuros alunos de medicina a fazer melhores escolhas. 


hélio schwartsman
Hélio Schwartsman é bacharel em filosofia, publicou 'Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão' em 2001. Escreve de terça a domingo.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Procrastinar é bom, é ruim (?!)


hélio schwartsman

 

05/12/2012 - 03h30

Os últimos serão os primeiros


SÃO PAULO - "Espere: a útil arte da procrastinação", que acaba de ser lançado no Reino Unido, não é um livro ruim. Padece, porém, de um defeito que está se tornando cada vez mais comum em obras de divulgação científica: tenta explicar o mundo por meio de uma única ideia.
No caso, o autor, Frank Partnoy, matemático, economista e advogado, sustenta que devemos sempre retardar o máximo possível nossas reações, pois isso nos dá tempo para reunir mais informações e, portanto, melhorar a qualidade da resposta. Esse princípio, diz Partnoy, vale para tudo, seja na escala dos milissegundos, como é o caso de tenistas profissionais, seja na dos anos, como em certos tipos de investimento. "Espere" é, se quisermos, um anti-"Blink", a obra de Malcolm Gladwell que nos insta a confiar em nossos instintos e agir antes de pensar.
Minha impressão é que, para justificar um título mais vendável, Partnoy juntou sob a mesma chave interpretativa fenômenos muito pouco conexos, incluindo, além dos tópicos já mencionados, casamentos, racismo, combates aéreos e a ciência dos pedidos de desculpas, entre muitos outros. O resultado, como não poderia deixar de ser, é temerário.
O livro fica bem mais interessante se abandonarmos as preocupações sistematizantes e o lermos como uma série de ensaios sobre assuntos variados. Aí encontraremos muita informação curiosa, como os estudos que ligam o sucesso escolar de uma criança à maleabilidade de seus batimentos cardíacos ou os novos achados sobre o poder da propaganda subliminar.
Num plano mais intimista, pessoas que deixam tudo para a última hora encontrarão conforto psicológico nas elucubrações de Partnoy. Mas é bom ter em mente que nem todas as respostas melhoram se obtivermos mais informações. Há também uma vasta literatura, pouco explorada pelo autor, que mostra que o excesso de dados pode piorar a decisão.
Hélio Schwartsman
Hélio Schwartsman é bacharel em filosofia, publicou "Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão" em 2001. Escreve na versão impressa da Página A2 às terças, quartas, sextas, sábados e domingos e às quintas no site.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Alerta aos candidatos a alguma coisa...


hélio schwartsman

 

05/10/2012 - 03h30

A força da incerteza


SÃO PAULO -
Deu em "Ciência" que a ocorrência de fraudes em pesquisas médicas cresceu dez vezes de 1975 para cá. Eu não duvido, mas receio que isso seja menos que a ponta do "iceberg" do problema. Muito mais preocupante é ler que as conclusões da maioria dos artigos científicos publicados de boa-fé nos melhores periódicos estão erradas.
Quem fez essa afirmação, para lá de polêmica, foi John Ioannidis num artigo de 2005 na "PLoS Medicine" que imediatamente se tornou um clássico. É um texto bem técnico, que abusa da matemática para explicar que, devido a uma combinação de características da psique humana com a própria natureza do raciocínio estatístico (inferência bayesiana), a maioria dos estudos reflete mais os vieses dos pesquisadores do que propriedades reais do fenômeno analisado. Não importa o que o cientista queira "provar", com a força dos falsos positivos e um mínimo de lapidação estatística, ele terá sucesso.
A boa notícia é que, apesar de os "papers" médicos não terem o poder que lhes atribuímos, ainda resta uma hierarquia. Estudos randomizados e com muitos pacientes tendem a ser melhores do que os que se valem de menos cobaias, os quais, por sua vez, são superiores a pesquisas feitas com poucos controles estatísticos. Segundo o próprio Ioannidis, num outro artigo publicado na prestigiosa "Jama", algo entre 1/3 e metade dos trabalhos tidos como de melhor qualidade apresenta conclusões erradas ou francamente exageradas.
Antes de trocar a medicina pela homeopatia, vale lembrar que a tarefa mais difícil da ciência é separar dados que têm significado à luz de uma teoria do que é só ruído. Fazê-lo implica admitir que o mundo está cheio de incertezas. Devemos tentar medi-las e levá-las em conta na hora de interpretar resultados de pesquisas. Em teoria, a ciência já prevê a necessidade de corrigir a si mesma. Trabalhos como os de Ioannidis são um vetor dessa autocorreção.
Hélio Schwartsman
Hélio Schwartsman é bacharel em filosofia, publicou "Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão" em 2001. Escreve na versão impressa da Página A2 às terças, quartas, sextas, sábados e domingos e às quintas no site.

domingo, 23 de setembro de 2012

Analfabetismo histórico /// Hélio Schwartsman

http://www1.folha.uol.com.br/paineldoleitor/1157832-leitores-sao-contra-a-censura-historica-em-monteiro-lobato.shtml
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/1155398-analfabetismo-historico.shtml

hélio schwartsman

 

19/09/2012 - 03h30

Analfabetismo histórico


SÃO PAULO - O movimento negro, bem como outros grupos que tentam reduzir os níveis de intolerância na sociedade, tem toda a minha simpatia. Isso dito, é ridículo o que estão tentando fazer com Monteiro Lobato. Se a iniciativa legal, que já chegou ao Supremo, prosperar, o autor poderá ter parte de sua obra banida das bibliotecas escolares.
Não há a menor dúvida de que Lobato se utiliza de expressões que hoje soam rematadamente racistas, como o termo "macaca de carvão", para referir-se à Tia Nastácia. A questão é que estamos falando de escritos dos anos 30, época em que quase todo mundo era racista. E, se há um pecado mortal na crítica literária e na análise histórica, é o de interpretar o passado com os olhos de hoje.
"Não sou nem nunca fui favorável a promover a igualdade social e política das raças branca e negra... há uma diferença física entre as raças que, acredito, sempre as impedirá de viver juntas como iguais em termos sociais e políticos. E eu, como qualquer outro homem, sou a favor de que os brancos mantenham a posição de superioridade."
Odioso, certo? Também acho. Mas, antes de condenar o autor da frase ao inferno da intolerância, convém registrar que ela foi proferida por Abraham Lincoln, o presidente dos EUA que travou uma guerra civil para libertar os negros da escravidão.
E Lincoln não é um caso isolado. Encontramos pérolas racistas em ditos de Gandhi e Che Guevara. Shakespeare traz passagens escancaradamente antissemitas, Eurípides era um misógino e Aristóteles defendia com empenho a escravidão. Vamos banir toda essa gente das bibliotecas escolares?
A verdade é que todos somos prisioneiros da mentalidade de nossa época. Há sempre um horizonte de possibilidades morais além do qual não conseguimos enxergar. Aplicar critérios contemporâneos para julgar o passado é uma manifestação de analfabetismo histórico.
Hélio Schwartsman
Hélio Schwartsman é bacharel em filosofia, publicou "Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão" em 2001. Escreve na versão impressa da Página A2 às terças, quartas, sextas, sábados e domingos e às quintas no site.