sábado, 28 de janeiro de 2012

Uma ideia: Jornalismo Literário no TEXTO VIVO!

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A Finlândia nos trópicos

Felipe van Deursen *
Na fila para pagar os cinco reais de inscrição, predominavam homens de chinelos ou tênis, vestindo bermuda e camisetas de manga curta ou regata, coloridas, muitas vezes não combinando com o resto da roupa. Crianças saltitantes, mulheres em trajes descontraídos, velhos baixos de pele ressequida; famílias da região e de turistas que aproveitavam o calor e o dia bonito (o termômetro chegou suado aos 32º C) para participar de duas competições um tanto excêntricas. No campo verde adaptado para os jogos, muitos participantes caíam no chão, tropeçando, esborrachando a cara na grama antes de concluir o objetivo. O que valia era a brincadeira, mas havia, sempre há, os que levavam a sério. Venceria, então, aquele que arremessasse o telefone celular mais longe. Sagrar-se-ia campeão de tão nobre torneio (a ponto de invocar aqui uma empoeirada mesóclise) o cavalheiro que concluísse um circuito cheio de obstáculos no menor tempo com a mulher montada nas costas, que nem saco de batatas. Ao vencedor, o peso da mulher em cerveja.

As competições ocorreram durante uma semana em Penedo, distrito de Itatiaia, no Sul Fluminense. Elas fizeram parte das comemorações dos 80 anos da única colônia finlandesa no país. Entre os dias 21 e 29 de março daquele ano, os turistas que normalmente entopem a estância se juntaram aos quase 200 descendentes para celebrar alguns dos maiores símbolos da cultura e do povo da Finlândia: as danças folclóricas, a sauna, orgulho nacional, as comidas típicas e os torneios bizarros, bastante populares no país escandinavo – famoso por seus 180 mil lagos, pilotos de Fórmula 1, auroras boreais e excelência em tecnologia da informação e telefonia celular. Justo eles, os celulares, arremessados à destruição por divertimento. 

Diz uma lenda que um bando, liderado por Herkko Rosvo-Ronkainen, infernizava vilas finlandesas ao raptar mulheres e roubar comida no século XIX. Rosvo-Ronkainen era seletivo, e para entrar no seu grupo era preciso carregar um peso bem grande nas costas. A história inspirou a competição dos carregamentos, nascida em 1992. De lá para cá, o que era somente brincadeira em Sonkajärvi virou torneio com regras, que se espalhou e hoje é realizado de Hong Kong a Penedo. Pode-se carregar a própria ou a do próximo. Pode ser a filha. Pode-se carregar como quiser, mas o que os iniciados sugerem (e que foi a forma mais usada pelos iniciantes brasileiros) é usar o estilo “estoniano”, ou seja, elas, de capacete, cabeça para baixo, apoiadas com as pernas envolvendo os ombros e as axilas deles, e agarrando os próprios tornozelos, o que dá mais segurança e mobilidade ao casal, que corre de costas coladas. Basicamente, a mulher vira um mochilão nos ombros do homem. Tudo isso em um percurso de 253,5 metros de areia, grama, asfalto e barreiras como tábuas, gangorras e cercados de bambu no chão. 

Já o arremesso de celular tem origem menos romântica. Líder em telefonia celular, a Finlândia promove a competição para estimular a conscientização do descarte responsável desses aparelhos e suas baterias, enormes poluidores se jogados em lixos comuns ou leitos de rio. Por isso, desde o princípio da competição os aparelhos destroçados são sempre velhos e usados, seriam jogados fora de qualquer maneira. Tudo para diminuir o estrago nas planícies lacustres da Finlândia.

Enquanto os turistas – a maioria do Rio de Janeiro e de São Paulo, pelo fato de a verdejante Penedo estar a pouco mais de dois quilômetros da rodovia Presidente Dutra e a meio caminho entre as duas metrópoles – se divertem arremessando as mulheres e carregando seus celulares (e vice-versa), três pessoas estão atarefadas e se dividindo entre entrevistas a canais de televisão locais e conversas com conhecidos da cidade, que os cumprimentam pela organização do festival. Sergio Fagerlande, filho de um dos primeiros homens nascidos na colônia, Helena Hildén, herdeira de um dos casais pioneiros, e Timo Aaltonen, nascido na Finlândia e trazido para cá pelos ventos do pós-guerra. Três sujeitos que, não fossem os traços e os sobrenomes, passariam tranquilamente como brasileiros –  que o são, de fato, nos documentos e no sotaque carioca. Eles ajudaram a organizar o Festival + Finlândia, que não tem a efeméride dos 80 anos no nome porque a intenção é realizá-lo nos anos seguintes.
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