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terça-feira, 22 de novembro de 2016

"A decadência do Ocidente" / Mario Vargas LLosa

A decadência do ocidente

O ‘Brexit” e a vitória de Trump são um sintoma inequívoco da morte lenta em que se afundam os países que perdem a fé em si mesmos e renunciam à luta

FERNANDO VICENTE
Primeiro veio o Brexit, e agora foi a eleição de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos. Só falta Marine Le Pen ganhar as próximas eleições na França para ficar claro que, assustado diante das grandes mudanças trazidas pela globalização, o Ocidente, ponta-de-lança da cultura da liberdade e do progresso, quer dar uma marcha-a-ré radical, refugiando-se naquilo que Popper chamou de “o chamado da tribo” – o nacionalismo e todas as doidices que lhe são congênitas, a xenofobia, o racismo, o protecionismo, a autossuficiência –, como se parar o tempo ou voltá-lo para trás fossem apenas uma questão de mexer os ponteiros do relógio.
Não há nenhuma novidade nas medidas propostas por Donald Trump aos seus compatriotas para que estes o elegessem. O surpreendente é que quase sessenta milhões de norte-americanos acreditaram nele e lhe deram respaldo nas urnas.
Todos os grandes demagogos da história atribuíram os males de que seus países padeciam aos estrangeiros perniciosos, neste caso os imigrantes, a começar pelos mexicanos bandidos, traficantes de drogas e estupradores, até chegar aos muçulmanos terroristas e aos chineses que colonizam os mercados norte-americanos com seus produtos subsidiados e pagos com salários de fome. E também têm responsabilidade, é claro, pela queda da qualidade de vida e pelo desemprego, os empresários “traidores” que levam suas empresas para o exterior tirando trabalho e aumentando o desemprego nos Estados Unidos.
Não é incomum que se digam bobagens em campanhas eleitorais, mas o é, sim, o fato de pessoas que se supõe que sejam bem formadas e informadas, com sólida tradição democrática, acreditem nelas e premiem o inculto bilionário que as profere alçando-o à presidência do país mais poderoso do planeta.
O ímpeto que possibilitou que Trump ganhasse as eleições mostra que ele é algo mais do que um mero demagogo
A esperança de muitos, agora, é que o Partido Republicano, que retomou o controle das duas casas legislativas e que tem em seus quadros pessoas experientes e pragmáticas, contenha os rompantes do novo governante e o dissuada de levar adiante as reformas extravagantes que prometeu realizar. Com efeito, o sistema político dos Estados Unidos possui mecanismos de controle e de contenção que podem impedir que um mandatário cometa loucuras. Pois não há dúvida de que, se o novo presidente se empenhar em expulsar do país onze milhões de imigrantes ilegais, em fechar as fronteiras a todos os cidadãos de países muçulmanos, em colocar um ponto final na globalização cancelando todos os tratados de livre comércio em vigor – inclusive o Trans-Pacific Partnership, em gestação – e punindo duramente as empresas que, para baixar seus custos, transferem suas fábricas para o terceiro mundo, provocará um terremoto econômico e social no seu país e em um número razoável de países estrangeiros, além de criar sérios problemas para a diplomacia dos Estados Unidos.
Sua ameaça de fazer os países da OTAN “pagarem” por sua defesa, algo que deixou Vladimir Putin encantado, fragilizaria de forma imediata o sistema de proteção dos países livres contra o novo imperialismo russo. O qual, diga-se de passagem, tem conquistado vitória atrás de vitória nos últimos anos: leia-se Criméia, Síria, Ucrânia e Geórgia. Mas não se deve contar demais com a influência mediadora do Partido Republicano: o ímpeto que possibilitou que Trump ganhasse essas eleições apesar da oposição de quase toda a imprensa e da classe mais democrática e bem-pensante, mostra que existe nele algo mais do que um mero demagogo rudimentar e desinformado: a paixão contagiosa dos grandes feiticeiros políticos de ideias simples e estabelecidas que arrastam multidões, a teimosia obsessiva dos caudilhos envoltos pela sua própria verborragia e que com ela envolvem os seus povos.
Um dos grandes paradoxos é que a sensação de insegurança, de que de repente a terra que pisavam começou a rachar e que os Estados Unidos entraram em queda livre, esse estado de ânimo que levou tantos norte-americanos a votar em Trump – idêntico ao que levou tantos ingleses a votarem pelo Brexit – não corresponde em nada à realidade. Os Estados Unidos superaram mais rapidamente e melhor do que o restante do mundo – em especial os países europeus – a crise de 2008, e, nos últimos tempos, vinham recuperando o emprego, além de ver sua economia crescer em ritmo razoável. Politicamente, o sistema funcionou bem durante os oito anos de Obama, e 58% da população faziam um balanço positivo de sua administração. Por que, então, essa sensação de perigo iminente que levou tantos norte-americanos a engolir as mentiras de Trump?
Não resolverão nenhum problema, agravarão os que já existem a criarão outros mais graves
Porque, é verdade, o mundo de antigamente é diferente do mundo de hoje. Graças à globalização e à grande revolução tecnológica do nosso tempo, a vida de todas as nações se encontra hoje em redefinição, experimentando desafios e oportunidades totalmente inéditos que remexem os alicerces de velhas nações como a Grã-Bretanha e os Estados Unidos, que acreditavam ser inamovíveis em seu poderio e riqueza, uma situação que abriu para outras sociedades – mais audaciosas, mais na vanguarda da modernidade – a possibilidade de crescer a passos de gigante e alcançar e superar as grandes potências de antigamente. Esse novo panorama significa, simplesmente, que o mundo dos nossos dias é mais justo, ou, se quiser, menos injusto, menos provinciano, menos exclusivista, do que o mundo de ontem.
Hoje os países precisam se renovar e se recriar constantemente para não ficarem para trás. Este mundo novo exige que se arrisque mais, que se reinvente sem cessar, que se trabalhe muito, que se impregne de boa formação, e que não fiquemos olhando para trás ou nos deixando levar pela nostalgia do passado. Este é irrecuperável, como logo irão descobrir aqueles que votaram pelo Brexit e em Trump. Não demorarão para perceber que quem vive olhando para trás se transforma em estátua de sal, como na parábola bíblica.
O Brexit e Donald Trump – assim como a França do Front National – significam que o Ocidente da revolução industrial, das grandes descobertas científicas, dos direitos humanos, da liberdade de imprensa, da sociedade aberta, das eleições livres, aquele que no passado foi pioneiro no mundo todo, está agora ficando para trás. Não por estar menos preparado do que os outros para enfrentar o futuro – muito pelo contrário –, mas por causa de sua própria complacência e covardia, pelo medo que sente ao descobrir que as prerrogativas que acreditavam antes serem apenas suas, um privilégio hereditário, estão agora ao alcance de qualquer país, por menor que seja, que saiba aproveitar as extraordinárias oportunidades que a globalização e os avanços tecnológicos colocaram pela primeira vez ao alcance de todas as nações.
O Brexit e a vitória de Trump são um sintoma inequívoco de decadência, dessa morte lenta em que se afundam os países que perdem a fé em si mesmos, renunciam à racionalidade e começam a acreditar em bruxarias, como a mais cruel e estúpida de todas elas, que é o nacionalismo. Fonte das piores tragédias experimentadas pelo Ocidente ao longo da história, ele agora ressuscita e, como os xamãs primitivos, parece adotar a dança frenética ou a poção vomitiva com a pretensão de derrotar a adversidade da praga, a seca, o terremoto, a miséria. Trump e o Brexit não resolverão nenhum problema, agravarão os que já existem e criarão outros mais graves. Eles representam a renúncia à luta, a rendição, o caminho para o abismo. Assim que se constatou o gigantesco equívoco, na Grã-Bretanha tanto quanto nos Estados Unidos, surgiram autocríticas e lamentações. Mas o choro também não é de muita utilidade neste caso; o melhor seria refletir de cabeça fria, admitir o erro, retomar a via da razão e, a partir de agora, enfrentar o futuro de forma mais corajosa e consequente.

quarta-feira, 15 de junho de 2016

A idiotice está à disposição dos neoesquerdistas do PT e Cia...

quarta-feira, junho 15, 2016


IDIOTICE NEOESQUERDISTA

Por Maria Lucia Victor Barbosa (*)
Na magistral obra de Plinio Apuleyo Mendoza, Carlos Alberto Montaner e Alvaro Vargas Llosa, “O Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano”, explica Mario Vargas Llosa no prefácio:
“A idiotice que impregna esse “Manual” não é a congênita, mas de outra índole. Postiça, deliberada e eleita, se adota conscientemente por preguiça intelectual, modorra ética e oportunismo civil. Ela é ideológica e política, mas acima de tudo, frívola, pois revela a abdicação da faculdade de pensar por conta própria, de cotejar as palavras com os fatos que elas pretendem descrever, de questionar a retórica que faz às vezes de pensamento. Ela é a beataria da moda reinante, o deixar-se levar sempre pela correnteza, a religião do estereótipo e do lugar comum”.
No Brasil temos o PT como grande partido de esquerda e partidos nanicos que gravitam ao seu redor, São dotados da mesma idiotice a que se referiu Mario Vargas Llosa, sendo bom esclarecer que temos três grupos de idiotas neoesquerdistas: o que compõe a massa de manobra, os oportunistas e as espertas lideranças políticas:
Os que se tornam massa de manobra são os que recebem uma lavagem cerebral que geralmente começa na juventude, quando se é doutrinado na escola ou na universidade por professores marxistas pertencentes ao PT. Sem maturidade para cotejar os fatos à luz da realidade os cérebros juvenis absorvem algumas noções marxistas recheadas com palavras de ordem.  Aprendem que ser de esquerda é ser bom, defensor dos pobres, um sujeito de caráter. Na direita, ao contrário, está a elite maldosa, seguidora de um tal de neoliberalismo, opressora dos fracos e oprimidos. Idealistas, em busca de bandeiras que justifiquem seu existir às vezes sem graça, os jovens abraçam com ardor ideias que os transformarão em fanáticos. Tudo será justificado em nome da fé.
Nas universidades ou alunos e professores seguem essa trilha ideológica ou simulam que seguem. Isso porque, não ser petista significa não conseguir nada, nem bolsas nem acesso a pós-graduações nem mesmo, no caso dos alunos, notas para passar se a prova não contiver teor marxista.
Os jovens doutrinados quando formados seguirão idiotizados. Serão artistas, profissionais liberais, clérigos, sindicalistas, militantes do PT ou de pequenos partidos de esquerda, ou seja, lá o que for. Nenhum terá noção do que foi o comunismo com seus horrores e opressões.
 Para reforçar essa deformação intelectual recentemente o MEC quis tirar do ensino a História europeia. Apenas se aprenderia sobre América Latina e África, sem dúvida, com base em louvações e inverdades como, por exemplo, crer que democracia perfeita só existe em Cuba e na Venezuela
Os idiotas neoesquerdistas desconhecem o que foram os totalitarismos comunistas e nazista, irmãos xifópagos que infelicitaram a vida de milhões de pessoas. Ruins, dizem soberbamente, são os Estados Unidos, o grande Satã Branco onde vão frequentemente passear, comprar, estudar, tratar da saúde, sendo que muitos vão para morar.
Se nem todos passaram por universidades, a massa de manobra foi sendo generalizada na sociedade através de uma visão distorcida de mundo na qual se repete que para ser decente a pessoa tem que ser de esquerda. Note-se que nenhum dos nossos partidos políticos, esses trampolins para alcançar o poder, se rotulam de direita. São de esquerda, centro-esquerda, centro e, no máximo de centro direita. Direita virou palavrão. Conservador e neoliberal, que não têm a mesma significação conceitual, são insultos.
Foi através desse processo orientado pelo Foro de São Paulo, entidade que congrega as esquerdas latino-americanas, que o PT triunfou para chegar agora à sua profunda decadência cuja causa reside na ganância, na incompetência e na corrupção institucionalizada de suas lideranças cujo chefão é Lula da Silva.
Na verdade, as lideranças de esquerda em todo mundo nunca fugiram deste padrão. No poder enriqueceram, se tornaram corruptos, se aferram ao poder e produziram ditaduras cruéis.
Escapamos por enquanto disto por conta do retumbante fracasso do governo petista, mesmo assim, em que pese o desastre sob o comando de Dilma Rousseff que levou o País aos abismos da recessão, da inflação, da inadimplência, do desemprego, dos Pibinhos, muitos idiotas neoesquerdistas ou espertos oportunistas bem pagos dos movimentos sociais, sindicais ou estudantis vão às ruas gritar: “volta querida”, “fora Temer”. Prova que o PT quase acabou, mas o petismo segue firme.
Dia destes em Brasília, uma manifestação cuja maioria devia ser petista tornou-se o símbolo máximo da idiotice neoesquerdista. Perto do Palácio da Alvorada um bando tirou a parte de baixo das roupas e exibiu seus traseiros gordos para depois gritar: “Fora Temer”. Mostraram assim que é com essa parte do corpo que raciocinam e não com o cérebro. Isso por si só explica muita coisa sobre o neoesquerdismo. Imagine-se o que acontecerá se Rousseff voltar. Com perdão da expressão, viveremos sob a ditadura de uma bundocracia.
(*) Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga.

sexta-feira, 3 de junho de 2016

"Em vez ditaduras, temos democracia imperfeitas" / Mario Vargas Llosa

“Em vez de ditaduras, temos democracias imperfeitas”


O romancista Mario Vargas Llosa, criador de obras-­primas como “Conversa na catedral”, “A guerra do fim do mundo” e “Tia Júlia e o escrevinhador”, é um dos maiores escritores da atualidade. Pela excelência de sua literatura, ganhou o Prêmio Nobel. Em suas palestras, no entanto – como as que deu no Brasil na semana passada, no ciclo “Fronteiras do Pensamento” e num evento do Instituto Palavra Aberta –, o autor fala pouco de seus romances. Llosa se tornou um intelectual engajado. Suas causas são a liberdade e a democracia. O bom combate leva o autor peruano, que mora em Londres, a viajar pelo mundo. No giro mais recente, antes de vir ao Brasil, Llosa esteve na Argentina e no Chile. Ele está otimista com a América Latina, incluindo o Brasil. Llosa acha que nossa democracia sairá fortalecida, e não enfraquecida, do segundo processo de impeachment em menos de 30 anos. “O movimento popular que surgiu no Brasil é de melhoramento das instituições”, afirma.
Época – O impeachment da presidente Dilma Rousseff representa uma ameaça à democracia, como diz o governo brasileiro?
Mario Vargas Llosa – Não creio que a democracia brasileira esteja ameaçada. Ao contrário. O que está ocorrendo pode representar um fortalecimento da democracia no Brasil.
Época – Por quê?
Llosa – O movimento popular que surgiu no Brasil é um movimento anticorrupção, de purificação da democracia, de melhoramento das instituições. E, sobretudo, de repúdio à ideia de que chegar ao poder seja um pretexto para enriquecer usando meios ilegais. Esse movimento mostra que havia mais corrupção do que parecia no Brasil, e rechaça a prática. A corrupção, em toda a América Latina, é uma gangrena contra as instituições democráticas.
Época – O senhor vive em Londres. Como os europeus veem a situação atual do Brasil?
Llosa – A ideia de que há um golpe em curso no Brasil é o argumento principal da presidente Dilma Rousseff. Mas não acho que seja possível levar essa ideia a sério. Minha impressão é que estão sendo cumpridos todos os passos estabelecidos pela legalidade brasileira. Se houver impeachment, como parece que haverá, ele se dará estritamente dentro da moldura legal, que assim sai fortalecida. Creio que, se há uma ameaça à legalidade brasileira, essa ameaça está na corrupção, que cria um desencanto muito grande com as instituições democráticas.
Época – Outro assunto muito discutido no país, além da corrupção, é a derrocada econômica, que está na raiz do processo de impeachment.
Llosa – Espero que o impeachment, se ocorrer, sirva como um aviso para evitar a desonestidade nos cargos públicos, mas não apenas isso. É preciso evitar também as políticas fiscalmente irresponsáveis. Creio que a irresponsabilidade, que é o populismo, está muito ligada à corrupção.
Época – Qual a relação entre corrupção e irresponsabilidade fiscal?
Llosa – O populismo serve para ocultar, para disfarçar as transgressões da lei. Eu acredito que as duas coisas, populismo e corrupção, andam sempre juntas.
Época  Como avalia a derrota da presidente Cristina Kirchner na Argentina?
Llosa – Também vejo o caso argentino com muito otimismo. A Argentina estava indo em direção ao abismo. Seus governantes haviam comprado, pelo menos retoricamente, o “socialismo do século XXI” da Venezuela. Cristina foi uma entusiasta de Hugo Chávez e do chavismo. Sabemos aonde conduz o “socialismo do século XXI”. A Venezuela está à beira do abismo, o país está literalmente se desfazendo. Lá existe fome, faltam todos os artigos de primeira necessidade, remédios, alimentos, há uma inflação que é a mais alta do mundo, há uma escalada vertiginosa da violência. A Argentina estava nesse caminho. Tudo o que havia fracassado no resto do mundo estava sendo aplicado na Argentina pelo casal Kirchner. Por sorte, houve uma rea­ção contra o populismo na Argentina, civilizada e eleitoral. Macri está indo bem num primeiro momento. Está pegando o touro pelos chifres, como se diz na Espanha, fazendo as reformas necessárias.
Época – Essas reformas não são dolorosas demais para a população?
Llosa – Claro que o populismo sempre tem um custo, um custo alto, e quem paga é sempre o povo. Mas a culpa pelas reformas que Macri tem de fazer é do próprio populismo, que manejou o dinheiro público de maneira completamente irresponsável, demagógica, aumentando o gasto fiscal de maneira vertiginosa. Apesar do custo, essa mudança é bastante positiva e há indícios de que vá trazer muitos benefícios ao país. A Argentina é um país com recursos enormes. Se os investimentos vierem, como espera o governo, creio que a inflação será controlada e se poderá gerar emprego.
Época – Há dois tipos de governos de esquerda na América Latina. No Peru e no Chile, há responsabilidade fiscal e respeito às regras democráticas. Já no Equador, na Venezuela e na Bolívia – e na Argentina até recentemente –, o modelo é diferente. Por que isso acontece?
Llosa – Isso ocorre porque países como Equador, Venezuela e Bolívia são governados por mandatários que têm uma inclinação muito forte ao populismo. Mas minha impressão é que há uma reação na América Latina contra o populismo. Formou-se uma consciência de que o populismo significa sacrificar o futuro em troca de um presente que é muito efêmero. E o custo é sempre muito alto, principalmente para os mais pobres, que não têm como se defender de uma inflação alta, por exemplo. Minha visão da América Latina não é 100% otimista, porque na América Latina sempre podem ocorrer catástrofes. Mas tenho a impressão de que se compararmos a América Latina atual com a de 30 anos atrás há um progresso considerável. No passado tínhamos ditaduras militares e revoluções armadas. Agora temos democracias imperfeitas, mas que podem ser corrigidas.

domingo, 31 de maio de 2015

"O atrevimento de desafiar a moda ideológica que imperava em boa parte do Ocidente" / Mario Vargas Llosa / El País

PEDRA DE TOQUE

A batalha de um homem só 

Simon Leys enfrentou uma corrente coletiva de eminentes intelectuais para dissipar um emaranhado de mentiras sobre a "revolução cultural" de Mao, aquela loucura inspirada por um velho déspota



FERNANDO VICENTE
Nos anos setenta teve lugar um extraordinário fenômeno de confusão política e delírio intelectual que levou um setor importante da inteligência francesa a apoiar e mitificar Mao e a sua “revolução cultural”, ao mesmo tempo que, na China, os guardas vermelhos faziam passar pelas forcas caudinas professores, pesquisadores, cientistas, artistas, jornalistas, escritores, promotores culturais, dos quais um bom número, depois de autocríticas arrancadas sob tortura, se suicidou ou foi assassinado. No clima de exacerbação histérica que, alentada por Mao, percorreu a China, destruíram-se obras de arte e monumentos históricos, cometeram-se abusos iníquos contra supostos traidores e contrarrevolucionários, e a milenar sociedade experimentou uma orgia de violência e histeria coletiva que resultou em cerca de 20 milhões de mortos.
Em um livro que acaba de publicar, Le Parapluie de Simon Leys (o guarda-chuva de Simon Leys), Pierre Boncenne descreve como, enquanto isso ocorria no gigante asiático, na França eminentes intelectuais, como Sartre, Simone de Beauvoir, Roland Barthes, Michel Foucault, Alain Peyrefitte e a equipe de colaboradores da revista Tel Quel. dirigida por Philippe Sollers, apresentavam “a revolução cultural” como um movimento purificador, que poria fim ao stalinismo, purgaria o comunismo da burocratização e do dogmatismo e instalaria a sociedade comunista livre e sem classes.
Um sinólogo belga chamado Pierre Ryckmans, que assinaria seus livros com o pseudônimo Simon Leys, até então desinteressado pela política – dedicou-se a estudar poetas e pintores chineses clássicos e a traduzir Confúcio –, horrorizado com o engodo em que sofisticados intelectuais franceses endeusavam o cataclismo que a China padecia sob a batuta do Grande Timoneiro, decidiu enfrentar aquele grotesco mal-entendido e publicou uma série de ensaios – incluindo Les Habits Neufs du Président MaoOmbres ChinoisesImages BriséesLa Fôret en Feu – revelando a verdade do que ocorria na China e enfrentando, com grande coragem e conhecimento direto do tema, o endeusamento que faziam da “revolução cultural”, levados por uma mistura de frivolidade e ignorância, não isenta de certa estupidez, muitos ícones culturais da terra de Montaigne e Molière.
Os ataques de que Simon Leys foi alvo por atrever-se a ir contra a corrente e desafiar a moda ideológica reinante em boa parte do Ocidente, que Pierre Boncenne documenta em seu fascinante livro, dão vergonha alheia. Escritores de direita e de esquerda, nas páginas de publicações respeitáveis como Le Nouvel Observateur e Le Monde, cobriram-no de impropérios – entre os quais, obviamente, não faltou o de ser um agente e de trabalhar para os americanos –, e o que mais deve ter doído nele, por ser católico, foi que revistas franciscanas e lazaristas se negassem a publicar suas cartas e artigos explicando por que era uma ignomínia conservadores como Valéry Giscard d’Estaing e Jean d’Ormesson e progressistas como Jean-Luc Godard, Alain Badiou e Maria Antonietta Macciocchi considerarem Mao o “gênio indiscutível do século vinte” e “o novo Prometeu”. Nunca foi tão certa como naqueles anos a frase de Orwell: “O ataque consciente e deliberado contra a honestidade intelectual vem sobretudo dos próprios intelectuais”. Poucos foram os intelectuais franceses daqueles anos que, como um Jean-François Rével, mantiveram a cabeça fria, defenderam Simon Leys e se negaram a participar daquela farsa que via a salvação da humanidade na barafunda genocida da revolução cultural chinesa.
A silhueta de Simon Leys que emerge do livro do Pierre Boncenne é a de um homem fundamentalmente decente, que, contra sua vocação primeira – a de um estudioso da grande tradição literária e artística da China, fascinado pelas lições de Confúcio –, se vê empurrado a mergulhar no debate político em que, por sua limpeza moral, deve enfrentar praticamente sozinho uma corrente coletiva encabeçada por eminências intelectuais, para dissipar um emaranhado de mentiras que os grandes malabaristas da correção política tinham transformado em axiomas irrefutáveis. Terminaria por sair vitorioso daquele combate desigual, e o mundo ocidental acabaria aceitando que a “revolução cultural”, longe de ser o sobressalto libertador que devolveria ao socialismo a pureza ideológica e o apoio militante de todos os oprimidos, foi uma loucura coletiva, inspirada por um velho déspota que se valia dela para se livrar dos adversários dentro do próprio partido comunista e consolidar seu poder absoluto.

Leys se atreveu a desafiar a moda ideológica que imperava em boa parte de Ocidente
O que restou de tudo aquilo? Milhões de mortos, inocentes de toda índole sacrificados por jovens histéricos que viam inimigos do proletariado em toda parte, e uma China que, diametralmente oposta ao que queriam fazer dela os guardas vermelhos, é hoje uma sólida potência capitalista autoritária que levou o culto do dinheiro e do lucro a extremos vertiginosos.
O livro de Pierre Boncenne ajuda a entender por que a vida intelectual de nosso tempo foi empobrecendo e se afastando cada vez mais do resto da sociedade, sobre a qual agora quase não exerce influência, e que, confinada nos guetos universitários, monologa ou delira extraviando-se frequentemente em logomaquias pretensiosas desprovidas de raízes na problemática real, expulsas dessa história a que tantas vezes recorreram no passado para justificar alienações delirantes como esse fascínio pela “revolução cultural”.
Uma cultura na que as ideias importam pouco condena a sociedade ao fim do espírito crítico
Nunca foi tão certa como naqueles anos a frase de Orwell: “O ataque consciente e deliberado contra a honestidade intelectual vem sobretudo dos próprios intelectuais”
Não há motivo para se alegrar com o desprestígio dos intelectuais e sua escassa influência na vida contemporânea. Porque isso significou a desvalorização das ideias e de valores indispensáveis como os que estabelecem uma fronteira clara entre a verdade e a mentira, noções que hoje andam confundidas na vida política, cultural e artística, algo perigosíssimo, pois a derrocada das ideias e dos valores, aliada à revolução tecnológica de nosso tempo, faz da sociedade totalitária fantasiada por Orwell e Zamiatin uma realidade possível em nossos dias. Uma cultura em que as ideias importam pouco condena a sociedade ao desaparecimento do espírito crítico, essa vigilância permanente sobre o poder, sem a qual toda democracia corre o risco de desmoronar.
É preciso agradecer a Pierre Boncenne por ter escrito essa reabilitação de Simon Leys, exemplo de intelectual honesto que nunca perdeu a vontade de defender a verdade e diferenciá-la das mentiras capazes de distorcê-la ou aboli-la. Já no livro que dedicou a Revel, Boncenne tinha demonstrado seu rigor e sua lucidez, que agora confirma com seu último ensaio.
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© Mario Vargas Llosa, 2015