sexta-feira, 3 de julho de 2015

"O imposto sindical tem de acabar" ... Almir Pazzianotto / blog de José Fucs / Época

http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/blog-do-fucs/noticia/2015/06/o-imposto-sindical-tem-de-acabar.html

“O imposto sindical tem de acabar”

Para Almir Pazzianotto, ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e ex-ministro do Trabalho, os sindicatos e as centrais sindicais devem viver do dinheiro de seus associados e não dos repasses compulsórios do Estado


JOSÉ FUCS
10/06/2015 - 11h28 - Atualizado 12/06/2015 17h27
Almir Pazzianotto (Foto: Roberto Setton/ÉPOCA)
O ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e ex-ministro do Trabalho, Almir Pazzianotto, conhece como poucos o movimento sindical. Ex-advogado do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema nos anos 1970 e 1980, quando Lula estava à frente da entidade, Pazzianotto diz que o “sindicalismo chapa-branca” contaminou o movimento sindical nos governos do PT. Segundo ele, Lula e o PT abandonaram bandeiras históricas, como o pluralismo sindical e o fim do imposto sindical, depois que partido chegou ao poder, em 2003. Nesta entrevista, que reúne os trechos não publicados na edição desta semana de ÉPOCA, ele defende a terceirização das atividades-fim das empresas, a regulamentação do direito de greve no setor público e o corte do ponto de grevistas como os professores de São Paulo e do Paraná, envolvidos em longas paralisações de atividades.
ÉPOCA – Hoje, uma das principais bandeiras dos sindicatos e das centrais sindicais, como a CUT, que é ligada ao PT, é a luta contra a terceirização, em especial a terceirização das atividades-fim das empresas, aprovada pela Câmara dos Deputados em abril. Como o senhor vê essa questão?
Almir Pazzianotto
 – Eu entendo que alguma legislação é necessária. Não que essa necessidade seja extrema, porque todos empregados de uma prestadora de serviços devem ser registrados, têm direito a férias, fundo de garantia, 13º, participação nos lucros. A lei trabalhista não discrimina entre quem trabalha para uma prestadora de serviço e para uma tomadora de serviços. Em 1992, o TST aprovou uma súmula dizendo que a terceirização era ilegal, mas permitida nas áreas de vigilância, no trabalho temporário, na limpeza e conservação e em qualquer outro serviço especializado ligado à atividade meio, desde que não haja pessoalidade e subordinação direta. Eu participei desse julgamento, dessa decisão. Nós colocamos a atividade meio como barreira, porque o TST se divida em duas correntes. Uma, muito conservadora, que não aceitava a terceirização. Outra, mais liberal, que reconhecia a terceirização como um fato da economia moderna. Poderíamos discipliná-la, mas não expurgá-la. Para compor as duas correntes, o TST ficou no meio do caminho, mas não definiu o que era atividade meio, nem atividade fim. Milhares de casos foram julgados em torno dessa questão e até hoje continuamos sem saber o que é atividade-meio e atividade-fim. Na administração privada, cabe ao empresário decidir o que é melhor, ciente de que ele nunca vai terceirizar uma atividade essencial, o coração do negócio. Nós temos de respeitar a capacidade que o empresário tem de administrar o seu negócio e saber até onde pode e não pode terceirizar. Cabe a ele decidir o que é melhor. É dele o risco do negócio. Agora, em relação ao serviço público, acredito que não há essa limitação entre atividade-meio e atividade-fim. Toda a atividade desenvolvida pela administração pública direta é uma atividade-fim, porque, se não fosse, não haveria porque botar o dinheiro do contribuinte naquilo.
"Hoje, a USP fica mais tempo parada do que funcionando"
ÉPOCA – Como o senhor analisa a greves dos professores no Paraná, encerrada nesta terça-feira, e em São Paulo, onde eles pedem 75% de aumento e estão parados há quase 90 dias?
Pazzianotto
 – Tenho o maior respeito pelo servidor público. Trabalhei muito com servidores públicos da mais alta qualidade. Mas há uma questão gravíssima, que o governo se recusa a enfrentar, que é a regulamentação do direito de greve no setor público. A Constituição de 1988 garantiu ao servidor público o direito de greve e a associação sindical, que não existiam antes. Mas a Constituição diz que isso é válido “nos termos e nos limites de lei específica”. Quer dizer que algumas atividades talvez não possam fazer greve. Por exemplo: a Polícia Federal, o atendimento médico em hospital público, determinados setores da Previdência Social, o transporte público, o ensino fundamental. Alias, não sei se poderia haver greve também nas universidades públicas. Você já viu alguma greve em universidade privada? A USP fica mais tempo parada do que funcionando. Só que, desde que esse dispositivo foi aprovado, ele não foi regulamentado. Para o setor privado, menos de um ano depois de promulgada a Constituição, já se tinha uma lei, a 7.783. Para o setor público, não temos a lei até hoje. A iniciativa neste caso é exclusiva do presidente da República, por se tratar de regime jurídico de servidor público. O Fernando Henrique mandou esse projeto, mas não se empenhou em aprová-lo, por entender, provavelmente, que ele traria desgaste político. E o PT faz de conta que o problema não existe.
ÉPOCA – Em sua opinião, faz sentido os grevistas receberem pelos dias parados?
Pazzianotto
 - Por causa da inexistência de uma lei de greve para o setor público, há um vazio que não acontece no setor privado. Cria-se uma discussão como ocorreu recentemente em São Paulo. O governador mandou descontar os dias parados, um desembargador do Tribunal de Justiça mandou pagá-los e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) mandou descontar. O grevista deve entrar em greve sabendo que os dias não serão pagos. O grevista da iniciativa privada sabe que o risco da perda dos dias é quase total. Há até jurisprudência sobre isso. O único caso de pagamento dos dias parados é por falta de pagamento de salários. Aí, é uma punição para a empresa. Mas, quando a greve é em torno de uma reivindicação, ela significa um investimento de risco. Se não estou trabalhando, porque resolvi fazer greve, eu corro o risco de perder os dias. Se tiver uma vitória total na greve, posso até obrigar o patrão a me pagar os dias parados. Se não, fica fácil. Agora, no setor público perdura essa dúvida. Ah, não vai descontar, porque o professor vai repor os dias. Reposição das aulas é conversa fiada. A que atribuo a inexistência dessa lei? À fraqueza do Executivo. Ele teme a perda de popularidade, mas não está pensando no povo, que  quem sofre as consequências na greve.
"Um dos gestos mais emblemáticos do Lula foi quando ele vetou na lei da criação das centrais sindicais o dispositivo de que elas tinham de prestar contas do dinheiro público que recebem"
ÉPOCA – Hoje, o PT controla a CUT, que funciona como braço sindical do partido, e boa parte dos sindicatos. De que forma isso afeta o movimento e a legitimidade dessas entidades?
Pazzianotto
 Afeta plenamente. Dentro do modelo de organização sindical vigente no Brasil, cujas raízes estão na Carta Constitucional de 1937, que implantou o Estado Novo, qualquer pessoa comprometida com essa máquina torna-se alvo de suspeita. Não pode alegar que é um dirigente sindical na plenitude do exercício de seus direitos. Não é. Houve um momento em que o ministério do Trabalho tinha uma comissão de auditagem. Era o que mais os sindicalistas tinham receio. Eles temiam que os auditores fossem nas entidades e examinassem suas contas. É claro que, no regime militar, a comissão de auditagem só fiscalizava sindicatos da oposição. Mas impunha certo respeito. A Constituição de 1988 sacramentou o princípio de que não pode haver interferência ou intervenção do Estado na organização sindical – e não pode haver. Agora, há essa zona cinzenta. Se eles usam o dinheiro do imposto sindical, e esse dinheiro não é pago voluntariamente, mas compulsoriamente, por associados e principalmente por não associados, deve haver prestação de contas. Há um rateio entre os sindicatos, que recebem a maior parte do dinheiro, as federações, as confederações e as centrais. O que não pode é viver esse duplo papel: para algumas coisas eles são uma entidade privada e, portanto, não podem sofrer interferência do governo, e para outras são públicos, porque recebem o imposto sindical e o dinheiro do FAT. Tem de deixar isso nítido.                                                                               Um dos gestos mais emblemáticos do Lula foi quando ele vetou na lei da criação das centrais sindicais o dispositivo de que elas tinham de prestar contas do dinheiro público que recebem. Ora, como podem receber dinheiro público e estar desobrigadas de prestar contas? Ele se justificou na época dizendo que a vida toda ele lutou pela liberdade sindical. Eu também. Mas liberdade não significa assegurar a não necessidade de prestar contas do dinheiro público. Ele como presidente da República tinha de prestar contas do dinheiro. Eu, como presidente do TST, tinha de prestar contas. Todo homem público tem de prestar contas. Agora, a central sindical, não precisa prestar contas do que recebe? 
"Há mais sindicatos na minha cidade, em Capivari (interior de São Paulo), que tem 50 mil habitantes, do que em toda a Alemanha – e lá não tem indústria."
ÉPOCA – Qual é a saída para resolver esse problema?
Pazzianotto
 - Só tem uma solução: as entidades sindicais se desligarem totalmente do Estado. Não há outra. Acabar com essa história de registro no Ministério do Trabalho. Seguir as regras da Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho. O Brasil precisa se encaixar dentro da OIT. Não apenas frequentar as assembleias. Tem de adotar esse documento básico, ter autonomia de organização e liquidar o imposto sindical, acabar com essas contribuições compulsórias e com o repasse de dinheiro do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) para as entidades sindicais. Elas têm de viver dos recursos proporcionados pelos seus associados. Eu tenho uma proposta para o imposto sindical que talvez a presidente Dilma goste. É pegar o dinheiro do imposto sindical e usar para o seguro desemprego. Eu não acredito que algum dirigente vá dizer que essa proposta não é boa. O desempregado precisa mais de dinheiro que os dirigentes sindicais. Os dirigentes têm outra fonte de receita que é o associado. Hoje, há até um conflito entre os sindicatos para saber quem recebe o imposto sindical de determinado grupo de trabalhadores. Isso acaba desaguando na Justiça, que tem de resolver de quem é aquele dinheiro. Surgem sindicatos de carimbo, de fachada, tem várias denominações. O Brasil precisa dar um salto. A Alemanha adota a pluralidade sindical, ou a Convenção 87 e tem 11 sindicatos. Nós, com a unicidade sindical, temos 20 mil sindicatos. Há mais sindicatos na minha cidade, em Capivari (interior de São Paulo), que tem 50 mil habitantes, do que em toda a Alemanha – e não tem indústria. Não dá para entender.

ÉPOCA – Isso valeria também para os sindicatos patronais?
Pazzianotto
 – Eu não faço nenhuma distinção. Toda organização sindical, inclusive as centrais, vivendo da contribuição de seus associados.
ÉPOCA – No passado, o PT, o Lula e o movimento sindical defendiam essas bandeiras. Depois, eles as abandonaram. Como o senhor analisa isso?
Pazzianotto
 –  O poder é uma desgraça. No governo Montoro (1982-1986), em São Paulo, criou-se a expressão “chapa-branca”. A “chapa-branca” acabou com o PMDB. O PMDB era um partido sério. Com o PT, aconteceu a mesma coisa. O contato com o poder é extremamente perigoso. A pessoa tanto pode evoluir muito, realizar ações extraordinárias em benefício da sociedade, como pode se contaminar – e a contaminação ocorre com muita frequência. Como é possível que alguns dos principais dirigentes do PT tenham sido condenados e estejam cumprindo pena ou respondendo a processos por crime? É difícil. Não vejo como o próprio partido explica isso.
ÉPOCA – O PT nem reconhece isso. Eles dizem que o julgamento foi político, um “tribunal de exceção”.
Pazzianotto
 – A Justiça não cometeu um erro tão grande. Nunca vi ninguém ter tanto direito de defesa. Contrataram advogados tão caros e tão famosos e agora dizem que foram condenados por razões políticas? Isso não existe no Brasil. A prova de que não existe são as manifestações populares que ocorrem livremente no país.

ÉPOCA – O senhor foi ministro e presidente do TST e muita gente faz críticas à Justiça do Trabalho e aos posicionamentos quase integralmente favoráveis aos trabalhadores e à “judicialização” do trabalho. Faz sentido ter uma Justiça específica para o mundo do trabalho.
Pazzianotto
 - Não há como deixar de ser assim, porque isso já está enraizado em nossa cultura. Não há como pensar em extinção da Justiça do Trabalho. Ela também é vítima do sistema, porque vive sobrecarregada de processos. A Justiça se vê necessitada de estabelecer metas para os juízes, para os funcionários. Todos trabalham muito. Eu penso em aliviar a Justiça do Trabalho, eliminando, reduzindo, os setores de maior atrito e imprimindo mais segurança. Se alguém deixou o emprego, recebeu, devido, assinou a quitação, não pode mais reabrir essa questão. Há um problema muito sério na Justiça Trabalhista. O prazo de prescrição é de dois anos após a extinção do contrato. É muito longo. Cinco anos de vigência e dois anos depois. Ás vezes a pessoa saiu satisfeita, mas passado um ano, ela está em dificuldade econômica e ela resolve tentar um processo, já que não tem nenhum ônus, não paga advogado a não ser se tiver êxito. As estatísticas da Justiça do Trabalho são assustadoras. É interessante que, das ações ajuizadas, em média, 50% terminam por acordo na primeira audiência. É uma taxa elevada. Só 3% das ações são totalmente procedentes. Há pedidos abusivos. Se pegar, pegou. Isso numa Justiça que dizem que é favorável ao trabalhador. Às vezes o valor das condenações, até por deficiência da lei, falta de clareza da lei. Uma coisa muito interesante para o Congresso Nacional, é se houvesse uma CPI para investigar o que ocorre no mundo das relações de trabalho que gera tanto conflito. Temos de ir às causas, entender melhor esse mundo, porque o sistema é extremamente oneroso para o contribuinte e além disso é ineficiente. O ponto de partido é examinar a lei.
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