quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Existem duas Papudas: uma para mensaleiros e outra para condenados da população


21/11/2013 15h36 - Atualizado em 21/11/2013 16h42


Familiares de presos enfrentam filas de 




madrugada para visitas na Papuda


Visitantes encaram filas, recebem senhas e são revistados antes de entrar.
Parentes de presos do mensalão puderam entrar em dia sem visita regular.

Do G1, em Brasília
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Uma estrada escura aberta entre árvores no meio do cerrado, sem comércio nem casas por perto, é o único caminho para acessar o Complexo Penitenciário da Papuda, maior presídio do Distrito Federal, a cerca de 20 km de Brasília. Nas madrugadas de quarta e quinta-feira, centenas de homens, mulheres e crianças enfrentam o frio na beira da pista, agasalhados com cobertores e edredons, para visitar os 10 mil detentos encarcerados no presídio. Para muitos, a aglomeração de pessoas é a "fila da tristeza".
As visitas nas quatro unidades penitenciárias da Papuda são divididas entre quarta e quinta, sempre das 9h às 15h. Cada interno tem um dia específico para receber a visita semanal. E, para poder entrar, familiares e amigos têm de fazer um cadastro prévio, que é analisado pela administração da penitenciária.
Familiares de detento do presídio da Papuda enfrentam filas na madrugada para visitar parentes. (Foto: Pedro França/G1)Familiares de detentos da Papuda enfrentam filas
para visitar os condenados (Foto: Pedro França/G1)
Queria que as mulheres dos mensaleiros ficassem aqui na fila com a gente para ver o que a gente passa. Aqui é só tristeza"
Mulher de detento do complexo da Papuda
Familiares de detento do presídio da Papuda enfrentam filas na madrugada para visitar parentes. (Foto: Pedro França/G1)Fila de visitantes do presídio começa a ser formada
no dia anterior às visitas (Foto: Pedro França/G1)
A gente fica indignado porque tem de passar por isso tudo. Eles [parentes e amigos dos reús do mensalão] não são iguais?
Irmã de detento do complexo da Papuda
Desde o último sábado (16), nove condenados no processo do mensalãoestão detidos na Papuda, entre eles o ex-chefe da Casa Civil José Dirceu, o deputado licenciado José Genoino (PT-SP) e o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares. Apesar das regras rígidas para os parentes de presos acessarem as dependências do presídio, familiares, amigos e colegas de partido dos réus do mensalão conseguiram contornar nesta semana as normas e visitá-los fora dos dias e horários pré-determinados.
Na última terça (19), a Secretaria de Segurança Pública do DF abriu uma exceção e permitiuque parentes e amigos dos condenados visitassem os presos no cárcere. Segundo a assessoria da pasta, houve exceção porque as famílias já tinham se deslocado para o local.
No dia seguinte, apesar de a secretaria ter anunciado que havia proibido a entrada no presídio de familiares e amigos dos réus fora dos dias habituais, uma comitiva com 26 deputados federais se reuniu com os presos. Nesta quinta, um grupo de senadorestambém desobedeceu a regra e foi à Papuda visitar os petistas detidos.
Enquanto isso, visitantes dos presos comuns – a maioria deles mulheres e crianças de colo – passam a noite ao relento na portaria do complexo penitenciário para conseguir entrar cedo e aproveitar o máximo possível o único dia de visitas da semana. Não são raros os casos de pessoas que chegam na manhã do dia anterior para assegurar os primeiros lugares na fila.
Na madrugada desta quinta (21), uma mãe desempregada e grávida de um mês, segurando pelas mãos uma filha de 3 anos e outra de 1 ano e 8 meses, protestou: "Queria que as mulheres dos mensaleiros ficassem aqui na fila com a gente para ver o que a gente passa. Aqui é só tristeza."
Uma mulher de 43 anos, que visita semanalmente o irmão na prisão, diz que o tratamento diferenciado dado aos parentes e amigos dos condenados do mensalão aumentou o sentimento de "discriminação, indignação e impunidade" entre os visitantes regulares da Papuda.
"A gente fica indignado porque tem de passar por isso tudo. Eles [os parentes e amigos dos reús do mensalão] não são iguais? [...] Os parlamentares e o governador Agnelo nunca vieram aqui visitar os presos comuns antes", disse a mulher.
Nesta quinta, as primeiras senhas para as visitas começaram a ser distribuídas às 6h03, ao amanhecer. As senhas são entregues por ordem de chegada na guarita central. Somente com os passes em mãos é possível entrar no pátio externo do complexo penitenciário para aguardar até as 9h, horário que é autorizado o ingresso dos visitantes às dependências da Papuda.
"Estou aqui desde as 3h da manhã [de quarta] para garantir um lugar melhor, entrar logo e ter mais tempo com o meu marido. Saio só as 15h, que é o horário-limite", relatou ao G1 uma mulher que foi visitar o marido preso nesta quinta-feira, mas preferiu não se identificar por questões de "segurança".


Familiares de detento do presídio da Papuda enfrentam filas na madrugada para visitar parentes. (Foto: Pedro França/G1)Senha para entrar no presídio é distribuída cedo, e
entrada é permitida às 9h (Foto: Pedro França/G1)
Já teve vez que lançaram spray de pimenta na gente e nas crianças. Umas duas semanas atrás uma mulher morreu de ataque cardíaco ao correr e não aguentar chegar até lá em cima. Aqui é uma bagunça"
Visitante da Papuda que não quis se identificar
Dentro dos muros da Papuda, os visitantes têm de pegar uma nova senha para que a entrada na penitenciária seja, enfim, liberada. Nesse meio tempo, os visitantes são revistados pelos agentes penitenciários. No pátio que antecede as dependências internas, há ambulantes registrados que vendem alimentos e roupas íntimas.
Familiares de detento do presídio da Papuda enfrentam filas na madrugada para visitar parentes. (Foto: Pedro França/G1)Visitantes enfrentam empurra-empurra para ter um
lugar nas primeiras posições da fila dentro do
presídio da Papuda, no DF (Foto: Pedro França/G1)
Ao apanhar a primeira senha necessária para entrar na Papuda, muitas pessoas correm para conseguir um bom lugar na próxima fila, já dentro da área do presídio. São momentos de tensão e de aflição, em que os visitantes se empurram e gritam. Na manhã desta quinta, assim que os agentes penitenciários distribuíram os passes de acesso, houve um princípio de tumulto. Em meio ao empurra-empurra, uma grade de ferro foi quebrada.
As mulheres de detentos reclamam do tratamento dado a elas pelos agentes penitenciários e policiais militares. Segundo depoimentos de familiares de detentos, os funcionários da penitenciária pensam que "mulher de bandido é bandida também".
"Aqui é uma bagunça. Hoje só está melhor porque vocês da imprensa estão aqui, mas não tem infraestrutura nenhuma", reclama outra mulher que também não quis revelar a identidade.
Aqui a gente só tem o direito de ficar calada"
Mulher de detento da Papuda
Muitas mulheres e namoradas de detentos dizem ter medo de sofrer represália ou de prejudicar a situação dos presos. "Aqui a gente só tem o direito de ficar calada", desabafou uma das visitantes.
'Fila da tristeza'
Sem acesso a banheiros na área externa da Papuda, as centenas de pessoas que circulam pelo presídio nos dias de visitas são obrigadas a buscar alternativas para as necessidades íntimas e de higiene pessoal. Por falta de opções, muitos visitantes procuram arbustos característicos da vegetação de cerrado. No entanto, há quem recorra a alternativas improvisadas, como embalagens de sorvete que, diante da necessidade, se transformam em penicos.
E na tentativa de amenizar o cansaço antes do início do horário de visitas, os familiares de presos improvisam camas sobre os gramados e calçadas do entorno da penitenciária. Deitados sobre o piso duro, dezenas de pessoas se cobrem com edredons e cobertores.
Na fila preferencial são aceitos idosos, gestantes, deficientes e bebês de até um ano. Nesta madrugada, a reportagem do G1 contabilizou ao menos 30 crianças entre 1 e 6 anos de idade acompanhando as mães na visita semanal aos presos.
A mulher de um detento condenado a 39 anos de prisão, que não quis revelar o nome, traz o filho, de quatro anos, toda semana há um ano e nove meses para ver o pai. "É triste, mas ele tem que ver o pai, né? Teve uma época em que parei de trazer ele, só que começou a ter problemas psicológicos", lamentou abraçada ao menino sonolento no chão.
Por que os petistas presos têm visitas médicas e para a gente é uma dificuldade? É inexplicável"
Manoel Rodrigues, pai de detento do presídio
Ela trabalha em uma padaria e afirma que nunca revelou ao patrão que, às quintas-feiras, visita o marido na Papuda. "Sempre tem que falar uma desculpa. Deus me livre se ele descobre que eu estou aqui. Falo que meu filho faz tratamento toda quinta, é o jeito", contou.
O aposentado Manoel Rodrigues, de 52 anos, visita há três anos o filho único, L.R., de 26 anos, que foi preso em 2010 por ter praticado assaltos e por uma tentativa de homicídio. De acordo com Rodrigues, durante uma briga interna na prisão, em 3 de novembro de 2012, um detento esfaqueou L.R, arrancando-lhe imediatamente o olho direito. O preso foi socorrido ao hospital, mas ficou cego.
O pai relata as dificuldades para conseguir marcar consultas médicas periódicas para o filho presidiário. "Leva até mais de cinco meses para conseguir uma consulta e, pelo o que eu sei, não aconteceu nada com o homem que agrediu o meu filho. Por que os petistas presos têm visitas médicas e para a gente é uma dificuldade? É inexplicável", ressaltou Rodrigues.
Nesta quarta, o governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz, que é médico, verificou pessoalmente o estado de saúde do deputado licenciado José Genoino, seu colega de partido. Em nota, o governo do DF afirmou que Agnelo esteve no presídio para averiguar as instalações e acomodações dos sentenciados do mensalão.
Indagado sobre se continuaria a fazer visitas e batalhar por uma melhor atenção ao filho, Rodrigues foi contundente. "Para sempre. Só vem quem ama", enfatizou.
Familiares de detento do presídio da Papuda enfrentam filas na madrugada para visitar parentes. (Foto: Pedro França/G1)Visitantes ultrapassam cerca de arame farpado
para tentar garantir os primeiros lugares da fila
dentro da Papuda. (Foto: Pedro França/G1)
Secretaria nega abusos
Em nota enviada ao G1, a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, responsável pela administração do presídio da Papuda, informou que não há registros na ouvidoria da pasta de supostos abusos cometidos por agentes penitenciários ou policiais militares contra familiares de detentos. Segundo a secretaria, as denúncias de maus-tratos registradas pelos visitantes na ouvidoria são investigadas.
Em relação às filas que se formam nos dias de visitas da Papuda, a Secretaria de Segurança Pública disse, por meio de sua assessoria, que existem para haver organização e para atender a ordem de chegada de cada um dos visitantes. A pasta, no entanto, destacou que não há como interferir de "forma enérgica" contra os visitantes que se empurrarm para tentar assegurar os primeiros lugares da fila.
"Todos os visitantes são aconselhados a manterem a ordem e caminharem durante a ida para o presídio e não correr. Existem as regras que devem ser cumpridas e os agentes orientam os visitantes na conduta certa a ser adotada, mas não há como a Secretaria de Segurança Pública do DF ou a própria Subsecretaria do Sistema Penitenciário interferir na forma das pessoas se comportarem diante das regras", escreveu a pasta por meio do comunicado.

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