sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Tudo que você sabia, mas não devia....

Lula, o Chefe

Lula (Foto: André Coelho / Agência O Globo)
Enfim, uma acusação direta, pública e formal: o ex-presidente Lula é o chefe do Petrolão. Quem o afirma, com todas as letras, é o Ministério Público Federal, em documento ontem expedido, a propósito da 24ª fase da Lava Jato, batizada de Operação Aletheia.
A Lava Jato já está na 34ª fase, mas, ao que parece, já tem a história completa há mais tempo. É o que revela a nota.
Lula, “além de líder partidário”, era, segundo o MPF, “o responsável final pela decisão de quem seriam os diretores da Petrobras e foi um dos principais beneficiários dos delitos”.
A nota entra em detalhes. Diz que Lula “recebeu valores oriundos do esquema Petrobras por meio da destinação e reforma de um apartamento tríplex e de um sítio em Atibaia, da entrega de móveis de luxo nos dois imóveis e da armazenagem de bens por transportadora”. E mais: “Também são apurados pagamentos ao ex-presidente, feitos por empresas investigadas na Lava Jato, a título de supostas doações e palestras”.
Pode-se alegar que não há nada de novo na nota do MPF: quase tudo o que está lá já foi transmitido por Willian Bonner, no Jornal Nacional, há algum tempo. A novidade está na própria nota, que, com o timbre da instituição, em documento formal, que equivale a uma denúncia, confirma o que era veiculado como suspeita e justifica os piores temores que o ex-presidente vinha exibindo.
Mostra que ele teve razões de sobra para pedir socorro à ONU, assim como a ONU tem agora razões de sobra para não atendê-lo.
Os procuradores chamam Lula de mentiroso, com as seguintes palavras: “Embora o ex-presidente tenha alegado que o apartamento não é seu, por estar em nome da empreiteira (OAS), várias provas dizem o contrário”. E relaciona os testemunhos: zelador, síndico e porteiro do prédio, engenheiros, dirigentes e empregados da empresa que fez a reforma. E por aí vai.
O esquema que Lula comandava, segundo o MPF, decorre de um consórcio entre três partidos, PT, PMDB e PP, que indicavam os diretores da Petrobras, que administravam a propina. Notícia velha? Sim, mas com sabor de novidade, condensada em documento oficial.
Lula, como presidente, fez as nomeações e arbitrou os percentuais distribuídos, ficando a parte do leão para seu partido. O esquema continuou para além de seus dois mandatos, quando decidiu diversificar atividades, tornando-se lobista de empreiteiras, obtendo, via BNDES, financiamentos para obras faraônicas em países ideologicamente afins, enriquecendo a si e aos parceiros.
O documento tem duas laudas compactas. E o que resulta de sua leitura é uma indagação tão recorrente quanto as acusações que faz: por que Lula ainda não acertou as contas com a Justiça? E ainda: por que o STF demorou tanto a devolver o processo ao juiz Sérgio Moro? Ou por outra: por que insistiu em tirá-lo de Curitiba, já que a nomeação de Lula para ministro de Dilma não durou 24 horas? Com a palavra, o ministro Teori Zavaski.
Lula escapou do Mensalão, ainda que, também ali, estivesse no comando das ações. Dispunha, porém, de sólido patrimônio político, que não só o manteve impune como lhe permitiu reeleger-se e eleger e reeleger sua sucessora, Dilma Roussef.
Mas já ali sofreu o primeiro arranhão moral, que não mais cicatrizou. Ao contrário, a ferida inflamou-se e o contaminou por inteiro, incluindo aí Dilma e o PT, extensões de seu organismo político – e, como ele, condenados a sair da história pela porta dos fundos. Em agosto, pode se consumar o fim desta história patética, que encerra a chamada Era PT, com a prisão de Lula e o afastamento definitivo de Dilma Roussef.
O país vira a página e cuida de se reinventar por cima dos escombros que o petismo lhe legou.
Lula (Foto: André Coelho / Agência O Globo)

Esporte é vida e entretenimento.... / Nelson Motta

A era do esporte-show

Fui ver as meninas do vôlei no Maracanãzinho e me vi numa festa eletrônica, com show de luz e DJ
Partida de Voleibol feminino da Olimpíada Rio 2016 entre Brasil (e Camarões, Maracanãzinho, RJ, Brasil (Foto: Celso Pupo / Fotoarena / Agência O Globo)
Nelson Motta, O Globo
Depois dos rios de sujeira da LavaJato, é um alívio para os brasileiros poder mergulhar no mundo limpo da alta competitividade e da excelência profissional em que vencem o talento, o esforço e a vontade, e se orgulhar da nossa produção do evento e das oportunidades de vitória de nossos atletas.
Enquanto a paixão e o entusiasmo da torcida nas arenas e piscinas emocionam pelo volume e intensidade e, às vezes, atrapalham pela falta de educação esportiva, nas redes sociais a selvageria e a covardia contra atletas perdedores, ou vencedores, movidas a ódio, inveja e estupidez, até com ameaças de morte e de estupro, mostram que estamos longe do espírito esportivo.
Claro, os gringos reclamam da pressão do público local contra os adversários — como em todos os estádios e arenas do mundo —, mas é tudo do jogo e parte inseparável do esporte.
Fui ao Maracanãzinho ver as meninas do vôlei e assisti a uma noite de festa eletrônica, com show de luz e DJ tocando em volume demencial batidas empolgantes, preenchendo com música todos os espaços entre as bolas paradas e incendiando a torcida, transformando o jogo em parte de um espetáculo multimídia em que o público se diverte mais, e o esporte não perde nada em eficiência e beleza: a mistura americana esporte + entretenimento é um sucesso, para o bem e para o mal.
Mas era muito bom e emocionante assistir aos jogos só com os cantos, vaias e aplausos espontâneos da torcida, o som da bola batendo na quadra e os gritos das jogadoras ecoando no ginásio. A Olimpíada lembra que a esportividade não está só no esporte.
É jogar limpo na vida, é reconhecer seus erros e derrotas, o valor e os méritos dos adversários, é aceitar os mistérios do acaso e da sorte, conviver com as diferenças individuais nas forças e nas fragilidades da condição humana. Ou, como dizem no Rio de Janeiro, diante de uma aposta, uma discussão ou uma namorada perdida: levar na esportiva.
Ou como diz Rita Lee em São Paulo: brinque de ser sério, leve a sério a brincadeira. Praticante de caminhadas, natação e ioga, minha principal atividade esportiva tem sido trocar de canal no controle remoto.
Partida de Voleibol feminino da Olimpíada Rio 2016 entre Brasil (e Camarões, Maracanãzinho, RJ, Brasil (Foto: Celso Pupo / Fotoarena / Agência O Globo)



Nelson Motta é jornalista

Humor de Antonio Lucena


HUMOR

Arte de Antonio Lucena



Charge (Foto: Antonio Lucena)

QUADRO DE MEDALHAS às 14 horas de 12/08/2016

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Ensaio sobre a violência nos Jogos do Rio / BBC

Exagero ou realismo? Retrato da violência durante Jogos divide mídia e opiniões nas redes

  • Há 39 minutos
RioImage copyrightAFP/GETTY IMAGES
Image captionForças de segurança no entorno do Maracanã no dia da abertura da Olimpíada; crônica policial invade narrativa esportiva e suscita debate sobre exposição da violência.
O Rio de Janeiro é uma cidade violenta: um roubo a cada cinco minutos e 1,5 mil homicídios/ano é a média recente.
Também é sede de um evento grandioso, com 10,5 mil atletas de 206 países, 42 modalidades, 1 bilhão de espectadores pelo mundo - e que ocorre pela primeira vez na América do Sul.
Como era previsível em uma competição desse porte, espalhada por 32 pontos na cidade, a narrativa esportiva vem se misturando à crônica policial.
Mas enfatizar a violência que circunda os Jogos é histeria da mídia ou simplesmente realismo? É síndrome de vira-lata do brasileiro, esnobismo gringo ou espírito prático?
O debate repercutiu na mídia internacional e nas redes sociais nos últimos dias, alimentado por casos como o do ataque de traficantes a policiais da Olimpíada que entraram por engano numa comunidade do Complexo da Maré.
"Tiroteios em favelas e janelas de ônibus de mídia quebradas: mais violência irrompe durante a Olimpíada do Rio", foi o título de texto do jornal americanoWashington Post.
RioImage copyrightREPRODUÇÃO
Image captionWashington Post destacou 'irrupção da violência' no Rio; nas redes sociais (no destaque), houve quem questionasse os critérios da mídia na divulgação da criminalidade
O texto assinado pelo correpondente no Rio, Dom Phillips, e pelo chefe do escritório do jornal no México, Joshua Partlow, considera que os incidentes recentes "levantaram novas preocupações sobre segurança" na competição.

Paranoia carioca?

Por outro lado, com os Jogos chegando ao final da primeira semana, houve quem resolvesse a equação "experiência real + percepção de violência" de forma diferente.
"O Rio é o lugar perigoso mais seguro que você irá visitar. Nada parece remotamente ameaçador ao andar pelas ruas aqui - até você circular com alguém do Rio", escreveu David Segal, do New York Times, em texto publicado na edição impressa do jornal nesta quinta-feira.
Em tom bem-humorado, o jornalista descreve o que considera um exagero dos cariocas em relação à segurança.
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Image captionViolência no Rio no destaque do Wall Street Journal e o contraponto nas redes sociais: a mídia estrangeira estaria apenas enfatizando um fenômeno para o qual atentou agora?
"Você irá saber (ao conversar com um local) que está cercado por uma variedade terrível de perigos, incluindo ladrões com facas. A praia de Copacabana parece um paraíso de roupas minimalistas. Mas aí te contam sobre os jovens bandidos que de vez em quando tomam a areia e roubam tudo o que não está escondido ou enterrado."
A conclusão de Segal sobre segurança no Rio: "Quanto menos você conversar com cariocas, mas irá gostar desse lugar."

Histeria da mídia?

Publicações em redes sociais ecoaram argumento semelhante, ao criticar o que consideram exposição excessiva da violência carioca.
"Americanos estão preocupados com a violência no Rio, embora 19 pessoas tenham sido baleadas em Chicago hoje e vejo pouca cobertura sobre isso", foi um tuíte do ShowerThoughts, um canal do Reddit, comunidade de fóruns onde usuários votam no conteúdo.
"Fatos idênticos quanto acontecem em outras cidades brasileiras não tem a mesma repercussão (...) O Rio é a cidade mais visada, mais vigiada pela mídia", escreveu um usuário brasileiro no Facebook.
Quem inaugurou o divã da mídia nesta Olimpíada foi Teddy Greenstein, repórter doChicago Tribune, numa reportagem intitulada "Quando o assunto é a segurança nos Jogos do Rio, a histeria da mídia foi o verdadeiro crime".
RioImage copyrightREPRODUÇÃO
Image caption'Histeria da mídia foi o verdadeiro crime' dos Jogos, escreveu repórter americano
Em texto publicado na segunda-feira e que circulou amplamente nas redes sociais, Greenstein criticou reportagens que preveriam um apocalipse de criminalidade durante a competição.
Seu alvo principal era uma reportagem do jornal britânico The Telegraph, que há uma semana informou que os Jogos do Rio "estavam no caminho para serem os de maior criminalidade" da história.
"Histórias como essa deram o tom da narrativa. Amedrontaram fãs olímpicos em relação a vir (ao Rio), levando a assentos vazios nas arenas", escreveu Greenstein, em crítica ao suposto alarmismo do relato.
O repórter cita Casey Patterson, atleta americano do vôlei de praia, e a experiência pessoal de caminhar por Copacabana à noite após abandonar um táxi em meio a um congestionamento.
"Enquanto andava atrás de outro táxi, Copa tinha uma vibração parecida com o Upper East Side de Nova York à noite. Não é o lugar mais seguro do mundo, mas dificilmente é ameaçador."
"Sim, há crime no Rio. Esta é uma cidade de 6,3 milhões de habitantes onde, infelizmente, desemprego alto e extrema pobreza existem. (...) Mas chega de histórias em busca de cliques que pintam esse lugar como uma espécie de apocalipse urbano", concluiu.
Mas para muitos brasileiros que se manifestaram sobre o assunto em redes sociais, qualquer tentativa de minimizar episódios de violência é "dourar a pílula" da realidade do Rio e do Brasil.
"É furo de bala perdida na sala de imprensa, ônibus olímpico baleado, piscina verde, torcida vaiando adversários a troco de nada, delegação chinesa no meio de tiroteio e ainda dizem que esta Olimpíada está sendo um sucesso", escreveu Priscila da Silveira Santos em comentário na página da BBC Brasil.

Violência na pele

Do mesmo modo como repórteres que se sentiram seguros no Rio fizeram relatos nesse sentido, quem vivenciou alguma situação de perigo procurou destacar a insegurança.
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Image captionA série humorística de animação 'American Dad' fez piada com a violência e as arquibancadas vazias dos Jogos: 'O crime está tão grave no Rio que alguém roubou a plateia".
"Um atentado aos Jogos, a ninguém mais", escreveu o repórter do jornal argentino La Nación Gastón Saiz, em texto em primeira pessoa sobre o ataque na terça-feira ao ônibus que fazia o trajeto entre o centro olímpico de Deodoro e um setor de imprensa.
Saiz descreve como um policial (e a versão oficial) apontou que o veículo foi atingido por uma pedra, embora essa não tenha sido a impressão do repórter. "Pareceram dois impactos de bala de baixo calibre, de acordo com os orifícios observados nas janelas."
No relato do diário americano Wall Street Journal, autoridades estão "lutando" para conter crimes violentos no Rio apesar da maior mobilização de segurança na história da cidade