Postagem em destaque

NOTÍCIAS DE BRASÍLIA

sábado, 24 de fevereiro de 2018

"Corrupção policial viabiliza tráfico de armas e é central na crise..." / BBC

Corrupção policial viabiliza tráfico de armas e é central na crise, diz procurador que investiga  escalada da violência no Rio

Exército policiando o RioDireito de imagemEPA
Image captionPara procurador, Exército nas ruas não resolve a dramática situação do Rio
Semanas depois de assumir a chefia da Procuradoria-Geral da República (PGR), no fim do ano passado, Raquel Dodge decidiu que era preciso investigar as causas do aumento da violência no Estado e na cidade do Rio de Janeiro.
Para isso, ela reuniu um grupo de cinco procuradores e lhes deu a missão de investigar a atuação das organizações criminosas que atuam no Estado, como o Comando Vermelho (CV) e os Amigos dos Amigos (ADA), e também as forças de segurança locais - o porquê de elas estarem falhando no enfrentamento.
O procurador José Maria Panoeiro, de 47 anos, foi um dos escolhidos por Dodge para a empreitada. Em conversa com a BBC Brasil, ele é enfático: não há como explicar as cenas cotidianas de traficantes armados com fuzis nas favelas cariocas sem citar o grave problema de corrupção nas forças de segurança.
Panoeiro evita generalizações, mas diz que são frequentes as operações para apreender armas que não dão em nada graças ao vazamento de informações, e cita o caso de um inspetor de polícia que se dá ao luxo de alugar um jatinho privado para uma viagem de fim de semana.
Um dos objetivos do grupo criado por Dodge, diz ele, é descobrir o porquê de a Polícia Federal não estar sendo efetiva na investigação do tráfico de armas no Rio. O procurador não comentou os resultados colhidos até agora pela investigação, que é confidencial.
Procurador da República no Rio de Janeiro José Maria Panoeiro
Image captionJosé Maria Panoeiro faz parte de grupo criado na PGR em 2017 para investigar violência no Rio | Foto: Luis Macedo/Ag. Câmara
Na última sexta-feira, o governo decretou uma intervenção federal na área de segurança do Rio de Janeiro, cujo comando está sob responsabilidade do comandante militar do Leste, o general Walter Souza Braga Netto. Ela está programada para durar até o dia 31 de dezembro deste ano.
Para o procurador, os nove meses de atuação militar dificilmente resolverão o problema, "salvo se acontecer um milagre". Além do combate à corrupção policial, ele diz que uma solução mais definitiva passaria também pela urbanização das áreas de favela. Sem isso, afirma, é muito difícil que o Estado consiga oferecer segurança aos moradores.
Há 14 anos no Ministério Público Federal, Panoeiro já trabalhou em várias áreas. O caso mais famoso tocado por ele foi a investigação contra o ex-bilionário Eike Batista, ainda em 2015. Em 2016, coordenou um grupo de trabalho antiterrorismo da Procuradoria do Rio, durante as Olimpíadas. Antes de se tornar procurador da República, ele exerceu os cargos de promotor de Justiça e de delegado da Polícia Civil carioca.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
BBC Brasil - Qual é o pano de fundo da violência no Estado?
José Maria Panoeiro - Me parece ser (entre outras causas) um problema direto de corrupção policial. Sem querer generalizar, mas há uma série de atividades onde aparecem agentes do Estado dando cobertura a criminosos, recebendo remuneração de criminosos.
E isso fica patente em algumas operações que você tem, com as Forças Armadas cercando determinados territórios, com informes sobre a existência de fuzis, e no final das contas a apreensão (de armas) é ínfima, beira o ridículo, ou não há nenhuma apreensão. O que significa que houve vazamento de informação. E vazamento da parte de quem? Só pode ser da parte de agentes do Estado.
Então, esse é um aspecto que é fundamental. Não tem como acreditar que esta quantidade de armas chega ao Rio sem que haja um mínimo de conivência de agentes do Estado que trabalham na área de segurança.
A Polícia Rodoviária Federal (PRF) começou a fazer bloqueios nas rodovias e começou a apreender fuzis e munição em sequência. (...) Se a PRF começa a encontrar fuzil, por que não eram encontrados antes? Porque estava havendo algum tipo de acerto que nós não conseguimos ver, mas provavelmente havia algum tipo de acerto corrupto por trás disso.
Militares armados em missão no Rio de JaneiroDireito de imagemEPA
Image captionIntervenção federal na segurança do Rio está programada para durar até o fim do ano
BBC Brasil - O que vocês investigam nesse Grupo Estratégico do Ministério Público Federal?
Panoeiro - O grupo foi criado (em outubro passado, pela procuradora-geral Raquel Dodge) para tentar fazer um diagnóstico de quais são os problemas, e (explicar) por que é que o quadro chegou neste ponto. Entender por que é que quase não há investigação de tráfico de armas, na Polícia Federal. Por que é que esses canais de investigação estão falhando.
Será que eles não estão produzindo um tipo de informação que é inútil?
Do tipo: eu prendo um sujeito com vários fuzis na (Via) Dutra e simplesmente comunico isso para a Justiça Estadual, e vendo isso como um porte de arma, como se fosse um cidadão qualquer que está circulando na rua com uma arma na cintura sem ter autorização para isso.
Quando na verdade a gente está diante de um transporte no contexto de uma importação (de armas), ou seja: aquilo ali é uma conduta de tráfico de armas, que mereceria ser investigada para saber quem é o comprador, para onde vai, de onde veio.
Mas faz-se um corte na informação e trata-se isso como o que não é: um porte de arma de fogo.
Então o foco do grupo é determinar onde estão os gargalos da investigação, que não se chega a bom termo e o crime vai, simplesmente, se expandindo.
BBC Brasil - Há tanta corrupção no aparato de segurança do Rio quanto se diz?
Panoeiro - É difícil quantificar corrupção, mas eu vou te dar um exemplo bem simples.
Se você tem um agente policial, um inspetor de polícia com um salário que gira em torno de R$ 4 mil, R$ 5 mil, R$ 6 mil, R$ 8 mil que seja, esse sujeito não tem condições de alugar um jatinho para ir passar um final de semana em uma cidade no interior de São Paulo.
BBC Brasil - Vocês já viram um caso desses?
Panoeiro - Já. A gente tem notícia (do acontecimento).
A Procuradora-Geral da República, Raquel DodgeDireito de imagemREUTERS
Image captionRaquel Dodge designou cinco procuradores para investigar a situação da segurança no Rio de Janeiro
BBC Brasil - Qual é a dificuldade de investigar corrupção policial?
Panoeiro - Concretamente, qual é o nosso problema? Imagine que você traga para o Ministério Público Federal o seguinte: "olha, eu acho que o agente fulano de tal é corrupto, porque ele ganha tanto e ostenta um patrimônio que é absolutamente incompatível".
Ok. É óbvio que, se o patrimônio é incompatível, é bastante provável que ele esteja envolvido em algum tipo de prática criminosa (...). Mas (para denunciá-lo) por corrupção, eu teria que flagrar o sujeito no momento em que ele estivesse fazendo isso. E eu não vou ter essa prova.
Por isso, dentro daquelas Dez Medidas Contra a Corrupção, que a Câmara (dos Deputados) acabou enterrando (no fim de 2016), uma delas era contra o enriquecimento ilícito. (Seria possível denunciar) todas as vezes que você tivesse um funcionário público com patrimônio absolutamente incompatível, e alguma ligação com uma atividade ilícita. Não precisaria necessariamente comprovar (que o servidor) praticou a atividade ilícita.
Mas por exemplo: eu tenho prova de que o sujeito se relaciona com milicianos na Zona Oeste. E o sujeito está enriquecendo. Eu já poderia, a partir daí, se o patrimônio é incompatível, se não tem nenhuma razão para ele ter o patrimônio que tem, eu poderia sancioná-lo (punir) por enriquecimento ilícito (...). Agora, o Congresso não quis.
BBC Brasil - A intervenção federal na área de segurança fará bem ao Rio?
Panoeiro - A rigor, e pelo para mim, pessoalmente, é uma questão que é muito clara, a gente tem um problema no Rio de Janeiro de você ter diversos grupos criminosos que disputam um determinado espaço. E eles, ao longo dos últimos 20 anos, esses grupos vieram se armando cada vez mais para prosseguir nessa disputa por território (...).
O problema da violência do Rio, salvo melhor juízo, salvo se acontecer um milagre, a intervenção federal, em nove meses, não vai conseguir corrigir um problema que vem de pelo menos duas décadas, (que vem) se tornando mais agudo.
Policiais militares em operação no RioDireito de imagemEPA
Image caption'A gente precisaria ter uma nova visão de polícia, menos suscetível de ser cooptada pela corrupção', sugere José Maria Panoeiro
BBC Brasil - Operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), com as Forças Armadas na rua, são comuns no Rio de Janeiro nos últimos anos. Funcionou?
Panoeiro - Na verdade, o problema de trabalhar com operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) é que toda vez que você faz uma intervenção mais vigorosa naquilo que seria a função da Polícia Militar, que seria o policiamento ostensivo, você naturalmente gera uma sensação maior de segurança (...).
Há uma retração naqueles crimes que as pessoas conseguem perceber mais facilmente (crimes violentos, roubos etc.), mas não quer dizer que não estejam acontecendo crimes como o tráfico de armas, como o tráfico de drogas.
Apenas esses crimes não ficam tão visíveis quanto são nas situações em que você não tem as operações de GLO.
BBC Brasil - Qual a diferença do crime organizado do Rio para o de outros Estados brasileiros?
Panoeiro - O PCC (em São Paulo) tem um monopólio. Por isso, não precisa se armar para manter o controle territorial. Ele se arma para praticar outros tipos de delitos. Têm coisas que a gente não tem aqui no Rio, ou pelo menos não tinha, até bem pouco tempo. Roubo a carro-forte. Sempre teve em São Paulo explosão de caixa eletrônico, que é algo que está chegando aqui agora.
Na operação Furacão (apuração da qual o MPF participou em 2007, e que investigou a venda de sentenças no Judiciário do Rio) tem uma parte da investigação em que fica indicado ali que havia a postura de alguns agentes da segurança pública no sentido de meio que estimular uma briga entre as facções.
Nas interceptações (telefônicas) da investigação Furacão, foram flagrados alguns diálogos que davam a entender que eles estimulavam que houvesse um confronto entre as quadrilhas (Comando Vermelho, ADA), de modo que nenhuma delas se tornasse suficientemente grande. Que elas brigassem entre si e nunca ameaçassem o status quo da cidade (...).
BBC Brasil - Na sua opinião, o que pode ser feito para minorar o sofrimento da população do Rio?
Panoeiro - É evidente que o aumento do policiamento ostensivo (como ocorrerá na intervenção) melhoraria a percepção de segurança das pessoas. Então a gente precisaria ter uma nova visão de polícia, menos suscetível de ser cooptada pela corrupção (...).
Fora isso acho que há um problema concreto de ocupação do espaço urbano e teria que haver uma intervenção da União. O que já foi pensado, não é nada de novo.
O PAC das Favelas propunha uma urbanização, nós tivemos na década de 1990 o projeto Favela Bairro, que era também de reurbanização. Porque é inviável oferecer serviços de segurança pública na comunidade se o Estado não tem como entrar na comunidade.

Chega de política covarde no tratamento da violência...



sábado, fevereiro 24, 2018


"Começar é preciso" 

 DORA KRAMER

REVISTA VEJA
Resultado de imagem para foto da fuga de escadinha


Sob o eco da repressão militar, o poder civil se retrai na luta contra o crime

É fato testado, comprovado (e lamentado) que nenhum dos governos desde a reinstituição do poder civil no país enfrentou a questão da segurança pública. Por motivos variados: covardia, indiferença, cálculo político e, no caso das autoridades oriundas da esquerda, constrangimento para o exercício do uso da força do Estado contra o crime. Princípio equivocado de rejeição a qualquer tipo de repressão.

Uma visão herdada da ditadura. Obviamente torta, pois não leva em conta que a defesa da liberdade e dos direitos do cidadão implica a preservação da ordem como fator essencial da garantia de ir e vir sem o risco permanente e iminente de morrer. Tal inépcia nos levou ao descalabro atual.

O caos é nacional, mas o Rio de Janeiro viveu peculiaridades. Entre elas, a mais grave foi o acolhimento da bandidagem como parte do cenário de glamour e maravilha da cidade. Conto duas histórias que vi de perto: uma na década dos 90, a outra anos antes de consolidada a redemocratização no Brasil, em 1985. Nenhuma delas de violência pessoal, embora ambas conceitualmente violentas do ponto de vista geral.

Em 31 de dezembro de 1985, o traficante José Carlos dos Reis Encina (chamado “Escadinha”) foi resgatado do presídio da Ilha Grande por comparsas num helicóptero. Na hora, a fuga foi celebrada com aplausos e muito regozijo na redação do Jornal do Brasil, composta na quase totalidade do “pessoal Zona Sul”, os descolados, como um grande feito. A polícia, naquela concepção, era o inimigo a ser combatido e, como foi o caso, ludibriado.

A comemoração assustava a quem não concordava e, por isso, era classificado como “de direita”. Aos de “esquerda” parecia normal, tanto que “Chileno”, pai do bandido Escadinha, era, em 1986, festejado cabo eleitoral do então candidato ao governo do Rio Fernando Gabeira, hoje uma das cabeças mais lúcidas sobre o Brasil e suas novas circunstâncias; tanto que saiu do PT ainda no primeiro governo, quando Luiz Inácio da Silva estava no auge.

Mais de uma década depois, já no governo Fernando Henrique, numa conversa com o general Alberto Cardoso, ele, então chefe do Gabinete de Segurança da Presidência, alertou sobre a existência de “territórios dominados” pelo tráfico no Rio. Isso há quase vinte anos.

Publiquei a conversa com o general, e o mundo caiu. Marcello Alencar reagiu indignado, exigiu do presidente uma atitude, e o general me ligou constrangido: “Mantenho o que disse, mas vou precisar desmentir por exigência do governador”.

Forçado pela circunstância do cargo, o general desmentiu, e a vida prosseguiu. Levou-nos, rendidos, ao lugar de reféns da bandidagem em que hoje nos encontramos. Ambiente do qual qualquer candidato(a) a presidente na próxima eleição está obrigado(a) desde já a dizer como pretende nos livrar. De modo rápido e de maneira nada rasteira, a fim de nos assegurar uma necessária e indispensável consistência no ato coletivo de resistência.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Cães de rua como policiais. .. Na Tailândia!

Confira o Tweet de @dw_brasil: https://twitter.com/dw_brasil/status/966726546294796294?ref_src=twcamp%5Eshare%7Ctwsrc%5Eandroid%7Ctwgr%5Edefault%7Ctwcon%5E7090%7Ctwterm%5E2

O Brasil é mal aluno em Relações Internacionais...

A China sabe muito sobre o Brasil e o Brasil sabe muito pouco sobre a China

Com a ascensão da China, o Brasil terá que navegar em um cenário geopolítico novo, para o qual ainda não está preparado.

Os presidentes do Brasil e da China, Michel Temer e Xi Jinping, em Hangzhou
Os presidentes do Brasil e da China, Michel Temer e Xi Jinping, em Hangzhou  POOL (EFE)
O debate sobre a China nas capitais no Ocidente está passando por uma transformação sem precedentes. Os otimistas com as consequências da ascensão da China — os chamados panda huggers, que dominaram o debate público desde a década de 1990 — estão perdendo espaço para os China hawks,para os quais o Ocidente precisa adotar uma estratégia de defesa muito mais dura contra a crescente influência chinesa.
Duas publicações recentes simbolizam essa mudança. Na Alemanha, o relatórioAuthoritarian Advance: Responding to China’s Growing Political Influence in Europe ("Avanço Autoritário: Respondendo à Influência Política Crescente da China na Europa", em tradução livre), publicado pela MERICS e pela GPPi, dois importantes think tanks em Berlim, argumenta que as tentativas de Pequim de influenciar a política europeia e a promoção dos ideais autoritários chineses"representam um desafio significativo para a democracia liberal, bem como os valores e interesses da Europa".
Nos Estados Unidos, Kurt Campbell e Ely Ratner, dois ex-diplomatas de alto escalão, publicaram na revista Foreign Affairs o artigo The China Reckoning: How Beijing Defied American Expectations ("Fazendo um balanço: como Pequim desafiou as expectativas dos EUA", em tradução livre). Nele, os autores argumentam que a política dos EUA em relação à China desde a Segunda Guerra Mundial foi irremediavelmente ingênua e que Pequim acabou levando vantagem sobre Washington.
Na Austrália, o governo endureceu as regras para investimentos estrangeiros em terras agrícolas e infraestrutura energética, em resposta à crescente influência econômica chinesa e à divulgação de dados sobre doações eleitorais de empresários ligados ao governo chinês antes das eleições em 2016. Em um gesto dramático, o primeiro-ministro australiano criticou a China (o maior parceiro comercial da Austrália e o maior investidor no país) por sua interferência. Na televisão australiana, invocou, em mandarim, um famoso slogan chinês associado a Mao Tse Tung para declarar que o povo australiano "se levantará" contra a intromissão em seus assuntos domésticos. Veremos discursos e medidas parecidas de governos no Ocidente ao longo dos próximos anos, como o banimento de financiamento político estrangeiro, aumento do monitoramento de investimentos chineses(sobretudo em áreas sensíveis, como infraestrutura e mídia), e maior ênfase em cibersegurança para evitar ingerência externa, como visto nos Estados Unidos durante as eleições de 2016.
O crescente papel econômico da China também é uma realidade irrefutável no Brasil. Dependemos cada vez mais da demanda chinesa de commodities, e a China em breve se tornará o maior investidor no Brasil, dando-lhe influência econômica e política sem precedentes. O Brasil tem pouca escolha além de operar dentro dessas restrições estruturais. A questão não é aceitar ou rejeitar essa realidade de crescente dependência, mas como gerenciá-la para que ela beneficie os nossos interesses estratégicos.
As crescentes tensões entre China e o Ocidente terão um grande impacto sobre a ordem global, e o Brasil pode tirar lições importantes dos episódios descritos acima, se o país aprender a navegar nesse novo ambiente geopolítico fortemente influenciado por Pequim. No entanto, em uma recente reunião, em Brasília, entre especialistas em China, participantes do governo, do mundo acadêmico e do setor privado concordaram abertamente que o Brasil não tinha uma estratégia clara em relação ao novo cenário. Isso ocorre em parte porque os desafios domésticos atualmente reduzem a margem de manobra do Brasil no domínio da política externa. No entanto, uma razão mais preocupante é que a natureza fundamental dos laços Brasil-China hoje é uma das mais profundas assimetrias do conhecimento: a China sabe muito sobre o Brasil, enquanto o Brasil sabe muito pouco sobre a China.
Pequim investe sistematicamente na formação de uma elite de analistas com uma compreensão sofisticada do Brasil — incluindo metas precisas sobre quantos chineses devem aprender português. O Brasil, por sua vez, não possui uma estratégia comparável. De quantos sinólogos o país precisará nas próximas décadas? Quantos estudantes brasileiros devem ter passado pelo menos um semestre em universidades chinesas? Qual o número desejável de turistas chineses no Brasil em médio prazo?
Essa assimetria já tem consequências. Hoje em dia, é comum que um ministério em Brasília descubra que um interlocutor chinês interessado em um grande projeto de infraestrutura já esteve, paralelamente, em contato com o Itamaraty, o Planalto, agências reguladoras e vários governadores estaduais para alcançar seus objetivos, sem que houvesse algum tipo de coordenação entre as entidades brasileiras. Isso permite que os investidores chineses operem no Brasil e busquem negócios de forma que um investidor brasileiro na China jamais poderia.
Qualquer estratégia coerente do Brasil para lidar com a China deve começar por investir fortemente para superar essa assimetria de conhecimento. Isso envolve programas de intercâmbio em larga escala para estimular a formação de sinólogos, investimento público para pesquisas independentes sobre a China e, possivelmente, o desenvolvimento, dentro da carreira diplomática, de um segmento de profissionais exclusivamente dedicados àquele país.
Gerenciado adequadamente, o relacionamento bilateral pode trazer muitos benefícios. A ascensão chinesa oferece oportunidades para aproveitar suas imensas reservas financeiras para as prioridades brasileiras de investimento — acima de tudo, para modernizar a infraestrutura do Brasil, um grande obstáculo à competitividade do país no mercado global. É evidente que isso também requer estabelecer regras claras para evitar problemas semelhantes aos apontados pelo primeiro-ministro australiano. Porém, se o Brasil alcançar uma compreensão profunda da China — não só no Ministério das Relações Exteriores, mas também em universidades, ONGs, empresas, governos estaduais e municipais — o país poderá extrair o melhor de um mundo em que os chineses têm papel central.