quarta-feira, 17 de julho de 2013

Desabafo de uma médica campista // Francinne Machado Ribeiro

Cara Presidente (é assim que se escreve, não maltrate a minha língua, por favor!):

Fiz seis anos de faculdade. Paga pela minha mãe.
Fiz quatro anos de residência. Passei bem colocada nos dois concursos e escolhi o meu hospital. Por direito. Estudei para isso por muitas noites e muitos dias seguidos. Nesses quatro anos empurrei maca, colhi sangue e briguei com meio mundo para que meus pacientes tivessem um tratamento digno.
Fiz mestrado e doutorado, que me consumiram mais dez anos. Não tive direito à licença porque meus pacientes não podiam esperar. Trabalhei e estudei. Ao mesmo tempo. Afinal, não tenho privilégios de deputada. Defendi a dissertação e a tese. Sem acréscimo no salário.
Não me acho em dívida com a sociedade, como insinuou a burocrata que está no CNS. Trabalhei duro durante todo o tempo da minha formação médica. Ouvi desaforo, fui desacatada, mas sobretudo curei e tratei muita gente.
Me recuso a cair na sua conversa por dois motivos: sou qualificada demais para discutir com quem precisou burlar a Plataforma de currículo Lattes e simular um mestrado que nunca fez. Além do mais, fiz um juramento para cuidar das pessoas e não me lembro de ter feito voto de pobreza e trabalhar pelo país. Pago impostos altos demais para sustentar o óleo diesel dos aviões da FAB.
Atualmente sou médica do SUS. Prestei concurso em 1996 e, novamente, passei bem classificada. Mérito só meu. Trabalho muito, sou boa no que faço. No entanto, ainda sou obrigada a ouvir uma paciente dizer que está envergonhada porque estava "internada em uma cadeira" e estava há quatro dias sem banho. Durante esse tempo, eu estava lá. E você, onde estava? Em um hotel caro de Roma, mesmo tendo uma embaixada-palácio na mesma cidade? Mesmo assim nunca hesito em trabalhar nos fins de semana ou feriados. Se você ainda não entendeu: meus pacientes não podem esperar!
Não tripudie da minha inteligência.
Tire seu traseiro de onde está e venha conhecer o seu país. Seus médicos estão na luta. Diuturnamente. Salvando vidas. O tempo todo. Pena que a sua história nós não poderemos salvar.
 — em Rio de Janeiro.

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