domingo, 11 de janeiro de 2015

A Marcha Republicana de Paris foi uma celebração de vida e de esperança... / Ruth de Aquino

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Um domingo de trégua e celebração da vida em Paris

Com meu lápis amarelo, eu me juntei à multidão que acredita na tolerância religiosa e que espera vencer um dia a guerra contra o terror

DE PARIS
11/01/2015 19h27 - Atualizado em 11/01/2015 20h08

Manifestação reúne mais de 1 milhão em Paris (Foto: Ruth de Aquino/ÉPOCA)
Era quase impossível respirar dentro do metrô que me levou de Saint-Germain, na Rive Gauche, ao outro lado do rio Sena, na Place de la République, de onde sairia a Marcha Republicana em homenagem aos 17 mortos por terroristas em Paris em três dias, de quarta-feira a sexta-feira. O transporte era gratuito. E quando vi os vagões lotados, joguei-me no último. Só nos segurávamos porque um corpo encostava no outro. Ainda bem que é inverno. Levava meu pequeno lápis amarelo. O papel colado ao casaco, Je Suis Charlie, caiu ao chão para nunca mais ser visto.
 
Ruth de Aquino na marcha contra o terrorismo em Paris (Foto: Época)
Sabia que, por mais “manifs” de que eu tenha participado em Paris, ou “demonstrations” em Londres, como correspondente ou simples cidadã, essa de hoje seria a mais gigantesca. E pacífica. Eu tinha certeza de que seria pacífica. Claro que qualquer um pode colocar uma bomba em qualquer lugar. Mas, mais do que a força policial, fardada, ou à paisana, armada com metralhadoras ou pistolas, havia a força da população unida contra o terror. Todas as religiões, todas as idades, todas as classes sociais, todas as cores de pele, todas as nacionalidades.
Fazia sol à saída do metrô em Strasbourg Saint-Denis, contrariando previsões de chuva. A multidão evitava qualquer empurra-empurra, éramos cúmplices na caminhada pela liberdade. Ninguém fazia festa mas tampouco chorava. Eram passos lentos e, às vezes, os gritos: Charlie, Charlie, Charlie. E também os aplausos, muitos aplausos. As bandeiras, o hino francês, a Marseillaise, liberté, égalité, fraternité. Aplaudíamos os cartunistas, os policiais, os muçulmanos. Aplaudíamos por estar vivos para presenciar esse momento histórico, a maior manifestação desde a Segunda Guerra Mundial, desde a Libération de Paris, em 1944. Mais de 70 anos se passaram. O sentimento era de orgulho nas quatro moças bonitas que diziam, todas, ser Charlie. Foi um dia em que o francês deixou de ser blasé.
 
Manifestação reúne mais de 1 milhão em Paris (Foto: Ruth de Aquino/ÉPOCA)
Havia carrinhos de bebê com mamadeira e cartaz: “Sou o futuro. Quero crescer livre para pensar e falar”. Hoje, éramos tudo de bom. Je suis la vie, sou a vida. Outro cartaz, Je suis Ahmed, lembrava que um policial muçulmano foi abatido. Mais adiante, um rapaz com sua família levava uma faixa que traduzia o desejo sincero de união: “Sou Charlie, sou judeu, sou muçulmano, sou policial, sou um homem livre”. Ateus, judeus, muçulmanos, todos foram vítimas do terror na semana passada, e, entre as minorias, não faltou nem mesmo uma jovem policial negra de 26 anos, desarmada, morta covardemente na quinta-feira, era da Martinica. Repetia-se à exaustão em cartazes a palavra que justificava a presença de todos ali: LIBERTÉ. Todos nos sentíamos responsáveis.
Manifestação reúne mais de 1 milhão em Paris (Foto: Ruth de Aquino/ÉPOCA)
Manifestantes beijavam policiais, com os três beijinhos costumeiros dos franceses. Desconhecidos se abraçavam, sorriam uns para os outros. Sorrisos tristes, dos mais velhos, sorrisos excitados, dos mais jovens. Imagino as charges jocosas que Charb, Cabu, Tignous e Wolinski criariam diante de tanto amor meloso ao próximo. Eles não acreditariam em nada disso. E é difícil acreditar mesmo. Hoje nós vivemos, neste dia inesquecível em Paris, uma linda trégua, que pode não passar de uma ficção de domingo.
Amanhã é segunda. E muita coisa ainda precisa ser explicada, porque não dá para entender como os irmãos Kouachi tiveram tanta liberdade de ação em Paris, com um passado tão sombrio. O atentado à redação de Charlie Hebdo, seguido de sequestros com fuzis Kalashnikov, mostrou que o terror é uma ameaça mais palpável para todo francês, todo europeu. O jihad - a guerra santa islâmica - deixou de ser um inimigo distante. Por isso mesmo, todas as ruas de Paris estavam semidesertas, a não ser na área do cortejo. Não havia mais nada a fazer nesse domingo, 11 de janeiro de 2015, do que desafiar o medo e celebrar a vida.
Manifestação reúne mais de 1 milhão em Paris (Foto: Ruth de Aquino/ÉPOCA)

Manifestação reúne mais de 1 milhão em Paris (Foto: Ruth de Aquino/ÉPOCA)
Manifestação reúne mais de 1 milhão em Paris (Foto: Ruth de Aquino/ÉPOCA)
Manifestação reúne mais de 1 milhão em Paris (Foto: Ruth de Aquino/ÉPOCA)
Manifestação reúne mais de 1 milhão em Paris (Foto: Ruth de Aquino/ÉPOCA)
Manifestação reúne mais de 1 milhão em Paris (Foto: Ruth de Aquino/ÉPOCA)


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