sexta-feira, 3 de abril de 2015

Você acredita no Futebol brasileiro ? Uma ideia para melhorar a qualidade de administração dos clubes / Época

http://epoca.globo.com/ideias/noticia/2015/04/da-para-o-futebol-brasileiro-sair-do-buraco-financeiro.html

Dá para o futebol brasileiro sair do buraco financeiro?

Um grupo de especialistas acredita ter descoberto como medir, de uma vez só, o potencial de sucesso de um clube e sua saúde financeira

RODRIGO TURRER
02/04/2015 08h00

PROMESSA O Palmeiras comemora um gol,  na inauguração  de seu estádio,  em janeiro.  O clube é exemplo de recuperação financeira  (Foto: Mauro Horita/AGIF)
Na virada dos anos 1980 para os anos 1990, o futebol deixou de ser um esporte para se tornar um negócio bilionário. Com a expansão e difusão dos serviços de TV por assinatura, os grandes clubes de futebol dos principais países europeus se tornaram marcas valorizadas e assinaram contratos de transmissão de jogos com valores estratosféricos. Até 1991, o futebol movimentava menos de US$ 1 bilhão. Hoje, são mais de US$ 450 bilhões. Mas o Brasil não seguiu o roteiro e parou no tempo.

Os clubes de futebol brasileiro só se recuperaram da década perdida na metade dos anos 2000. Surfando na onda da expansão dos negócios do futebol, atraíram altos valores de patrocínio, negociaram somas importantes em compra e venda de direitos econômicos de atletas e receberam volumes expressivos pelos direitos de transmissão dos campeonatos. A receita dos clubes brasileiros saltou de R$ 600 milhões em 2001 para R$ 3,18 bilhões em 2013. O modelo de gestão dos clubes, no entanto, ficou congelado.

O resultado é um endividamento crescente, que compromete o planejamento das equipes. “Há um profundo problema de gestão no Brasil, onde os clubes são entidades sociais e não têm quadros profissionais na administração, com presidentes e diretores voluntários”, afirma Fernando Trevisan, especialista em gestão esportiva. “O passivo fiscal, as contingências trabalhistas e as dívidas bancárias são os maiores gastos, e os clubes dependem das receitas de TV.”

No ano passado, Fernando Trevisan e a consultoria portuguesa Maksen desenvolveram o Índice de Desenvolvimento Esportivo (IDE), que engloba mais de 100 indicadores de infraestrutura, recursos humanos, administração do clube, desenvolvimento da marca, formação de atletas, desenvolvimento do elenco, resultados esportivos e financeiros. O objetivo do IDE é comparar o desempenho dos clubes, diagnosticar se estão na trajetória para ter bons resultados e viabilidade financeira, sinalizar seus pontos fracos e ajudá-los a melhorar. Dos 30 principais clubes do Brasil selecionados para fazer parte do estudo, 15 enviaram as informações dentro do prazo. Gigantes endividados, comoCorinthians, Atlético Mineiro, Grêmio, Fluminense, Vasco e Botafogo, não quiseram responder. O time mais bem colocado no ranking foi o Atlético Paranaense, que conseguiu 68,3 pontos no índice. O clube do Paraná alcançou a primeira posição graças a sua saúde financeira – é o único do país a apresentar balanços sociais auditados desde 2003 – e a sua infraestrutura, com um estádio próprio e um centro de treinamento moderno.
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Entre os cinco primeiros no ranking estão algumas das gestões mais elogiadas do Brasil:Internacional de Porto Alegre, São Paulo e Cruzeiro. Mesmo os clubes com bom desempenho de gestão apresentam dificuldades. A nota média do IDE entre todos os participantes foi de 54,5 pontos. “A maioria dos clubes ainda gasta mais do que arrecada, o que resulta em deficits em seus demonstrativos, aumenta o endividamento e gera dúvidas quanto a sua capacidade de se autossustentar ao longo do tempo”, afirma Fernando Ruiz, da consultoria Maksen. “Poucos clubes fazem planejamento estratégico, com objetivos de médio e longo prazo, ou possuem remuneração por resultados, políticas salariais e planos de carreira para a área administrativa.”

Sem planejamento e estratégia, o futuro é sombrio para a maioria dos clubes brasileiros. Ao mesmo tempo que viram suas receitas turbinadas, os clubes passaram a gastar mais: com contratações e salários de jogadores e de treinadores. Em consequência do aumento dos gastos, os times não conseguiram pagar suas contas. Dirigentes apelaram a adiantamentos de receitas futuras (inclusive de direitos de transmissão) e os clubes sofrem com dívidas impagáveis. As obrigações fiscais, que há anos os clubes não conseguem quitar, são o maior problema. Os 12 maiores clubes somam R$ 1,7 bilhão de dívidas com o Fisco – fora dívidas com empresários e entidades privadas.
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O resultado da gastança será um sufoco incontornável em 2015. Segundo um levantamento feito pelo Banco Itaú BBA, apenas Flamengo e Fluminese vão ter lucro de 15% de suas receitas, considerado um nível saudável. Cruzeiro, São Paulo, Grêmio e Internacional vão ter lucro em 2015, mas precisariam reduzir custos de operação para ter lucro adequado. Já o Fluminense, apesar das perspectivas auspiciosas, vive uma crise financeira por causa do fim da parceria com a Unimed, patrocinadora que bancava o salário do elenco. A Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte, em discussão noCongresso, pode deixar os clubes ainda mais sufocados. Para fechar no azul, os 12 maiores clubes de futebol do país teriam de apertar os cintos e cortar cerca de R$ 283 milhões de despesas projetadas para este ano.

Mudar o modelo de negócio é a alternativa para os clubes brasileiros saírem do aperto. O Brasil tem uma tradição histórica no esporte, mas encontra dificuldades para administrar as finanças de um negócio que poderia ser muito mais lucrativo. A chave para um salto na arrecadação são os milhões de torcedores dispostos a gastar. “Chega uma hora que o torcedor se cansa da paixão não correspondida”, afirma Erich Beting, jornalista especializado em marketing esportivo. “O clube tem de fazer com que ele queira alimentar essa paixão.” Atrair público para o estádio e fazer o torcedor virar um sócio do time é a saída. A consolidação dos planos de sócios-torcedores vem rendendo fortunas a algumas das equipes do país que descobriram essa mina de ouro. O Internacional de Porto Alegre é líder no ranking de sócios-torcedores, com 129 mil. Os sócios do Cruzeiro ajudaram o clube a ser bicampeão brasileiro, injetando R$ 54 milhões nos cofres celestes ao longo de 2014 – R$ 34 milhões em pagamentos de mensalidades e R$ 20 milhões na compra de ingressos com descontos. Inter e Grêmio arrecadaram mais de R$ 40 milhões cada.

Flamengo e Palmeiras estão no caminho para lucrar alto em um futuro próximo. O rubro-negro carioca deve ter lucro de R$ 79 milhões em 2015, sem precisar cortar custos por causa dos ajustes que vem fazendo desde 2013. Ainda pode ganhar mais se impulsionar seu incipiente programa de sócio-torcedor, hoje com 55 mil sócios. Já o Palmeiras é um dos grandes exemplos recentes de como convocar torcedores para fazer o clube despertar. Depois de anos de dificuldades e endividamento que transformaram a equipe em motivo de piada entre rivais, o programa sócio-torcedor fez a equipe renascer. “O Palmeiras é um exemplo, porque equalizou suas dívidas, tem um estádio novo e sem dívidas e conseguiu convocar os palmeirenses a patrocinar a reconstrução do time”, afirma Fernando Trevisan. Quase rebaixado no Brasileirão do ano passado, o clube vive uma escalada impressionante em seu quadro associativo. Só em 2015, foram 18 mil novos sócios, que catapultaram o Alviverde ao segundo posto no ranking nacional, com 82 mil participantes.

Atrair os torcedores de volta ao estádio é o primeiro passo para tirar o futebol brasileiro do buraco financeiro. O Brasil foi apenas o 18º colocado em média de público em um ranking dos 20 maiores campeonatos nacionais do mundo divulgado no início do ano pela Pluri Consultoria. Com 16.555 torcedores por partida no Brasileirão de 2014, o Brasil ficou atrás da liga americana, a Major League Soccer, do Campeonato Chinês e da Segunda Divisão da Inglaterra. Perdeu de goleada para a Alemanha, que ocupa o primeiro lugar, com média de 42.646 torcedores por jogo. Os programas de sócio-torcedor podem ajudar os clubes a se reerguer e lotar os estádios. O passo seguinte é organizar e planejar para que o Brasil se torne o país do futebol também na gestão esportiva.
A situação financeira de grandes clubes do Brasil (Foto: Marco Vergotti)

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