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sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

"O choro privilegiado" / Fernando Gabeira


Fernando Gabeira 

O choro privilegiado

Se a maioria não consegue impor uma decisão, desperta uma certa compaixão



Publicado do Estadão


Há coisas na democracia brasileira que não entendo bem. Uma delas é essa possibilidade que o Supremo dá ao ministro com voto vencido de pedir vista e adiar a decisão da maioria. Talvez essa dificuldade se explique pelo fato de ter uma experiência parlamentar, na qual defendi causas minoritárias.
No Parlamento, depois que a maioria se manifesta, o resultado é proclamado e só resta ao perdedor fazer uma declaração de votos, o direito de espernear, como dizíamos no plenário. Daí não entendo por que o ministro Dias Toffoli pode adiar a proclamação de um resultado indiscutível numericamente. Tenho a impressão de que, se me fosse dada a chance de bloquear uma decisão majoritária, hesitaria.
De certa forma, eu me sentiria numa brincadeira que perdeu a graça. Se a maioria não consegue impor uma decisão majoritária, acaba despertando certa compaixão pela sua fragilidade.
Os defensores do foro privilegiado já perderam a batalha. Deveriam contentar-se com o choro e abrir mão de manobras protelatórias. Adiar a decisão apenas atrasa uma experiência que já foi decidida, no debate pela imprensa, nas redes sociais, nos movimentos cívicos e nas pesquisas de opinião.
Um grupo minoritário de ministros do Supremo não pode decidir o que é melhor para nossa experiência democrática. No Brasil, o atraso é tão entranhado nos costumes que se consagra até o direito de atrasar, que agora está sendo exercido pelo ministro Toffoli.
Mas não é só desejo de voto mais pensado. Ele tem algo articulado com os políticos, os principais interessados em manter o foro privilegiado.
Enquanto o STF pisa no freio, a Câmara se apressa a votar um projeto no mesmo sentido, restringindo o foro privilegiado.
Aí pode entrar um gato: a extensão do foro privilegiado aos ex-presidentes, algo que favorece Temer, Lula e Dilma, até Collor, quando deixar o mandato de senador. É realmente algo inédito no mundo: o País que derrubou dois presidentes no período de democratização conclui que devem ser protegidos também depois do mandato.
Durante o mandato presidencial, já são de certa forma blindados. Só podem ser processados por crimes posteriores à sua posse. Assim mesmo, quando são acusados por crimes cometidos durante o mandato, a investigação é submetida à Câmara, onde a maioria é hostil à Lava Jato.
Estamos todos atentos, embora a atenção nem sempre baste para inibir os políticos desesperados. Eles nem se importam mais com as consequências para a democracia.
As coisas podem não ser tão simples como se pensa. Num programa de televisão, Gustavo Franco, ao lançar seu livro sobre a história monetária no Brasil, afirmou que o mercado acha que qualquer dos candidatos favoritos no momento continuará a reconstruir o País.
No caso do PT, o mercado tem esperanças de que, vitoriosa, a esquerda volte a se encontrar com a classe média e abrande sua linha. Não tem sido esse o discurso do PT. Lula afirmou várias vezes que vai estabelecer o controle social da imprensa. Em quase todas as análises, a esquerda conclui que foi derrubada porque não soube radicalizar.
Pelo menos no discurso, o caminho aponta para a Venezuela. Além do mais, tenho minhas dúvidas quanto à reconciliação com a classe média. Acho, sinceramente, muito improvável, mesmo com a ampla admissão dos erros e das trapaças.
No caso de Bolsonaro, tudo indica que caminha para uma visão liberal na economia, dura na repressão ao crime e conservadora nos costumes. É formula que tenta conciliar o avanço do capitalismo com as tradições que ele, naturalmente, dissolve na sua expansão global.
Tanto para os eleitores de Trump como para os de Bolsonaro, há uma força nostálgica em movimento. Voltar atrás, no caso americano, explorando carvão, tentando ressuscitar áreas industriais arruinadas. No caso brasileiro, voltar aos tempos do regime militar, durante o qual não houve escândalos de corrupção nem a violência urbana.
O Brasil de hoje é muito diferente do País dos anos 1960. E também não é o mesmo dos anos 1990, quando o PT chegou ao poder.
O economista Paulo Guedes, que deverá ser o homem da economia na campanha Bolsonaro, afirmou que, ao se encontrarem os dois, uniram-se ordem e progresso. Se entendemos por ordem o combate à corrupção e uma política de segurança eficaz, tudo bem. Mas a eficácia não se mede pelo número de mortos, e sim pelas mortes evitadas. E o progresso? Assim como está no lema da Bandeira, é bastante vago. Muitos o associam ao crescimento econômico.
Mas tanto os marxistas como os liberais tendem a uma visão religiosa do mundo, abstraem a limitação dos recursos naturais, algo que envolve todas as espécies. Num contexto de campanha radicalizada, qualquer das hipóteses terá muita dificuldade em governar um País dividido. E no processo de reconstrução será preciso encontrar alguns pontos que unam a Nação para além de sua clivagem ideológica.
Na sua entrevista ao Roda Viva, Gustavo Franco deu uma pista que me pareceu interessante: ao invés de falarmos tanto em reformas, sempre empurradas com a barriga, por que não buscar uma sociedade de inovação? Essa história de deixar as coisas apodrecendo, mas só mexer nelas em reformas, tem de ser substituída por uma ideia de inovação permanente.
É esse o mundo em que vivemos. Se não nos adaptamos a ele, seremos, de certa forma, engolidos.
A campanha eleitoral ainda nem começou. Fala-se num candidato de centro. De fato, suas chances serão boas. No entanto, na política não se trabalha apenas com chances, mas também com a encarnação da proposta, o candidato.
O PSDB, com Alckmin, fala em choque de capitalismo, algo que vi e ouvi em 98. De choque em choque, vai acabar a energia. Um mesmo empresário alemão levou 56 dias para abrir uma empresa em São Paulo e apenas 24 horas para abrir outra nos EUA. Que tal segurar os fios e experimentar o choque antes de aplicá-lo no País?

Um retrato 3X4 das maldades de Brasília...Receber mais de 20 mil reais para esconder político foragido da Justiça

https://g1.globo.com/politica/noticia/presidente-do-pr-usou-apartamento-funcional-da-camara-como-esconderijo-enquanto-estava-foragido.ghtml

Presidente do PR usou apartamento 

funcional da Câmara como esconderijo enquanto estava foragido

Antonio Carlos Rodrigues, preso desde a última terça (28), foi transferido para um presídio do Rio. Mulher que deu guarida ao dirigente partidário é funcionária da Câmara, mas trabalha no PR.

Por Bom Dia Brasil
 
Antônio Carlos Rodrigues estava escondido em apartamento funcional da Câmara dos Deputados
Durante o período em que esteve foragido, o presidente nacional do PR e ex-ministro dos Transportes, Antonio Carlos Rodrigues, circulou livremente pelas ruas de Brasília. O dirigente partidário esteve na sede do partido e num apartamento funcional pago por nós contribuintes e ocupado por uma funcionária da Câmara.
O presidente do PR ficou foragido por sete dias e se entregou à Polícia Federal (PF) na última terça-feira (28), em Brasília, quatro dias depois de o advogado dele dizer que ele não viveria as humilhações do cárcere.
Rodrigues foi transferido nesta quinta-feira (30) para a cadeia em Benfica, no Rio de Janeiro. Ele é acusado de dissimular doações ilegais para a campanha de Anthony Garotinho ao governo do Rio na eleição de 2014.
O juiz do caso chegou a cobrar providências para que fosse cumprida a ordem de prisão de Antonio Carlos Rodrigues. A polícia disse que não localizava o político, mas ele foi visto no prédio onde fica a sede do PR.
O dirigente partidário também esteve, pelo menos no último domingo (26) e na segunda-feira (27) em um apartamento a menos de 3 quilômetros da sede da Polícia Federal, a sete minutos de carro.
A outra curiosidade dessa história é que esse é um apartamento funcional, da Câmara dos Deputados. A moradora que deu cobertura ao foragido é Maria Tereza Buaiz. Pelo sistema da Câmara, ela é funcionária da liderança do PR.
No entanto, Maria Tereza não é vista por lá. Em nenhuma das salas onde funciona a liderança do partido governista. Funcionários da casa legislativa afirmaram à TV Globo que a mulher que deu guarida ao presidente do PR trabalha na sede do partido, em um complexo de salas comerciais no centro da capital federal.
Lotada na liderança do PR desde a época em que o ex-presidente da sigla Valdemar Costa Neto (SP) - condenado e preso no mensalão do PT - comandava a bancada do partido na Câmara. Maria Tereza recebe para trabalhar na Câmara mais de R$ 18 mil por mês.
O imóvel em que ela vive em um bairro nobre de Brasília é mantido com dinheiro público. Ela ocupa o apartamento desde 2005.
A Câmara pediu o apartamento de volta, porém, uma liminar manteve a moradora com o imóvel que essa semana serviu de abrigo para o foragido do PR.
Maria Tereza recorreu contra a ordem de desocupação do imóvel na 4ª Secretaria da Câmara, que acabou suspendendo a reintegração de posse enquanto analisa o caso. A secretaria justificou que fez isso porque tem decisão judicial amparando o direito a moradia.
Antonio Carlos Rodrigues recorreu ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para ser solto, mas a Corte vai aguardar o julgamento final do habeas corpus no Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro. O julgamento tá marcado para a próxima segunda-feira (4).

quinta-feira, 30 de novembro de 2017

"Acaba o foro, continua a impunidade" / Valentina de Botas

Valentina de Botas: 

Acaba o foro, continua a impunidade

Como reza a lenda, todos são iguais perante a lei, então que sejam todos iguais perante a lei

Rodrigo Janot saiu da Procuradoria Geral da República, mas a PGR não saiu dele; Raquel Dodge entrou na PGR, mas a PGR não entrou nela e os tuiuiús ainda dão seus saltos para voos desengonçados. Alguns procuradores do MPF comportam-se como títeres com crachá e aposentadoria integral. Os políticos delinquentes, sem surpresa, tentam escapar da polícia. O Brasil é a casa da sogra de cada um deles; e a lei, uma mesa bamba onde todos descansam os pés sujos. Enquanto isso, a discussão psicótica sobre o fim do foro por prerrogativa de função, vulgo foro especial ou privilegiado, ilustra nossa vocação para o acessório evitando o essencial.
A Revista de Direito Público divulgou um estudo, no respectivo site, sobre o foro privilegiado, revelando que há 54.990 autoridades, no Brasil, com direito a ele. O número é alto se comparado a democracias maduras que têm o mesmo instituto, mas democracias maduras não têm o tamanho do Estado brasileiro; então, constatemos que nosso atraso é coerente consigo mesmo. Contudo, creio que, para efeito de eficiência da Justiça, não importa o número de autoridades com foro especial, mas que, em qualquer instância, a morosidade patológica seja abolida para que a prescrição e a consequente impunidade não vigorem.
Nosso sistema de Justiça é caro e dramaticamente ineficaz. Em qualquer instância. Eis nossa tragédia, o monstro cujos olhos este debate de 3ª série C evita que fitemos. Passar 50 mil autoridades do foro privilegiado para a 1ª instância só desloca o vício de lugar, é uma questão acessória à vergonha que nos faz uma nação primitiva em que a impunidade parece a razão de existir do Judiciário na sua inteireza. Qual a diferença, além de nenhuma, o caso de uma autoridade prescrever no STF ou, com o fim do foro, prescrever no caminho pavimentado por recursos, entre a 1ª instância e o STF? Nenhuma.
Capitaneado pelo ministro Barroso, o STF está decidindo o fim do foro privilegiado para políticos; Toffoli pediu vistas porque o Congresso também está mudando a legislação pertinente, mas incluindo o Judiciário (com STF, PGR e tudo o mais). Está errado, mas está certo: se, como reza a lenda, todos são iguais perante a lei, então que sejam todos iguais perante a lei. O bizarro, neste país-estufa de bizarrices com vista para o Atlântico, será ver a coisa chegar, de recurso em recurso, à instância superior cabível. Exatamente como é hoje.
Mas o que importa é o teatral combate-à-impunidade num país onde 92% dos assassinatos ficam impunes sem que Barroso se comova com isso. Claro, pois se a alma de legislador num corpo que não lhe pertence quer a liberdade para um Battisti condenado, fraudou o regimento da Câmara para impedir o impeachment de Dilma, defendeu os embargos infringentes para José Dirceu, lutou pelo perdão a Joesley Batista e pretendeu aplicar “medidas cautelares” incabíveis contra um senador na compulsão de rasgar a CF (livrinho de rara e longínqua referência para Barroso) e, vencido, lacrou numa entrevista que tal decisão “entrará para a antologia dos erros do STF”, atacando este que foi um dos poucos acertos da corte no ano. Felizmente, num STF com Roberto Barroso, há um Gilmar Mendes.
Removam-se dos parlamentares e dos governantes seus gabinetes e seus V.Excia. O que sobra? Homens. Removam-se o crachá, a aposentadoria integral e as benesses dos procuradores. O que sobra? Homens. Removam-se a toga e as prosopopeias dos juízes e ministros dos tribunais. O que sobra? Homens. Então por que diabos uns homens seriam mais puros, de coração desinteressado, do que outros, merecendo uns o tal foro e outros, não? Não se trata de indivíduos, mas do cargo? Então que se resguardem somente os cargos de chefia dos poderes, como determina a PEC que tramita no Congresso. 
Vamos falar a sério sobre impunidade? Há foro especial para 55.200 (92% do total) assassinos que ficam impunes a cada ano no Brasil? Dos 60 mil assassinatos anuais no país, somente 8% são julgados segundo a Associação Brasileira de Criminalística. Não estou negando que os políticos delinquentes desfrutem do quase imobilismo da Justiça, estou dizendo que ele a infecta por inteiro e que ações contra a impunidade só serão frutíferas se considerarem essa realidade. Enquanto bandidos ricos e/ou poderosos contam com brechas legais e recursos jurídicos acionados por advogados caros – lembrando que o Estado gasta uma fortuna com a Defensoria Pública – para alcançar a impunidade, bandidos pobres a obtêm pela inépcia do Estado na apuração dos crimes. A Justiça não apura crimes, esclareço, ela os julga; a polícia e o MP os apuram, por isso uso a expressão “sistema de Justiça” já que a polícia e o MP o integram conceitualmente, digamos.
A Lava Jato é diferente, ainda bem, razão pela qual não é exemplo. Ela é outro mundo com juízes exclusivos e, na comparação do rendimento das instâncias inferiores e o do STF, tem sido esquecido o detalhe relevante: o MPF/PGR levou a LJ para o STF dois anos depois de já instalada em Curitiba. Além disso, Lula não precisou de foro especial para continuar solto, voando em campanha nas asas de medidas menos gravosas e atacando quem o deixou voar. Dallagnol o prendeu num power-point e mudou de calçada, passando a proclamar cotidianamente que os políticos-querem-acabar-com-a-Lava-Jato. Com algum respeito pelos brasileiros que não sofrem de herói-dependência, o procurador reconheceria que não tem o direito de falar isso quem deixou solto o pai do petrolão.
Você não tem problemas com a lei, ganha a vida honestamente e ajuda velhinhas a atravessar a rua mesmo que elas não queiram? Não é o bastante para fazer críticas ao Judiciário e às respectivas “extensões” (MFP, Lava Jato) com suas aposentadorias acima do teto, auxílio-moradia inconstitucional (garantido pelo ministro Luiz Fux, outro habitante da lacrosfera) e demais imoralidades: você será acusado de defender-bandido. E é assim que se pretende poupar o caro e ineficaz Judiciário, com uma multidão de 140 mil funcionários, para extinguir o foro especial somente dos políticos, o que significará a intocabilidade de um poder e a manutenção da impunidade. Não aplaudo esta farsa. Vão indo que eu não vou.

Antídoto
“O Livro dos Insultos”, de H.L. Mencken, fundamental em tempos de semideuses que oprimem meros humanos, da patrulha que nos quer rotulados, de santos que nos entendiam, de perfeitos que nos humilham. Em tempos da feijoada light, da cerveja sem álcool, do café sem cafeína, da vida extraído o nervo, da água puríssima que adoece quem a bebe, enfim dessas coisas que prometem nos levar sãos e salvos para o túmulo. Em tempos da autopiedade que faz tantos acharem que o mundo lhes deve tudo, da coragem dos bandos para odiar em nome do bem, da vergonha ou medo de amar. Em suma, antídoto para esses tempos chatíssimos. Estou lendo pela terceira vez e recomendo vivamente. Tradução e prefácio do excelente Ruy Castro.

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