Escrevo dando aos fatos deste final de tarde apenas três horas de sedimentação. Quanto pesar pelo país! E quanto será propícia a esses malfeitores a cela da prisão! Exatamente numa semana em que o noticiário conseguia esboçar informações positivas sobre a evolução da economia nacional, uma investigação do MPF, no estrito cumprimento de seu dever, mostra ao país que Michel Temer é exatamente o que se poderia esperar que surgisse do interior do governo de onde saiu.
Se algum insignificante fragmento de alívio me traz esta noite trágica para o Brasil é saber que posso recuperar, sem qualquer arrependimento, cada palavra que escrevi ou proferi nestes últimos dois anos. O governo Temer era o que a Constituição nos constrangia a aceitar. Nunca esperei que algo bom e virtuoso fosse emergir daquele pestilento governo da coligação PT/PMDB. A tristeza que sinto não se veste com as cores da surpresa. Antes, bem antes, ela vem coberta com as cinzas do desalento.
Somos cidadãos de um país que encontra, na sua tropicalidade e bom humor, numa suposta virtude da tolerância infinita, razões de consciência para a ruptura com valores morais, para transformar o deboche em estilo de vida e para comparecer aos processos eleitorais com o mesmo juízo empregado para desenhar obscenidades na porta do banheiro.
No mesmo momento em que olhamos para o dia de amanhã com tantas incertezas, assistimos o Congresso Nacional encerrar as sessões desta tarde com uma multidão de parlamentares clamando furiosamente por eleições imediatas. Pergunto: para renovarem seus mandatos, em boa parte mal havidos, comprados com dinheiro sujo e com favores de governos corruptos? Não, que este é um país onde "se está difícil para malandro, imagina para otário". Eleições diretas só para presidente, num processo onde eles mesmos, oportunistas, demagogos, revanchistas, mentirosos, corruptos, eleitores de Lula e de Dilma, se consideram favorecidos pelas pechinchas do momento político. Querem eleições diretas imediatas ainda que contra a Constituição, porque nossa Carta tem e sempre teve, para os proponentes de eleições já, a serventia de um rolo de papel.
Nada é tão perverso à nação, neste final de dia, do que a combinação do governo que temos com o Congresso que temos. No mês passado, no passado recentíssimo do mês de abril, com o esgoto escorrendo pelas sarjetas aos olhos e ao olfato de todos, o dinheiro da corrupção, soubemos hoje, estufava maletas, remunerava consciência, comprava silêncios e encorpava a féria dos gangsteres. Como dormiremos agora sabendo a nação confiada a esses canalhas?
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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.