domingo, 28 de outubro de 2018

O democrata de porta de cadeia / Guilherme Fiuza

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Guilherme Fiuza
   
O transformismo cívico

 por Guilherme Fiúza  [ 26/10/2018 ] [ 21:00 ] Atualizado em [ 26/10/2018 ] [ 14:32 ]

Foto: André Rodrigues

      
Seja qual for o futuro do país, esta eleição terá consagrado uma figura emblemática, impressionante e insuperável: a do democrata de porta de cadeia.

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Quando você achava que o arsenal de imposturas e a feira de fantasias políticas de 1,99 já estavam esgotados, eis que surge esse personagem – saído súbita e corajosamente do seu próprio armário.

O democrata de porta de cadeia estava por aí em estado latente, boiando dissimulado entre os comuns, virtualmente imperceptível a olho nu. Mas ele é um ser tenaz, agudo, enfim, uma águia à espreita das oportunidades da vida. E oportunidade não é coisa que se perca – não para uma águia.

Eis que surge, então, a chance de ouro: grudar uma suástica na testa do inimigo imaginário e sair gritando pega fascista.

Foi bonito de se ver. Aqueles parasitas do charme politicamente correto, que andavam murchos pelos cantos desde que seu conto de fadas fora parar nas páginas policiais, emergindo novamente de peito estufado e gritando “Haddad sim”.

O sujeito tem que ser muito valente para sair do armário já fazendo esse barulho todo. Mas pensa bem: se você vê um mar de inocentes úteis e malandros otários reunidos por Caetano Veloso e Chico Buarque dispostos a fingir, todos juntos, que os estupradores do país serão agora os seus salvadores, por que não mergulhar nessa simpática multidão sadomasô?

Como diria Marta Suplicy, relaxa e goza. Ou como diria o general do AI-5, às favas com os escrúpulos de consciência. Enfim, não faltam referências democráticas para encorajar o seu transformismo cívico.

A palavra de ordem completa é: Haddad sim, ungido de dentro da cadeia sim, representante dos pilantras que esfolaram o povo fingindo defendê-lo sim, porque eu sou como eles sim e também retoco diariamente minha maquiagem solidária para obter minhas vantagenzinhas pessoais sim, porque o que me interessa é descolar o meu poderzinho sim, ficar bem na foto da minha panelinha egoísta e reacionária com verniz progressista impecável sim.

Mas não pense que um democrata de porta de cadeia surge assim do nada para a glória. É gente que trabalha duro.

Ninguém há de ter esquecido as bravas tentativas de chamar o impeachment da companheira presidenta (agora escorraçada nas urnas e à espera de Sergio Moro) de golpe de estado. Também é inesquecível o esforço dessa gente para tentar classificar a intervenção no faroeste do Rio de Janeiro como golpe militar ou guinada autoritária. O mordomo já tinha virado fascista, e de repente o próprio Haddad-sim aparece revelando que o vice do adversário era torturador na ditadura de 64 (quando o acusado não tinha idade nem para vestir uma farda).

Não interessa. O democrata de porta de cadeia vê ditadura em tudo, porque é assim que vive uma vítima profissional, um cafetão da liberdade.

Cada um tem o seu fetiche e isso não se discute, mas faltou assessoria aí. Um sujeito tarado por despotismo e opressão não precisaria ficar por aí se consolando em comício da MPB ou sarau de milionário na Delfim Moreira – eventos com muito pouca pressão para as fantasias dele.

Faz o seguinte, parceiro: dá um pulo na Venezuela, grita democracia na orelha de um guarda do companheiro Maduro e sinta na pele o que é o prazer de verdade. Pare de pensar pequeno.

De qualquer forma, por enquanto, você está de parabéns. Seu investimento de sol a sol numa polarização burra que pudesse ressuscitar os seus picaretas proscritos deu certo. Saia por aí agora fazendo o que você mais gosta – apontar o dedo para todo mundo, grudar suásticas de butique na cara de geral, fazer como a Daniela Mercury fez com a Anitta em nome da patrulha consciente: não tem direito de ficar na sua não, parceira; ou dá, ou desce.

Democracia é tudo.

E não se esqueça, bravo democrata de porta de cadeia: faça tudo que estiver ao seu alcance para que isso aqui seja engolido pelo autoritarismo obscuro. Porque vai que o Brasil acha uma brecha para continuar se libertando do desastre populista e a vida do povo começa a melhorar rápido?

Aí, parceiro, será uma tragédia. Imagina você com um monte de suástica encalhada, sem ter em quem colar, e ainda tendo que encontrar as pessoas que te viram gritando Haddad sim que nem uma chacrete de presidiário?

Não vai ser legal. A sua esperança, como sempre, é a ditadura"
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