Uma vez por semana eu ficava a menos de um centímetro do Ivan Lessa, na primeira página da BBC Brasil, mas só tivemos um tête-à-tête na vida, num inesquecível fim de tarde em Nova York.
A primeira vez que ouvi o nome Ivan Lessa foi em fim de 67 ou começo de 68, pré-Pasquim. Eu tinha vinte e poucos anos e conheci uma mulher linda numa festa no Rio. Era namorada do Ivan Lessa, mas naquele momento andavam brigados: "O Ivan é um cara complicado", disse ela.
A conversa foi boa e achei que fosse terminar melhor ainda quando saímos numa baratinha bacana para ver o dia nascer na praia. Ela não parou de falar no Ivan, Ivan isso , Ivan aquilo. O terrível e apaixonante Ivan. Fui dormir sozinho, nunca mais nos vimos.
Vi o Ivan, mas não falei com ele, na agência de publicidade Lins, meu primeiro emprego de carteira assinada. Acho que o Ivan fazia freelance para agência, em que o pai, o escritor Orígenes Lessa, cuidava da parte de criação de textos. Se não me engano.
Só falei com o escritor uma vez quando testemunhou minha demissão sumária. Eu era o revisor da agência e também redigia as cartas. Uma delas, dirigida ao poeta Manuel Bandeira, era sobre um pagamento qualquer da agência. Coisa rotineira.
Recebi a carta de volta com um bilhete do diretor-geral apontando um erro meu. Devolvi a carta com outro bilhete em que informava a ele que meu texto estava certo e que no bilhete dele, de três linhas, havia quatro ou mais erros de português.
Fui convocado à sala que ele dividia com o Orígenes Lessa e onde fui demitido na frente do escritor, que depois me chamou num canto para uma conversa.
"A secretária me disse que teve um caso com você e além disto você comprou dela um toca-discos."
"Verdade, é verdade, sim senhor."
"O toca-discos não era dela."
"Isto eu não sei. Eu já paguei. Se me devolver o dinheiro, devolvo o toca-discos."
"Vou falar com ela."
Não me lembro mais como ele fez a pergunta, mas ele queria mesmo era saber como tinha sido minha experiência com a secretária. Eu simpatizava com o jeitão dele, gostava dos livros dele, da história pessoal.
Abri o jogo. Disse que não tinha sido um bom namoro. Ela tinha um metro e oitenta, ou mais. Deslumbrando diante de tanto corpo e tantos encantos fui com muita sede ao pote. Levei uma bronca do escritor, que conhecia todos os talentos da moça.
Pouco depois, vim para os Estados Unidos e nunca mais nos vimos, mas passei a ter notícias do filho, Ivan, pelo Paulo Francis.
Eram íntimos, porres e drogas, histórias absurdas e hilárias, mas o Francis tinha ciúmes dos amigos e que não davam a ele dedicação integral. Um dia o Ivan era o maior sujeito do mundo, noutro só entendia de música, literatura, cinema americano até a década de 60. Tinha parado no tempo.
O Ivan Lessa passou por Nova York no fim dos 70 ou começo dos 80, desancou a cidade e o país numa de suas colunas. O Francis ficou furioso: "O Ivan não entende nada de Nova York nem de política".
Com frequência, o Francis ia a Londres visitar o amigo e se queixava que o Ivan não retribuía as visitas: "Tem mania de Cascais, em Portugal. Uma bobagem. O mundo do Ivan é o trabalho na BBC, a mulher, a filha, os livros, e as férias nos tais Cascais".
Isto o Ivan confirma pelas suas colunas, mais de trinta anos e, apesar da mesmice, escrevia colunas saborosas sobre suas férias.
Eu estava em Cascais no dia em que soube da morte dele, num condomínio vizinho. São todos parecidos com grandes jardins e "pixinas", como dizem os portugueses e como o Ivan escrevia nas colunas.