sexta-feira, 7 de julho de 2017

Reportagem da BBC tenta explicar a revolução venezuelana, os agentes revolucionários, os métodos de atuação, armas de protestos, suas utopias...

O que são os coletivos chavistas, 'defensores da revolução' que invadiram a Assembleia venezuelana

  • Três homens encapuzadosDireito de imagemAFP
    Image captionColetivos foram às ruas em abril de 2008 protestar contra ataque das forças de segurança
    O grafite no muro ilustra a ameaça. Trata-se da silhueta de um homem apontando um fuzil. Logo abaixo, a legenda: "Os coletivos vão tomar Caracas em defesa da revolução!".
    Esse tipo de grafite é comum em paredes e edifícios de vários bairros de Caracas. E também nos muros brancos que cercam o Parlamento venezuelano, invadido na quarta-feira por um grupo de civis simpatizantes do presidente Nicolás Maduro.
    Os líderes da oposição os chamam de "paramilitares". A procuradora-geral da República, Luisa Ortega, os define como "grupos armados civis fora da lei". Nas ruas, são conhecidos simplesmente como "coletivos". E frequentemente estão encapuzados.
    Segundo o governo, muitos coletivos são grupos sociais que trabalham em projetos dentro de organizações criadas pelo ex-presidente Hugo Chávez nas comunidades.
    Vários são pacíficos. E desempenham papel político associado a uma longa tradição de esquerda, o que os vincula a Chávez e à revolução bolivariana, agora liderada pelo presidente Nicolás Maduro.
    Grafite com bandeira da VenezuelaDireito de imagemBBC MUNDO
    Image captionGrafite dos coletivos é comum no centro de Caracas e em alguns bairros, como Catia, no oeste da capital
    Outros, no entanto, controlam com armas algumas áreas há anos, segundo denúncias de moradores e organizações não governamentais.
    No atual clima de confronto e conflito político entre governo e oposição, que se reflete nas ruas, os coletivos assumem papel de protagonistas.
    No dia 28 de junho, por exemplo, manifestantes protestavam em frente a um hospital de Caracas, quando, de repente, ouviu-se um grito: "Coletivos!". Um grupo de homens encapuzados surgiu de moto causando pânico com sua presença.
    Em fotos e vídeos postados nas redes sociais e publicados pela imprensa local nas últimas semanas, civis foram registrados com armas de fogo.
    Embora seja difícil generalizar e muitos coletivos tenham se recusado a falar com a imprensa, a BBC Mundo (serviço em espanhol da BBC) conversou com líderes de vários grupos para descobrir o que pensam e como se articulam com as forças de segurança do Estado.

    Cultivo de sementes e segurança

    Acompanhado por um grupo da Fundação Domingo Rebolledo, a reportagem da BBC subiu numa manhã de maio uma das ruas mais íngremes de La Vega, bairro no oeste de Caracas.
    Eles mostraram o trabalho realizado na paróquia da Base de Missões Sinaí. As missões são os programas sociais criados por Chávez nas comunidades. E podem ser respaldadas na nova Constituição, que será redigida pela Assembleia Constituinte, a ser eleita em 30 de julho.
    Grafite de Chávez e Maduro em muro do bairro La VegaDireito de imagemBBC MUNDO
    Image captionEm La Vega, há comunidades que buscam ser autossustentáveis
    No local, há hortas urbanas. Projetos de cultivo de sementes e fertilizantes incentivam a produção local para reduzir a dependência de grandes produtores e redes de varejo.
    A comunidade busca praticar a autogestão e seus líderes se declaram abertamente chavistas e simpatizantes da revolução.
    A Fundação Domingo Rebolledo se define, com orgulho, como coletivo. É formada por 64 pessoas, incluindo 40 com motos, que também têm outras missões.
    "Somos a garantia de segurança das pessoas, da pátria", diz Juan, nome fictício de um dos líderes, que prefere manter o anonimato por medo de represálias.
    Grafite de Chávez armado em muralDireito de imagemAFP
    Image captionColetivos demonstram afinidade com governo chavista
    "Somos organizações criadas como medida de segurança para defender o modelo de governo, o povo e os quadros políticos", explica.
    Nos últimos meses, esse trabalho tem sido reforçado diante dos protestos que tomaram as ruas contra o governo.

    'Alerta'

    Naquele sábado de maio, a oposição tinha convocado uma nova manifestação. Juan estava atento. E recebeu uma mensagem no celular de um "patriota colaborador".
    "ALERTA. Recebi informação que os terroristas esquálidos estão planejando tomar a Redoma de la India", dizia o texto, que faz referência à praça principal do bairro de La Vega. "Terroristas esquálidos" é a forma pejorativa que eles usam para se referir aos adversários.
    A mensagem continua. "Pelo sim, pelo não, temos que estar atentos e prontos para agir diante dos primeiro indícios; me parece que todos estamos decididos a sair e combater a contrarrevolução".
    Imagem de Chávez com fuzilDireito de imagemAFP
    Image captionChavismo sempre promoveu a união civil-militar
    Nesse momento, Juan, que foi policial e faz parte do ODDI (Órgão da Defesa Integral do governo) é acionado. Ele responde ao ODDI de Caracas, dirigido pelo general Antonio Benavides Torres, ex-chefe da Guarda Nacional.
    Alguns membros do órgão são acusados ​​de matar manifestantes da oposição. A Procuradoria acusou Benavides recentemente por violações de direitos humanos.
    As operações do ODDI, iniciadas após o alerta do "patriota colaborador", são articuladas com a ZODI (Zona Operacional da Defesa Integral) e a REDI (Região de Defesa Integral), ambas com estrutura militar a cargo do Ministério da Defesa.
    O presidente Nicolás MaduroDireito de imagemAFP
    Image captionNicolás Maduro, em abril, com a chamada milícia nacional bolivariana - civis com formação militar
    Assim, é acionada o que o governo socialista chama de união civil-militar, estabelecida em lei desde 2014 e à qual têm recorrido nos últimos meses por acreditar que a oposição está promovendo um golpe de Estado e uma intervenção estrangeira.
    Em abril, em plena onda de protestos, Maduro disse que ampliaria para meio milhão o número de integrantes da chamada Milícia Nacional Bolivariana, corpo de civis com treinamento militar. E afirmou que garantiria um fuzil para cada um.
    As autoridades do governo citam os artigos 322 e 326 da Constituição, que falam sobre a responsabilidade do Estado e do povo venezuelano em defender o país.
    Mas como isso se reflete na atuação do coletivo Domingo Rebolledo?

    Roupas pretas e rostos cobertos

    Juan garante que a própria polícia e a Guarda Nacional chamam o grupo para intimidar, assustar, dissolver as manifestações e tirar as barricadas da rua.
    Por isso, se vestem de preto e cobrem o rosto.
    Homens encapuzadosDireito de imagemAFP
    Image captionJá não é tão comum os coletivo exibirem armas de fogo como nesta foto de arquivo de 2008
    A reportagem da BBC os acompanhou de moto em uma ronda na paróquia vizinha de El Paraiso, um dos principais centros de revolta contra o governo.
    "Não vamos chegar reprimindo, atropelando nem agredindo, vamos apenas dispersar, para que não danifiquem a propriedade da nação", afirma Juan, assegurando que seu grupo é pacífico e o máximo que faz é deter manifestantes e entregá-los às autoridades.
    Juan alega que não está armado, mas diz que poderia pegar uma arma emprestada com o tio.
    "Não podemos apontar armas, porque a oposição está fortemente armada. Você imagina o que pode acontecer (...) Há armas, mas não as usamos. Nós queremos manter a paz", afirma Juan, que é funcionário público.
    Um companheiro dele, formado em luta armada dos anos 70 e 80, vai além:
    "Para este governo cair tem que haver uma guerra. Se houver, estamos prontos", diz, temeroso de que outro governo acabe com as "conquistas sociais" do chavismo.
    Mural mostra Cristo e Virgem Maria armadosDireito de imagemAFP
    Image captionColetivos ouvidos pela BBC afirmam rechaçar a violência, embora não sigam essa regra quando se sentem atacados
    Juan reconhece, no entanto, que há coletivos que não operam como o seu. E que contam com a impunidade.
    "Os coletivos não são punidos. Podem agir e o governo os respeita porque são pessoas que vêm da polícia ou são policiais ativos. Têm contatos na polícia. Eles prendem, matam. E não pagam por isso. Nós não funcionamos assim", compara.
    As imagens de quarta-feira da sede do Parlamento venezuelano, por exemplo, mostram que a Guarda Nacional não impediu a entrada dos manifestantes. Também não os dispersou para permitir a libertação dos deputados, que ficaram sete horas presos no prédio.

    'Pacífica, mas armada'

    Chávez, que atribuía a suposta violência à burguesia venezuelana, sempre disse que a revolução era "pacífica, mas armada".
    Essa declaração é lembrada por Lisandro López, conhecido como Mao, líder histórico da luta armada na Venezuela nos anos 70 e 80 e um dos pioneiros do Tupamaro, movimento revolucionário venezuelano que recebeu esse nome em homenagem ao grupo de guerrilha originado no Uruguai.
    Mao também diz que promoveu a criação de coletivos na primeira metade da década passada.
    Lisandro López, MaoDireito de imagemBBC MUNDO
    Image captionMao, líder histórico da esquerda e da luta armada na Venezuela, dirige atualmente uma escola pública
    "Era uma maneira de apoiar o governo nos bairros", diz Mao, que hoje tem 58 anos e dirige uma escola pública.
    "Eles nascem como uma necessidade política", agrega, recordando-se dos anos imediatamente posteriores ao golpe fracassado contra Chávez em 2002.
    Como seu apelido sugere, Lisandro López é maoísta e stalinista e vê o conflito atual na Venezuela como uma luta de classes, visão compartilhada por outros coletivos.
    "Se eles (oposição) tomarem o poder, vamos ser eliminados. Sim, estamos armados e vamos enfrentá-los", admite.
    Mas, segundo ele, não se encontram nessa fase no momento. A reportagem pergunta o que seria necessário para tal: "A ordem do presidente. Nosso único chefe é Maduro. Quem determina a ação é Maduro", responde Mao.

    "Pegando leve"

    Mao se dedica agora à formação política e ideológica.
    Quem estava plenamente ativo na defesa da revolução era seu amigo Alberto "Chino" Carías, líder do Movimento Revolucionário Tupac Amaru (MRTA) do Peru na Venezuela. Carías conversou com a BBC em um escritório do prédio administrativo da Assembleia Nacional em 18 de maio, poucos dias antes de sua morte por causas naturais.
    Coletivo MontarazDireito de imagemBBC MUNDO
    Image captionColetivos do bairro 23 de Enero têm um claro perfil político e ideológico de esquerda
    "Estamos lutando até as 9:00", contou Carías, que não considerava o MRTA como um coletivo, apesar de compartilhar os mesmos objetivos.
    "O governo tem pegado leve com essses terroristas. Chávez já teria esmagado esse movimento", afirmou sobre os atos de violência que vincula à oposição.

    23 de Enero

    Tanto o Tupamaro, de Mao, como o MRTA, de Carías, nasceram no bairro 23 de Enero, reduto tradicional da esquerda, que defendeu Chávez no golpe de 2002, mas que, em 2015, deu vitória à oposição nas eleições legislativas.
    Foi ali que se formou também o coletivo revolucionário Montaraz. A BBC fez uma visita a eles em um sábado de junho, para conversar com William Pacheco, um de seus líderes.
    Ali, há uma horta onde os estudantes realizam seus projetos comunitários. O muro que cerca o local tem uma foto grande de Che Guevara e um cartaz das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).
    Três membros do coletivo MontarazDireito de imagemBBC MUNDO
    Image captionWilliam Pacheco (direita) garante que seu coletivo é pacífico, mas que pode deixar de ser, caso a revolução esteja em perigo
    "O coletivo é um grupo de pessoas com objetivo político de apoiar o governo revolucionário", diz Pacheco, agregando que seu grupo é pacífico e se dedica a educação, cultura e esporte. Mas faz uma ressalva:
    "Há outros que fazem escolta militar. Isso não significa que, no caso de uma situação em que queiram derrubar o governo, nós não vamos participar", explica.
    Questionado como agiriam nesse caso e se usariam armas, ele responde: "Todos os cenários são possíveis. Se houver uma invasão ou um conflito com grupos paramilitares ou setores da direita, teremos que defender a revolução com armas". Ele se diz convencido de que há uma "guerra não convencional para derrubar a revolução".
    A BBC levanta a hipótese de uma mudança de governo na Venezuela, em um processo eleitoral democrático.
    "Teríamos que assumir essa derrota. Mas teríamos que ver qual seria a atitude em relação aos coletivos sociais. O império vai gerar outras situações de pressão: perseguirá líderes, aumentará o assassinato de dirigentes, e isso pode fazer com que a gente tenha que se defender por outros meios", diz, resgatando o discurso anti-imperialista reproduzido pelo governo.
    Cartaz das FARCDireito de imagemBBC MUNDO
    Image caption
    Vários grupos do bairro 23 de Enero fazem associação com as FarcHá 5 horas

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