sexta-feira, 7 de junho de 2013

Nove em cada dez crimes graves ficam impunes no Brasil....



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"Impunidade relativa aos crimes mais graves alcança 92%"
Raízes do imobilismo político na segurança pública
Por Luiz Eduardo Soares
(Antropólogo, cientista político e escritor, professor da UERJ e ex-secretário nacional de segurança pública)
A sociedade brasileira tem sido capaz de promover transformações profundas nas mais diversas esferas de sua experiência coletiva, mas permanece inerte e impotente ante alguns problemas históricos que persistem, entre os quais a insegurança pública.
Cerca de 50 mil brasileiros são vítimas de homicídios dolosos, anualmente, dos quais apenas 8%, em média, são esclarecidos e um número bem menor chega a ser julgado e condenado[1]. Portanto, a taxa de impunidade relativa aos crimes mais graves alcança o espantoso patamar de 92%. Somos o segundo país mais violento do mundo, considerando-se os números absolutos referentes aos crimes letais intencionais. Examinando o baixíssimo índice de esclarecimento, um observador poderia ser instado a deduzir que o Brasil é o país da impunidade. Não é verdade. Temos a terceira população prisional do mundo, abaixo apenas da China e dos Estados Unidos, e um dos mais velozes crescimentos da taxa de encarceramento do planeta: havia 160 mil presos em 1995; hoje, são 540 mil.
Segundo pesquisa da professora Luciana Boiteux, a partir de dados fluminenses, o foco prioritário do encarceramento, nos últimos seis anos, são jovens pobres do sexo masculino, de baixa escolaridade, frequentemente negros, capturados em flagrante e condenados à privação de liberdade por negociarem substâncias ilícitas sem uso de arma ou prática de ato violento, e sem vínculo com organização criminosa. Esse grupo responde por 65% das prisões efetuadas no período. Estudiosos crêem que os resultados têm valor nacional, o que significa o seguinte: o país está prendendo transgressores não violentos que operam no varejo do tráfico de drogas, relegando os crimes mais violentos à impunidade. Registre-se que custa R$ 1.500,00 ao mês esse método irracional e injusto de tornar os jovens piores, empurrando-os para uma carreira marginal, induzindo-os a ingressar em organizações criminosas. As consequências do encarceramento nesses casos são desastrosas para suas vidas e destrutivas para a sociedade. Ou seja, gastamos muito para armar uma bomba relógio contra a segurança pública –como a crise paulista está demonstrando.
Do lado das instituições policiais, a situação também preocupa. Além da baixa capacidade investigativa demonstrada pela polícia civil –cujas lideranças, paradoxalmente, empenham-se em pressionar o Congresso para que seja aprovado um projeto de emenda constitucional impedindo o Ministério Público de realizar investigação criminal–, multiplicam-se casos de corrupção envolvendo seus membros. Nas polícias militares não é diferente. Além disso, são frequentes as acusações de que os milhares de autos-de-resistência que se acumulam, em todos os estados da federação, ocultem inúmeras execuções extra-judiciais. No estado do Rio de Janeiro, por exemplo, entre 2003 e 2011, houve 9.231 mortes provocadas por ações policiais. As máfias policiais, chamadas milícias, continuam expandindo seus negócios e os territórios sob seu domínio. O número de desaparecimentos continua crescendo, ano após ano.
Nos últimos anos, alguns estados lograram reduzir os homicídios, mas os ganhos foram neutralizados, no agregado nacional, pelo agravamento da violência em outras regiões do país. Além disso, avanços locais revelaram-se efêmeros e foram sucedidos por rápida degradação. Impasses persistem onde programas inovadores conquistaram resultados expressivos e amplo apoio popular. Tome-se o caso das UPPs no Rio de Janeiro: como transformar o projeto em política pública, dotando-o de sustentabilidade e universalidade, sem promover profunda reforma policial? Por isso, convivem, no Rio, boas práticas com a propagação das milícias, da corrupcão em larga escala e da brutalidade letal. O assassinato da juíza Patricia Acioli por policiais, em 2011, é a manifestação trágica e extrema das contradições.
Na raiz dos problemas está a arquitetura institucional da segurança pública, estabelecida pelo Artigo 144 da Constituição, que atribui à União poucas responsabilidades (salvo em crises), não confere qualquer autoridade relevante ao Município (na contramão do que ocorre nas demais áreas) e concentra praticamente todo o poder nas polícias estaduais, ordenadas segundo modelo que fratura o ciclo de trabalho e, por seu desenho incompatível com as funções atribuídas, condena as instituições à ingovernabilidade e à mútua hostilidade.
Apesar do amplo consenso entre profissionais da área quanto à irracionalidade da arquitetura institucional, em especial do modelo de polícia, nenhum passo objetivo foi dado em direção à reforma[2].
Nesse contexto em que o desempenho é negativo, as estruturas não potencializam as competências profissionais mobilizadas, a maioria dos policiais desaprova o modelo institucional e a sociedade manifesta sua inconformidade, sistematicamente, ante a gravidade da insegurança pública, por que não logramos, enquanto Nação, promover as mudanças profundas e inadiáveis? Por que os poderes públicos têm sido incapazes de encetar uma iniciativa concertada? É fato que há lobbies atuantes de delegados e oficiais contrários a mudanças. É verdade que o consenso mínimo não foi negociado entre todos os atores pertinentes e que a sociedade mantém-se crítica, mas não se envolve na formulação de alternativas. Mesmo assim, permanece enigmático o imobilismo das lideranças políticas ante a agenda urgente da segurança.
Visando lançar as bases de uma análise mais profunda que ofereça hipóteses explicativas sobre a inércia nacional diante da complexidade da insegurança, convido os leitores a uma reflexão multidimensional sobre nossa história recente.
***
Ingressamos em 2013, o vigésimo quinto ano de vigência da Constituição cidadã, em cuja letra instituiu-se o Estado democrático de direito, consagrando-se, formalmente, o vasto repertório de conquistas históricas que a resistência à ditadura acumulara, as negociações políticas viabilizaram e o árduo aprendizado coletivo ensejaram. Não é pouca coisa: um quarto de século de experiência em novo ambiente normativo, sob nova moldura institucional, recuperando o tempo perdido, atando linhas de tradição rompidas pelo arbítrio do regime militar, calibrando expectativas que idealizaram a transição, e abrindo picadas e horizontes para os complexos e inusitados desafios contemporâneos na arena global.
Esse período foi curto, em perspectiva histórica, porém intenso e denso. O tempo compactou-se e acelerou transformações estruturais, promovendo uma espécie de vertigem ontológica, cujas manifestações alcançam a sensibilidade, os valores, as dinâmicas inter-subjetivas, as relações sociais e os processos econômicos. As temporalidades na vida social não são unívocas, unidimensionais e contínuas, nem correspondem a mensurações isomórficas e universalizáveis. No Brasil, entre ontem e hoje, um rio caudaloso de mudanças –das quais ainda não nos demos conta, suficientemente– carregou-nos para longe de nós mesmos ou do que supúnhamos ser como nação e do que pensávamos ser como atores. O fluxo arrastou cenários, embaralhou papéis e está exigindo que reescrevamos a dramaturgia para a sociedade das próximas décadas numa linguagem arejada, liberta de velhos fantasmas e de suas correntes enferrujadas. Certamente, há os dilemas atávicos que persistem. Contudo, até mesmo eles assumem novas formas e significações no novo contexto. Os problemas permanentes e endêmicos também exigem descrições em novas linguagens. Onde está a fonte fresca de água cristalina para a língua jovem estalar a pronúncia da palavra livre? Procuremos. Mapas não há. Far-se-ão, a posteriori. Bússolas não há. Entretanto, temos a razão –é o que dizem–, sobretudo a razão argumentativa. E alguma coragem cívica, alguma ousadia intelectual –creio eu. Ou não teríamos chegado até aqui vivos, criativos, com esperança, e com bons motivos para cultivá-la. Adiante, portanto.
O capítulo anterior à conjuntura democrática pós-1988 não se esgotou no regime político autoritário. Foi marcado por vários processos sócio-econômicos e culturais relevantes, em especial por um fenômeno anterior a 1964, que completou seu ciclo sob a névoa discricionária. Refiro-me à migração interna e ao deslocamento do eixo de gravidade nacional do campo para a cidade. Importa destacar mais do que a natureza do processo, a escala, a velocidade e as implicações. O Brasil era 75% rural, nos anos 1950, e se tornaria 75% urbano, ao longo dos anos 1970. Sociologicamente, deu-se um deslizamento de placas tectônicas de efeitos extraordinários. O saudoso professor Vilmar Faria chamava a atenção para o caráter excepcional do fenômeno, que só encontrava paralelo na União Soviética dos anos 1930. A magnitude demográfica e a concentração temporal conferiram ao caso brasileiro sua significação singular. Acredito que não seria leviano afirmar que as ciências sociais brasileiras não chegaram a aplicar-se com a atenção necessária sobre as consequências dessa transformação, considerando as condições nas quais se realizou. Ou melhor, não cessou de fazê-lo –uma vez que os impactos da “urbanização acelerada” projetaram-se sobre praticamente todas as questões sociais subsequentes–, subestimando, no entanto, a conexão entre seus objetos e a profundidade da desestabilização identitária e da desorganização das referências valorativas e prescritivas provocada pela transição migratória.
Passar a viver na cidade implica revolucionar as relações de trabalho, envolver-se em diferentes ambientes normativos e em distintas experiências com o tempo e a natureza, submetendo-se a diferentes disciplinas e rotinas. Mudar para o meio urbano implica também redefinir a relação com a religiosidade, com os rituais e com a família –a mudança incide sobre o sentido que se atribui ao conceito de família e ao modo como se vivenciam os laços familiares. Transformam-se os significados da propriedade, os vínculos com a terra, a casa, a vizinhança, os outros, assim como as modalidades de consumo. Instalar-se na cidade tende a provocar a renúncia a tradições, a pautas morais, a concepções sobre autoridade. O convívio com a complexidade urbana promove a mudança na visão relativa a justiça e lealdade, nas percepções a respeito das instituições públicas e nas próprias ideias sobre a distinção entre público e privado. Mudam comportamentos, sentimentos, imagens de si e do outro, crenças, compromissos, gramáticas (individuais e coletivas) de construção da memória, projetos para o futuro, critérios de juízo sobre certo e errado, belo e repulsivo, verdadeiro e falso, aceitável e inaceitável, natural e anti-natural, honra e desonra, masculino e feminino, superior e inferior. Nessa travessia, a impressão frequente é de que as “garantias ontológicas” –as colunas da fé que sustentam o mundo em que se crê, a que se dá o nome “realidade”—fenecem, porque desmoronam as estruturas de plausibilidade em que se apoiam as convicções pessoais. Nesse quadro, tudo pode ruir. A segurança mítica do universo parece ingressar numa zona instável, como se oscilasse, ameaçando a solidez de tudo o que há. Vive-se a angústia do colapso iminente. Não se trata (apenas) do colapso financeiro, com ruinosas consequências para a própria subsistência, quando as contas não fecham, empregos não há ou o trabalho (informal) não rende o indispensável. Trata-se de uma insegurança mais radical.
Claro que há o outro lado das migrações internas e da urbanização vertiginosa. A condição social que corresponde ao ponto de partida da viagem para a cidade não deve ser idealizada. A cidade só atrai se e na medida em que o campo expulsa; a cidade seduz porque o campo representa miséria e estagnação; a cidade brilha porque a tradição pode estar sendo vivida como obscurantismo opressivo; a cidade torna-se convidativa porque, no meio rural, o trabalhador é explorado; migrar afirma-se como opção porque ficar deixa de ser uma possibilidade ou porque, na ausência da reforma agrária, a fronteira agrícola permanece bloqueada para imobilizar a força de trabalho e beneficiar a especulação e a grilagem. Em outras palavras, a desestabilização radical provocada pela urbanização acelerada traz consigo a contraditória promessa da libertação. A perda das referências eventualmente significa quebrar as cadeias. A dissolução de convenções também representa a expansão do cardápio das escolhas e mais espaço para o exercício da individualidade. Economicamente, dependendo das circunstâncias e dos desdobramentos, pode implicar melhoria da qualidade de vida e ampliação de expectativas.
Contemplados os dois lados desse processo, conclui-se que, independentemente das avaliações que a posteridade autoriza, a sociedade brasileira foi sacudida por transformações muito profundas, cujos efeitos alcançaram o mais recôndito da vida privada e o domínio mais remoto da experiência de si dos sujeitos. Observe-se, ainda, que o sofrimento precipitado pela violência do fenômeno não encontrou a compensação de uma trama institucional tecida por um generoso Welfare State. O Brasil atravessou a tormenta sob ditadura –sem canais orgânicos de representação popular, portanto–, cuja política econômica promovia a concentração de renda e o aprofundamento das desigualdades.
Os aspectos negativos desse quadro não foram amenizados pelo declínio progressivo do regime militar, ao longo da segunda metade da década de 1970 até os primeiros anos da década seguinte, uma vez que o fator provavelmente decisivo para o enfraquecimento político da ditadura era a crise econômica, cujo impacto sentia-se mais intensamente nas camadas populares. A surpreendente votação do partido de oposição, o MDB, em 1978, corroeu a força do regime, politicamente, mas talvez expressasse mais inconformidade com a decadência econômica do que indignação com a tirania, ainda que este componente estivesse presente. De qualquer forma, a leitura democrática impôs-se graças à hábil operação das lideranças oposicionistas, que disputaram com vigor a tradução pública dos resultados eleitorais.
A tímida “descompressão” política, iniciada pelo general Ernesto Geisel, sucedida pela “abertura lenta e gradual”, ainda sob a regência de Golbery do Couto e Silva, e depois pela estratégia da transição negociada, já no governo do general João Figueiredo, encontrou nas eleições para os executivos estaduais de 1982 uma oportunidade de inflexão e fortalecimento. O avanço obtido em 1982  seria complementado na campanha por eleições “diretas já” para a presidência da República, a despeito da derrota do projeto de Lei no Congresso Nacional. O amplo apoio popular à “emenda Dante de Oliveira” pavimentaria o caminho de Tancredo Neves ao Palácio do Planalto, que o destino obstou na undécima hora.
Inaugura-se um período voltado para a solução do impasse da dívida externa e da inflação, cujos efeitos perversos se derramavam sobre o conjunto da sociedade, desorganizavam o Estado, em todos os níveis, e bloqueavam a retomado do crescimento ou eventuais arremedos de política social distributivista. Anos difíceis que formariam a chamada “década perdida”. As desigualdades sociais competiam com o controle da inflação pelo privilégio de ocupar o centro da agenda pública. O dilema teria de aguardar o Plano Real, em 1994, nos governos Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, para que o nó da moeda fosse desatado, o país se tornasse governável e estratégias distributivas voltassem a reclamar prioridade, agora com chances de efetiva e consistente implementação, como demonstraria o governo Lula. Permaneceram, entretanto, (relativamente) excluídos da pauta (ou insuficientemente incluídos) alguns temas chave para o presente e o futuro, como a sustentabilidade e a segurança pública. Mas este não é o momento de focalizá-los. Convém estender um pouco mais a contextualização histórica.
***



Ainda quanto aos anos 1980, há dois itens a destacar, porque particularmente relevantes para a intensificação da violência no Brasil. Um deles diz respeito a processos sociais, outro, à dinâmica político-institucional.
(1) A evolução das lutas políticas rumo à democracia, que encontraria na convocação da Assembleia Nacional Constituinte seu desfecho, pelo menos na primeira etapa, foi acompanhada por dinâmicas econômicas e sociais que apenas desdobraram a crise e aprofundaram a curva declinante responsável (conjugada a outros fatores) pelo eclipse da ditadura. Enquanto os esforços mais virtuosos dos atores sociais, individuais e coletivos, visavam conferir confiabilidade e legitimidade à representação política e à institucionalidade nascente, o ceticismo prosperava –sobretudo entre os que pagavam o preço mais elevado pela estagflação–, contagiando a opinião pública como uma epidemia. O descompasso entre esperança política, inauguração de um novo tempo democrático, ao nível das instituições, e indignação quanto à qualidade de vida, produziu a sobreposição de duas dicotomias que parecem remeter ao DNA do país, dada a presença insidiosa de ambas, independentemente de mudanças institucionais (o que não reduz a importância fundamental destas últimas, apenas aponta seus limites, face a determinadas características estruturais da sociedade brasileira).
A primeira dicotomia suscitou, alguns anos depois, a criação do neologismo “Belíndia”, com o qual o economista Edmar Bacha descreveu o abismo que dividia a sociedade brasileira. Por mais que os dois brasis se articulassem e que o desenvolvimento se alimentasse da fome, como dissera Francisco de Oliveira, em sua crítica à razão dualista, a face indigente do país não cumpria simplesmente um papel funcional. Observado o problema de outra perspectiva, percebia-se que os indianos bloqueavam o caminho dos belgas. Ou seja, as desigualdades, naquela magnitude colossal, não beneficiavam o país, em seu conjunto.
A segunda dicotomia é aquela que separa o país legal do país real, justificando o emprego dos adjetivos “formal” e “substantivo” para (des)qualificar as instituições políticas. O uso dessas qualificações, na descrição do regime democrático, deprecia o valor da institucionalidade e do compromisso axiológico e prático-político com a edificação e a preservação do Estado democrático de direito, entendido como cláusula pétrea do próprio contrato social ou como sua condição de possibilidade. Quando a forma se afasta da substância revela-se mera ilusão ideológica a mascarar a verdade histórica –é o que se conclui adotando-se essa distinção retórica. Onde está a substância? Quem (e como) lhe dará forma? Essas perguntas não se fazem. Os proselitistas da distinção entre forma e substância não se permitem tais indagações. Eis a veia aberta para o sangue que a América Latina verteu em vão. Eis a porta escancarada para o descompromisso com a institucionalidade democrática em nome de fins supostamente superiores. Eis o caminho para a instrumentalização tática, isto é, oportunista, da democracia, da legalidade, das instituições. Eis o mapa para o despotismo pretensamente igualitário.
Retorno ao fio condutor do argumento sobre a dicotomia entre o país legal e o país real. Minha crítica aos ideólogos da ditadura do proletariado por aplicarem os adjetivos “formal” e “substantivo” para desqualificar a democracia não nega a existência da distância entre o que as leis determinam e o que se faz, com o beneplácito de autoridades públicas. Além de não se cumprirem, elas não se cumprem de modo previsivelmente seletivo, de acordo com fatores óbvios: classe, cor, gênero e território. Ou seja, a aplicação das leis é submetida à refração imposta por crivos seletivos bastante específicos e nada aleatórios. Por essa mediação, as desigualdades nacionais estendem-se ao campo do acesso à Justiça, filtrando a fruição dos direitos. Esse enviesamento do Poder público espelha e realimenta padrões hierárquicos e discriminatórios de comportamento, comuns em nossa sociedade que tão tardiamento aboliu a escravidão. O exemplo mais notório foi estudado por Roberto DaMatta nos anos 1970. Refiro-me à pergunta, “você sabe com quem está falando?”, que o membro da elite dispara contra quem ignora privilégios, especialmente contra a autoridade que ousa aplicar a Lei sem favoritismos.
O resultado da iniquidade é o descrédito, nos meios populares, das leis, da Justiça, do Estado e da própria ideia de legalidade, à qual deixa-se, assim, de atribuir sentido universal e valor. Se o Estado, suas instituições e os representantes de tais instituições não agem como se, de fato, todos fossem iguais perante as leis –mesmo quando elas incorporam, em seu conteúdo, o compromisso democrático com a equidade–, as vítimas reais e potenciais da iniquidade serão estimuladas a jogar o jogo da farsa e do cinismo com a mesma moeda, adotando padrões de comportamento compatíveis com a instrumentalização da legalidade, a serviço de interesses privados e circunstanciais. Nem todos o farão, a maioria não o fará, entretanto, mesmo para os renitentes adeptos da ordem, independentemente de seu conteúdo, norma e valor habitarão universos distintos. Quando digo norma e valor, digo Estado e moralidade, política e ética. Em outras palavras: do ponto de vista popular, graças à reiteração continuada de práticas iníquas de agentes e agências públicas relevantes, de um lado está aquilo que não presta, o jogo de cena, falso e interessado, a manipulação do Estado, pela mediação de ações ostensivas de seus agentes ou representantes; de outro lado, estão a vida de cada um, a família, a comunidade, o trabalho, a religião, tudo aquilo que é digno de respeito.
Registre-se que a população a que nos referimos não estava, por assim dizer, em repouso histórico; tampouco contava com referências identitárias e simbólicas consolidadas; muito menos dispunha de um repertório consagrado e amplamente compartilhado de narrativas sobre sua experiência coletiva. Vale lembrar que essa população concluía, nos anos 1980, outra e mais tormentosa transição, em cujo percurso agitavam-se, como vimos, placas profundas da arqueologia social.
A dicotomia expressa na categoria “Belíndia” não é a mesma que a oposição “país legal-país real” designa. Referem-se a dimensões diversas da vida brasileira. Contudo, dialogam entre si, remetem uma à outra, porque, afinal de contas, nossos “indianos” sabem que somente nosso lado Bélgica vive sob a guarda da legalidade, fruindo a garantia dos direitos, enquanto sobre si recai o rigor na cobrança dos deveres. Há, em síntese, uma correspondência, porque são sempre os mesmos que pagam o preço das desigualdades, na distribuição assimétrica de poder e riqueza, ou nas práticas cotidianas dos agentes do Estado, desde a abordagem policial até o acesso à educação e à saúde.
A correspondência entre as duas dicotomias se converte em exata sobreposição, quando a experiência popular do desamparo, da impotência e da indignação coincide com a celebração inaugural dos novos marcos legais. Na crise aguda posterior às desilusões com o Plano Cruzado –desativado logo depois das eleições de 1986–, que corresponde, exatamente, ao período constituinte, configura-se uma conjuntura extremamente complexa e ambivalente: gestos virtuosos e comoventes, como a proclamação democrática de Ulysses Guimarães, erguendo a nova Carta como quem desfralda a bandeira da civilização contra os vestígios da barbárie, gestos e vozes cujas reverberações simbólicas remetem a dimensões proféticas do imaginário coletivo, espargindo carisma na cena política, convivem com a explosão inflacionária, o aumento do desemprego, o aprofundamento das desigualdades, a decadência dos indicadores sociais, a intensificação da violência, o incremento desgovernado dos grupos de extermínio e a multiplicação das execuções extra-judiciais. Aurora e crepúsculo justapõem-se, recobrindo a paisagem feérica do primeiro dia com a luz sombria de um exangue sol noturno.  O novo tempo prometido, longamente ansiado, abria as cortinas para o melancólico espetáculo das repetições. A dramaturgia das mudanças estreava sob o signo da continuidade. A aridez da realidade, nas camadas populares, sepultava esperanças. A legitimidade política densa, vivida com emocionada identificação, ao longo do sacrifício de Tancredo, cujo martírio evocara o calvário de Cristo, vinha sendo erodida no ritmo da desvalorização da moeda, do salário e da dignidade do trabalhador. Em 1988, restava pouco solo ainda fértil para a nova semeadura política, agora que retornavam a Ithaca os argonautas da odisseia democrática. O mar poluíra-se, não estava pra peixe. Ulysses receberia votação humilhante na eleição presidencial de 1989. As urnas consagrariam um aventureiro de opereta.
Pouco antes, em 1985, os rapazes do Ultraje a Rigor entoavam o hino da juventude excluída, em versos mais bem humorados do que ressentidos, e certamente eloquentes: “nós vamos invadir sua praia”. Promessas traídas viravam ameaças, graças à canibalização estética. O sonho feliz de cidade, esvaziado, virava convite irônico a compartilhar pesadelos. Mas os cariocas ainda esperariam alguns anos até que os “arrastões” dramatizassem a “passagem ao ato”[3]. Enquanto isso, divertiam-se com as caras pintadas, faziam coro aos linchamentos, indignavam-se, endividavam-se, escaneciam.
Em poucas palavras: a sobreposição entre as duas dicotomias dilapidou a força instituinte da nova Constituição e do ritual que a promulgou, neutralizou a percepção da mudança, reduziu sua potência. A coincidência referida impediu a difusão de uma leitura razoavelmente consensual, na sociedade, sobre as virtudes da nova institucionalidade, a despeito do fato de que o passado continuava a se reproduzir. Uma leitura que destacasse o joio do trigo e evitasse que o desapontamento popular jogasse fora a crianca com a água do banho. Uma interpretação que apreendesse a especificidade dos novos marcos legais e não os confundisse com o processo sócio-econômico em curso no país. A coincidência entre as duas dicotomias submergiu a transição nas águas turvas da continuidade, diluindo seus contornos, sua identidade, seu sentido histórico, esmaecendo as fronteiras entre o passado ditatorial e o Estado democrático de direito que emergia, sublimando a oposição entre os respectivos valores, apagando limites que serviriam de referências indispensáveis para a reorientação dos agentes do novo poder público. A recusa do PT a endossar a Constituição, nesse contexto tão difícil, contribuiu para o enfraquecimento de seu potencial transformador e, sobretudo, reduziu as chances de que viesse a exercer um impacto positivo na percepção da sociedade a respeito da representação parlamentar, da política institucional e da atividade legislativa. O preço da perda dessa oportunidade histórica de conferir credibilidade às instituições políticas pagar-se-ia mais tarde. Naquele momento era mais fácil por-se ao lado do senso comum popular cético, mas o custo desse posicionamento viria a ser a depreciação da própria política no imaginário coletivo, colocando em risco a democracia nascente.
No dia seguinte ao sepultamento formal da ditadura, tendo sido promulgada a Constituição, os poderes do Estado emitiam um sinal democrático, cuja mensagem definia os indivíduos como cidadãos e os convidava a participar do novo momento da vida nacional, compartilhando direitos. Por outro lado, a experiência na rua, na esquina, emitia sinais opostos, cujo conteúdo reafirmava a arcaica desigualdade de tratamento: o policial uniformizado, manifestação mais tangível e visível do Estado, agia com a violência de sempre, nos territórios populares, abordando, seletivamente, pobres e negros. A distinção manifestava-se dramaticamente nas ruas, mas não se resumia à esfera das ações policiais. A dubiedade dos sinais produzia aquilo que os psiquiatras e psicanalistas denominam dupla mensagem e cujo efeito é a desestabilização psíquica do receptor. No caso brasileiro, em que a experiência perturbadora foi vivida (e ainda é) em massa, as consequências foram, por um lado, a construção cultural de uma blindagem de ceticismo ao redor da palavra do poder; por outro lado, foi a apropriação manipuladora antagônica dos princípios universalistas, submetendo-os aos interesses privados sem pudor ou, no limite, a substituição do discurso pela força. Se a palavra (o princípio, a lei) é mero instrumento de domínio, em sua aplicação cotidiana, por que não recorrer diretamente a instrumentos mais práticos e, digamos, contundentes? A violência parece autorizada pela duplicidade que marca o comportamento do poder –o qual, desprovido de legitimidade, por revelar-se falso e falsificador, reduz-se à rusticidade selvagem e francamente interessada da força.
Militantes das lutas democráticas sonharam com a difusão ampla, geral e irrestrita da cultura cívica laica, promovendo-se um casamento indissolúvel entre o Estado democrático de direito e a sociedade brasileira. Não foi o que aconteceu, em parte, creio, pelos motivos expostos. Certamente, muitos elementos derivados da cultura cívica laica, individualista e solidária, politicamente liberal, enraizaram-se na sensibilidade popular. Mas convivem com valores nem sempre coerentes com o respeito às diferenças e nem sempre refratários às desigualdades. Assim como as práticas de agências públicas –a despeito de inegáveis avanços– persistem tão desiguais quanto as estruturas econômico-sociais.
Bombardeados pela desconcertante dupla mensagem, que incidiu sobre suas sensibilidades coletivas em transição, e ainda em busca de novas narrativas que dessem conta de sua acidentada história recente, os segmentos populares não pareciam suficientemente atendidos pelos repertórios religiosos disponíveis. A grande narrativa católica talvez se revelasse incapaz de suscitar uma postura apta a fruir o que a vida –como ela era—oferecia, enfrentando as dificuldades para vencê-las, em vez de resignar-se. A versão tradicional tendia a ser interpretada como um estímulo a aceitar o sofrimento como forma de purgar os pecados e, sacrificando-se, alcançar a salvação espiritual. A versão progressista, inspirada na teologia da libertação, propunha um posicionamento ativo, cujo fundamento era a crítica da sociedade capitalista e a recusa à vida como ela era, ao mundo como se apresentava. Nos dois casos, o fiel popular era descrito como vítima, fosse do enigmático capricho divino, fosse da exploração econômica. As diferenças diziam respeito ao dilema: conformar-se ou empenhar-se na mudança? Observe-se que, no credo socialista cristão, não se tratava de mudança das condições objetivas de vida, mas das estruturas que determinavam a existência de tais condições, o que envolveria a renúncia aos bens materiais, aos valores materialistas e consumistas, e aos critérios de julgamento sobre a realização pessoal desejável, a qual só seria alcançada coletivamente.
Na versão ortodoxa, a redenção dá-se no reino do espírito, fora do mundo material. Na versão heterodoxa, a salvação dá-se fora do mundo materialista. Em ambos os casos, os símbolos chave insistem em renúncia e vitimização, propondo a recusa da vida como ela é, ou como se apresentava aos fiéis naquele momento histórico.
Por outro lado, como vimos, à cultura cívica laica, enredada na esquizofrenia política da dupla mensagem, faltava o encantamento profético do carisma, fonte de promessas e esperanças motivadoras.
Talvez se encontre aí a razão para a emergência do fenômeno mais importante na cultura popular brasileira dos últimos vinte e cinco anos: a adesão em massa a igrejas evangélicas. Sem prejuízo da imensa diversidade escondida sob um mesmo título, creio ser possível arriscar uma hipótese interpretativa sintética: o trabalhador precisa contar com uma narrativa que atribua sentido positivo, afirmativo, ao mundo real e à vida como ela é, de tal modo que as eventuais conquistas sejam acessíveis em seu tempo de vida útil. Precisa contar a si mesmo uma história em que não figure como vítima, na qual os objetos de seu desejo não sejam depreciados, em que atue como protagonista e mereça reconhecimento. Precisa de uma crença que o impulsione para dentro do mundo e o reassegure. Precisa que a vida como ela lhe aparece não seja reduzida a uma torpe indignidade dos poderosos ou a um truque divino. Maculada a vida material, o dinheiro e os bens materiais, ele e sua família estarão inapelavelmente conspurcados enquanto viverem. Ou, na clave revolucionário-sebastianista: enquanto a grande mudança não vier.
Essa leitura faz do mundo evangélico uma grande conspiração conservadora? Não necessariamente, ainda que as religiões mundanas sejam, por sua natureza, mais próximas da ética do trabalho e das orientações pragmáticas, como nos ensinou Max Weber. Tudo se passa como se parte expressiva do povo brasileiro dissesse a si mesmo: se o capitalismo veio para ficar, joguemos o jogo e empreguemos seu vocabulário, desde que amparados por parâmetros morais que imponham limites aos apetites vorazes, à soberba, à ostentação e ao abuso dos outros. Afinal, talvez o dinheiro nem sempre seja sujo e “vencer na vida” não seja uma blasfemia competitiva e egoísta. Respondamos à dubiedade do Estado com nossa postura severa e reta. Enfrentemos a plasticidade de situações informais e amorfas, tão próprias às manipulações iníquas, com o rigor de nossa disciplina. Mas não nos detenhamos à espera da redenção utópica, nem nos postemos à beira do caminho, clamando por piedosa indulgência e caridade paternal: avancemos para o interior desse mundo com nossa energia e muita ambição.
Dessa visão de mundo que conquista mais adeptos a cada dia, no meio popular, na nova classe média, nas camadas médias tradicionais, deriva um clamor por ordem, estabilização de expectativas, respeito a contratos e regras do jogo, de que a segurança pública constitui o conceito e a síntese prática. Essa demanda nada tem a ver com brutalidade policial, nem com práticas iníquas da justiça criminal. Pelo contrário, essa demanda é essencialmente contraditória com as ideias que justificam ações arbitrárias –o que não tem sido compreendido pelos políticos demagógicos e populistas.

(2) No domínio especificamente político, deve-se destacar a natureza do pacto político que viabilizou a transição para a democracia. As lideranças militares negociaram de uma posição de força, a partir da qual calibraram o timing e a extensão da “descompressão”. Os líderes civis não ousaram tocar no cordão umbilical que ligava as polícias militares ao Exército. Não julgaram adequado por em risco o processo em nome de exigências voltadas para a reorganização radical da segurança pública, terreno pantanoso, ainda fortemente marcado pela doutrina da segurança nacional, em cujo âmbito a meta era defender o Estado.
Quando se instaura o Estado democrático de direito, o destinatário da segurança pública passa a ser a cidadania e a própria expressão, “segurança pública”, passa a significar estabilização de expectativas positivas quanto à cooperação social e quanto à fruição dos direitos. Não obstante essa alteração radical de finalidade, o arranjo institucional consagrado na Constituição, no artigo 144, mantém a arquitetura institucional legada pelo regime militar. É verdade que princípios e valores democráticos foram adicionados e que as novas metas foram afirmadas. Entretanto, os novos componentes convivem com a estrutura organizacional anterior. Supunham, certamente, os legisladores, que as antigas formas acabariam por adaptar-se aos novos conteúdos, isto é, às novas finalidades e ao novo ambiente normativo voltado para a defesa dos direitos. Subestimaram a força coercitiva da forma sobre o conteúdo. Não compreenderam o peso determinante das estruturas organizacionais sobre seu funcionamento real, sobretudo quando as culturas corporativas atravessam intocadas o umbral da transformação histórica. São as culturas profissionais das polícias que movimentam os mecanismos de gestão e põem em prática –ou não—os mandamentos constitucionais, pela via oblíqua das emoções, dos valores e das crenças de suas elites dirigentes. Não deveria causar surpresa o fato de que naves arcaicas, conduzidas por profissionais formados na e para a ditadura, mantivessem rumos superados apenas no espírito da Constituição.
Além da manutenção das antigas estruturas organizacionais refratárias à gestão racional e ao monitoramento externo, o fator provavelmente decisivo para que os valores (e as práticas) tradicionais fossem, nas instituições da segurança pública, legados às gerações subsequentes, ainda que cedendo aqui e ali, foi a inexistência de um ritual de passagem entre a ditadura e a democracia. Refiro-me à marcação simbólica de uma ruptura com o passado de violações aos direitos humanos, torturas, assassinatos, prisões arbitrárias, etc. Mesmo na ausência de uma justiça de transição e de julgamento dos violadores, teria sido fundamental a afirmação oficial de que houve abusos perpetrados pelo Estado, sistematicamente, e de que essa prática é inadmissível, a tal ponto que o novo regime construir-se-ia para que jamais se repetisse a barbárie institucionalizada.
A prudência dos negociadores civis levou ao compromisso entre novas finalidades e velhas estruturas organizacionais. A cautela das lideranças que fundaram a Nova República evitou a ritualização da passagem e a assunção da “verdade” dos crimes da ditadura. A moderação dos primeiros governantes que atuaram ainda sem o amparo da nova Constituição conduziu à adoção de uma abordagem extremamente cuidadosa de tudo o que dizia respeito a polícias e segurança. O espírito conciliador e a instabilidade política provocada não mais pelo fantasma do retorno dos militares, mas pela insidiosa crise econômica e social, consolidaram a timidez no trato da segurança como um padrão, cuja pregnância contribuiu para o reforço do continuísmo cultural e prático nas corporações policiais e nos presídios.
***
Unindo as duas pontas de meu argumento, relativas aos processos sociais e à dinâmica política, proponho a seguinte hipótese explicativa da incapacidade nacional de modernizar e democratizar as instituições da segurança pública, para que elas passem a fazer parte da solução e deixem de ser parte do problema:
(A) Tensionada pela combinação entre a plasticidade (o veloz e conturbado deslizamento de referências), decorrente do processo que deslocou “placas tectônicas”, e a “dupla mensagem” emitida (pelo Estado e a situação sócio-econômica) no período em que a nova ordem constitucional foi instaurada, a sociedade brasileira dividiu-se em muitas orientações, entre as quais merecem especial destaque, por um lado, a adesão massiva à informalidade e o envolvimento em negociaçõesad hoc com os marcos legais sob a regência do interesse privado, e, por outro, a adoção de um rigorismo moral que cultiva princípios em detrimento do ambiente normativo e das disposições institucionais. Nos dois casos, perdem substância a política e a institucionalidade. Nos dois casos, predomina o ceticismo quanto à Justiça e à política como forma democrática de organização da vida coletiva.
(B) O universo político rendeu-se quase inteiramente à lógica do mercado eleitoral e, portanto, à construção de carreiras individuais cujo êxito depende da sintonia circunstancial com os movimentos da opinião pública, em sua inevitável volatilidade. Nesse contexto, perdem sentido compromissos reformadores voltados para a geração de resultados de longo prazo, sobretudo aqueles que suscitam resistências e produzem desgaste nas primeiras etapas de sua implementação.
O efeito sintético expressa uma indisposição generalizada para a elaboração difícil, exigente, de uma pauta consensual em torno do centro gravitacional do Estado de direito: a pactuação em torno das regras na perspectiva da equidade e de seu efetivo (e universal) cumprimento, garantido pelo uso comedido e legítimo da força.

[1] Pesquisa coordenada por Julio Jacobo Waiselfisz, realizada com apoio do Ministério da Justiça e publicada em 2011, sob o título “Mapa da Violência”.
[2] Segundo pesquisa que realizei com Marcos Rolim e Silvia Ramos, graças ao apoio do PNUD e do ministério da Justiça, em 2009, na qual registramos a opinião de 64.120 profissionais da segurança pública, em todo o país, 70% são contrários ao modelo policial fixado pelo artigo 144 da Constituição.
[3] Expressão psicanalítica que designa a transposição de fantasia transgressora para a prática.
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