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sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

O último arpeggio de Oscar Peterson - Felipe Machado - Estadao.com.br

O último arpeggio de Oscar Peterson - Felipe Machado - Estadao.com.br

26.dezembro.2007 19:54:13

O último arpeggio de Oscar Peterson

oscar
Fiquei muito triste com a morte de Oscar Peterson, um dos grandes nomes da história do jazz e um dos meus pianistas favoritos. Tive a oportunidade de vê-lo ao vivo em 2004, tocando no Festival Internacional de Jazz de Montreal, evento para o qual fui convidado a cobrir.
Foi um prazer ver Oscar Peterson de pertinho, os dedos longos e finos correndo de um lado para o outro com uma agilidade inacreditável para um homem, então, com 80 anos. O que mais me impressionou em sua técnica foi a velocidade das escalas, não apenas uma rapidez desesperada, desnecessária, mas uma sequência incrivelmente rápida de frases interessantes e complexas. Como o bom jazz deve ser. Em um trecho da apresentação, Peterson recebeu no palco Oliver Jones, pianista canadense e seu amigo de infância. Foi emocionante vê-los emocionados.
Oscar Peterson costumava fazer uma coisa que não acreditei quando vi pessoalmente: ele tocava arpeggios simultâneos com as duas mãos, cada uma tocando uma escala diferente. Quem é músico sabe como é difícil fazer isso. Quem não é, dá para ter uma vaga idéia imaginar alguém escrevendo com as mãos esquerda e direita, ao mesmo tempo, dois textos diferentes. Grosseiramente, é mais ou menos isso.
Como uma última e humilde homenagem, reproduzo aqui trechos da minha matéria que saiu no Jornal da Tarde com a crítica do show de Peterson.
Que os deuses do jazz o tenham.
Oscar Peterson, a estrela de Montreal
12/7/2004
Miles Davis era um gênio do trumpete, mas nunca foi muito bom com palavras. Seu maior erro, talvez, tenha sido afirmar em 1975 que o jazz estava morto. Os dois milhões de apreciadores do estilo, que lotaram as ruas durante a 25ª edição do Festival Internacional de Jazz de Montreal, encerrado ontem, são a maior prova disso.
O Festival de Montreal começou há duas semanas, com uma festa de gala regada a voz inconfundível de Diana Krall. Na seqüência, um casting que fala – e toca – por si só: Oscar Peterson, George Benson, John Pizzarelli, Ibrahim Ferrer, Dianne Reeves, Tony Bennett e outros.
O último fim de semana, no entanto, promoveu um encontro que certamente vai ficar na memória das três mil pessoas que tiveram a sorte de conseguir um ingresso para a concorrida sala Wilfrid-Pelletier, no palco mais elegante da cidade, o Place des Artes.
No último sábado, os pianistas canadenses Oscar Peterson e Oliver Jones dividiram o palco pela primeira vez na história, tornando assim realidade o que Duke Ellington havia previsto tanto tempo antes: o jazz é, antes de tudo, sonho.
“Foi graças a Oscar que comecei a tocar piano”, afirmou Jones à reportagem. “Todos viviam me dizendo ‘você viu o que Oscar fez’, ‘você viu o que Oscar conseguiu?’, e isso me fez querer aquela vida também.” Peterson e Jones cresceram juntos na mesma rua e foram à mesma Montreal High School. Mas como Peterson era nove anos mais velho, Jones era visto apenas como um garoto.
Ambos virtuosos do piano, mas seguindo cada um seu o seu próprio caminho, Peterson e Jones acabaram separados pelo destino. Oliver Jones, inclusive, estava aposentado há cinco anos, mas não teve como recusar o convite para a jam session de luxo, justamente na cidade onde ele e o amigo de infância cresceram. “Ensaiei um pouco e escolhi músicas que nunca saíram da minha cabeça.”
Hoje, Peterson tem 80 e Jones, 71. Mas voltaram a se sentir como crianças no show transmitido ao vivo pela TV canadense. Acompanhado por um baixo e bateria, Oliver Jones entrou primeiro e desfilou clássicos como ‘Over The Rainbow’, ‘Falling in Love With Love’ e ‘Again Diana’, dedicada a Diana Krall. Muito bem-humorado e visivelmente emocionado, contou à platéia que tem estado “muito ocupado” para tocar. “Passei os últimos cinco anos jogando golfe”, brincou. Como um time que entra em campo sabendo que vai vencer, terminou com um medley de George Gershwin que começou com ‘Rhapsody in Blue’.
Aplaudido de pé pelo público, Oscar Peterson entrou caminhando com ddificuldade. Espécie de herói local para os amantes da música, o pianista de dedos ágeis e rosto sério se apresentou com baixo, bateria e guitarra. Tocou ‘Night Times’, ‘When the Summer Comes’ e vários outros clássicos. Ao final, enquanto agradecia, entra em palco um outro piano Yamaha, esperando o amigo de infância.
Juntos, tocaram o hino gospel de Peterson, ‘Hymn to Freedom’. Cantando juntos melodias de liberdade e amizade, os dois pianos foram ovacionados por uma platéia quente até para os padrões canadenses. Os dois heróis da música saíram abraçados, felizes por terem realizado o sonho que o colega Duke Ellington sabia ser a essência do jazz. Mas com uma vantagem: o público que estava ali não estava sonhando.

Malala Yousufzai tem alta de hospital britânico ...

http://revistaepoca.globo.com/Mundo/noticia/2013/01/menina-paquistanesa-ferida-por-talebans-recebe-alta-do-hospital.html

MALALA YOUSAFZAI - 04/01/2013 10h49 - Atualizado em 04/01/2013 11h03
TAMANHO DO TEXTO

Menina paquistanesa ferida por talebans recebe alta do hospital

Malala Yousafzai, que levou tiros na cabeça e no pescoço, ainda vai passar por uma cirurgia de reconstrução do crânio

REDAÇÃO ÉPOCA COM AGÊNCIA EFE

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A jovem paquistanesa Malala Yousafzai deixa o hospital Queen Elizabeth, em Birmingham, na Inglaterra. (Foto: Queen Elizabeth Hospital Birmingham/AP)
A menina paquistanesa Malala Yousafzai, que foi ferida por talebans em outubro, recebeu alta nesta sexta-feira (4) do hospital Queen Elizabeth, em Birmingham, Inglaterra, onde estava internada. Segundo a BBC, Malala deixou o hospital, mas continuará em um programa de reabilitação após ser atendida com graves ferimentos na cabeça.
A jovem de 15 anos viverá com sua família na região de West Midlands, centro da Inglaterra. Malala pode ficar permanentemente no Reino Unido, onde seu pai recebeu um cargo no consulado do Paquistão em Birmingham. 
Malala foi ferida em 9 de outubro pelos talibãs no Paquistão quando voltava da escola para casa. Ela levou dois tiros dos talibãs, um na cabeça e outro no pescoço. A jovem ativista, que defendia a educação feminina no Pauqistão, foi transferida em um avião de Islamabad ao hospital inglês, onde foi atendida desde então.
O diretor do centro médico, Dave Rosser, disse nesta sexta-feira que a menina será submetida a uma cirurgia de reconstrução do crânio no final do mês ou no início de fevereiro, como parte de sua recuperação em longo prazo.
Tanto o pai da jovem, Ziauddin Yousafzai, como Malala, foram alvo de ameaças de morte por parte dos talibãs desde que houve o ataque.
AS

Há petróleo no campo de Marlim Sul a 1.874 metros de profundidade e 126 km do litoral do RJ


CIDADES E REGIÃO - DESCOBERTA DE PETRÓLEO

Descoberto reservatório de petróleo no pós-sal da Bacia de Campos

Testes para avaliar a produtividade do reservatório devem estar concluídos em 2013
 Ururau / Arquivo

Testes para avaliar a produtividade do reservatório devem estar concluídos em 2013

A Petrobras anunciou nesta quinta-feira (03/01) a descoberta de uma acumulação de petróleo em reservatório do pós-sal, na Bacia de Campos. A descoberta foi feita pelo poço conhecido como Mandarim, localizado no campo de Marlim Sul, a 126 quilômetros do litoral do estado do Rio de Janeiro, em profundidade de água de 1.874 metros.
De acordo com nota divulgada pela empresa, a acumulação ocorre em reservatórios arenosos, a aproximadamente 2.965 metros de profundidade. Os testes para avaliar a produtividade do reservatório devem estar concluídos em 2013.
O poço está localizado em área próxima à plataforma P-56, que opera atualmente no Campo de Marlim Sul, com estrutura já instalada de produção e escoamento. Isto, segundo a Petrobras, permitirá acelerar a entrada em produção da nova descoberta, o que poderá ocorrer no ano de 2014.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Boa Noite ... // Tony Bennet e Diana Krall


O pornô doméstico chegou ao topo...


LUÍS ANTÔNIO GIRON - 20/12/2012 09h07 - Atualizado em 20/12/2012 09h07
TAMANHO DO TEXTO

O ano do pornô doméstico

E.L. James, Sylvia Day e outras pornógrafas ajudaram a desinibir as leitoras. E agora, como satisfazê-las?

LUÍS ANTÔNIO GIRON
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Luís Antônio Giron Editor da seção Mente Aberta de ÉPOCA, escreve sobre os principais fatos do universo da literatura, do cinema e da TV (Foto: ÉPOCA)
Fim de ano, tempo de balanço. No caso deste ano, vamos chegando ao fim no balanço do acasalamento. Em 2012, as mulheres parecem ter descoberto os prazeres das pequenas perversões sexuais; perversões controladas, domésticas e domesticadas.

Não tenho nada contra a liberação sexual feminina. Bem pelo contrário. Fantasia e sexo são saudáveis. O que não tolero é leitora ingênua, que pensa que ler livros semipornográficos pode desreprimi-las automaticamente, como quando ela compra sapatos e seu desejo é realizado. E é isso que está acontecendo agora mesmo: milhões de mulheres de 15 a 95 anos parecem ter descoberto o “sexo” ao ler a trilogia Cinquenta tons de cinza, o “pornô da mamãe”, como apelidou a imprensa americana, da escritora londrina E.L. James, e a pletora de imitações que se lhe seguiu, enxameando o mercado com banalidades eróticas jamais vistas. Por isso, a revista americana Publishers Weekly elegeu Erika Leonard James a personalidade literária do ano. Mereceu, pois vendeu centenas de milhões de exemplares e alterou o mercado livreiro, levando ao centro a literatura pornográfica. Este foi o ano do pornô doméstico, do “sexo” seguro com uma pontinha de crueldade e perversão.   
Grafo “sexo” entre aspas porque esse tipo de livro apresenta uma versão do sexo, não o sexo em si. Se ele tem causado alguma coisa, foi desinibir as leitoras – não as mulheres que estão por trás das leitoras. Leitoras são mulheres de máscara. E elas agora devoram esses livros no metrô, achando que o fazem no maior descaramento. As capas dos romances ajudam na discrição, pois exalam respeitabilidade, com seu chicotes, gravatas e outras metonímias do sadomasoquismo em desenhos elegantes sobre fundo negro. Nada de capas “pulp” como no tempo de Cassandra Rios, a precursora brasileira do pornô que hoje se globalizou. Sim, Cassandra era uma mulher que escrevia para homens e mulheres.   
Agora as mulheres dispõem de autoras que escrevem sacanagens só para elas. Homens são quase proibidos de entrar. Elas deram a discutir as técnicas de sadomasoquismo que Christian Grey ensina aos poucos a Anastasia Steele. Estão levando chicotinhos e algemas na bolsa! Meu amigo Paulo Coelho me disse que acha ótimo esse tipo de literatura porque ela é libertária. Mas ele ainda não leu E.L. James. Quando ler, irá descobrir que seu livro Onze minutos é muito mais ousado que as brincadeiras de um casal sem imaginação como Anastasia e Christian, Eva e Gideon, e assim por diante. Paulo Coelho defende no livro que as mulheres, no fundo, não querem ser penetradas; preferem a excitação clitorial. É o contrário do festival de penetrações promovido por Cinquenta tons de cinza. Quem está com a razão? Eu já li e não me engano: o pornô da mamãe preconiza a penetração com ou sem dor. É inofensivo. Não quer transgredir nenhuma regra, e sim reorganizar a ordem social. 
Já escrevi que o soft porn mais reforça o culto a príapo do que ajuda as noviças a se iniciar sexualmente com liberdade. Parece difícil às mulheres entenderem que podem ser possuir sem ser possuídas. Ou que não precisam fingir que são escravas sexuais para conquistar o seu homem. O soft porn ilude as leitoras: ao apresentar alguns truques às mulheres, torna- as mais submissas.
Num encontro em Londres, Erika Leonard James, simpática e insinuante, disse-me que seus livros ajudaram a desencadear um processo em cadeia. As leitoras finalmente se deram conta de que desejavam participar de todas as atividades antes destinadas somente aos homens, inclusive as práticas de perversão, como o sadomasoquismo. Isso, segundo ela, salvou o casamento de milhares de pessoas entediadas com a “posição do pastor”, como dizem os americanos, ou “papai-mamãe”, na versão brasileira nós. 
O pornô light desinibiu as leitoras. E agora, como satisfazê-las? Dar-lhes de presente outras trilogias eróticas? Ou reinventar a roda? 
Erika me disse que seus livros não são destinados aos homens, embora eles possam lê-los para aprender algo sobre o funcionamento da alma e do corpo femininos. É verdade. Lendo-os, concluí que o objetivo final dos métodos descritos ali é a castração masculina. Depois dos rituais de veneração fálica, Anastasia corta Príapo para guardá-lo no cofre. E assim, controlar (este é o verbo central no novo erotismo feminino) seu parceiro até o fim dos tempos. Para satisfazer Anastasia, contou-me E.L. James, Christian “tem de aprender a pegar na vassoura e limpar a toda a casa”. Ao ler os três volumes de Cinquenta tons de cinza, tive vontade de me livrar da vassoura e das algemas, e sair correndo. Só posso concluir que, neste annus mirabilis que se acaba, a inveja do pênis voltou com potência total... pelo menos nos livros.
(Luís Antônio Giron escreve às quintas-feiras.)

Morreram onze jornalistas em 2012 no Brasil... Somos o quarto país nesta lista mundial

Blog de Ricardo Noblat
IMPRENSA

Mais jornalistas morreram no Brasil em 2012 que no Iraque, Gaza e ...

Jamil Chade, O Estado de S. Paulo
O Brasil se transformou, em 2012, no quarto país mais perigoso para se trabalhar como jornalista no mundo. Em um ano, onze profissionais da imprensa foram assassinados, um recorde no País.
A situação brasileira é pior que a do Afeganistão, Iraque ou Gaza. Somando os assassinatos nesses três países, o número de vítimas chega a oito. Apenas Síria, Somália e Paquistão vivem cenários mais dramáticos para os jornalistas que o Brasil.
Os dados foram divulgados hoje pela entidade Campanha Emblema para a Imprensa, que defende maior proteção a jornalistas em locais de risco.
Segundo a instituição, com sede em Genebra, 2012 marcou um número recorde de assassinatos de jornalistas pelo mundo. No total, foram 139 mortes, em 29 países. O número mundial é 30% superior ao de 2011 e representa cerca de duas vítimas a cada semana.
Na avaliação da entidade, 2012 foi o ano mais sangrento para os jornalistas desde a Segunda Guerra Mundial.
Pelo menos 36 jornalistas foram mortos na Síria em 2012. Desses 13 eram estrangeiros. Na Somália, o número chegou a 19. Já no Paquistão, doze jornalistas perderam suas vidas. O México, em meio a uma guerra contra o narcotráfico, se iguala aos números do Brasil.

"Deixei a cidade de São Paulo a procura de sossego..."


ELIANE BRUM - 31/12/2012 10h14 - Atualizado em 31/12/2012 16h28
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O silêncio não existe

Ser surdo a si mesmo não é uma deficiência auditiva, mas causa deformação

ELIANE BRUM
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Eliane Brum, jornalista, escritora e documentarista (Foto: ÉPOCA)
Uma amiga me emprestou sua casa no meio
 do mato para eu escrever uma história. Eu andava acuada na cidade, atordoada com o excesso de barulho dentro e fora de mim. Às vezes tenho essa sensação, a de que a barreira do dentro e do fora se rompe e já não consigo distinguir se o ônibus cheio de som, fúria e fumaça preta sobe a Teodoro Sampaio ou sobe alguma rua que passa raspando pelo meu pulmão direito. Viro eu mesma um pedaço maltratado de São Paulo e preciso partir em busca de outras geografias que me curem o corpo. Eu pensava buscar silêncio, só para descobrir mais uma vez que o silêncio não existe.

É curiosa essa ilusão que compartilhamos de que o campo, o mato, a praia escondida, a natureza menos tocada são paisagens de silêncio. Nem o deserto é silencioso, descobri anos atrás, ao passar 20 dias na Mauritânia, acompanhando Toco Lenzi, um aventureiro que atravessava o Saara sozinho e a pé, puxando um riquixá. Ali descobri que o próprio silêncio não é silencioso. Ao contrário, a ausência de som rugia no meu ouvido num tom desconhecido. 
Perturbada por essa voz sem voz, eu lia sem parar à noite na minha barraca, quando lá fora a temperatura despencara dos mais de 40 graus do meio-dia para abaixo de zero. Lia histórias sobre as grandes expedições do passado porque a minha pequena aventura estava me assombrando. Eu não temia os beduínos que às vezes surgiam como que materializados da areia, nem os animais que deixavam marcas no acampamento pela manhã. Eu temia esse som que eu não decifrava, mas que falava com partes de mim que eu também não sabia onde moravam. 
Dois anos depois dessa experiência, passei dez dias num retiro de meditação vipássana, no interior do Rio de Janeiro, em que era proibido falar e até mesmo olhar para as outras pessoas. Aprendi a ouvir o meu lado de dentro e descobri que eu era tão silenciosa quanto uma lagoa habitada pela família inteira do Monstro do Lago Ness, incluindo primos distantes. Dias depois de ter voltado, eu ainda era despertada no meio da noite pelo barulho que continuava ressoando dentro de mim e que agora eu tinha aprendido a escutar. Levantava da cama e ia me postar diante do meu marido, notívago como um vampiro, que lia na poltrona. “Meu corpo não cala a boca”. Depois, com o tempo e o abandono da disciplina de meditação, perdi a capacidade de me ouvir e agora só escuto os roncos do meu estômago sempre esfomeado. 
Neste fim de ano, me enfiei no meio do mato em busca de silêncio. De novo. Eu precisava descobrir as palavras que nadavam em mim como peixes não muito dispostos a serem pescados, para contar uma história de ficção com prazo para entregar. Um grande escritor, não lembro qual, disse que as palavras são peixes que nadam no nosso lago inconsciente, mas eu tenho minhas dúvidas. Me parecem mais criaturas não nomeadas que rastejam no lodo de um fundo falso. Mas, seja o que forem as palavras, eu esperava atiçá-las com iscas de silêncio.

Logo ao chegar, experimentei o estranhamento de entrar em qualquer casa que pertença a um outro. É como um mapa que fala de caminhos que só fazem sentido para alguém que não está ali. Não falo apenas dos livros e dos CDs, dos móveis e da disposição dos objetos no banheiro ou da decoração, mas do que restou esquecido. É o esquecimento, mais do que a lembrança, que fala de nós. 
De imediato fui registrando as aranhas, muitas aranhas de tipos diferentes, que só extermino se chegarmos ao ponto do ou eu ou ela, o passarinho que fez ninho na janela do banheiro, as formigas carregando um besouro morto. Esse tipo de besouro tem a conformação física de um tanque de guerra e, ao voar, faz o barulho de uma Harley-Davidson. (Ouvi dizer que o ronco das Harleys é patenteado. Se não for mais uma lenda, devem royalties ao “rola-bosta”, o nome popular desse besouro.) Me identifico com ele, que está sempre caindo de costas, pernas pra cima. Me dá a impressão de que gasta a vida tentando virar do lado certo, ficar em pé, como eu também. 
E então... o vi. Um confete de carnaval entranhado no piso de cimento queimado. O que ele contava? Me enterneceu mais do que qualquer outra coisa aquele confete esquecido ali. A marca humana. Um carnaval, uma busca de felicidade, teria dado certo, teria sido alegre? E lá estava ele, um bailarino sem pernas. Caído ao final de um movimento.

Quando eu ainda vivia em Porto Alegre, uma leitora me enviou um álbum de fotografias que havia sido encontrado no lixo. Ela não pôde suportar a ideia de uma vida jogada fora, como se fosse uma casca de banana, e despachou o álbum envolto em papel-manteiga, para que eu desse um sentido à memória de um outro. Vi estranhos nascendo, crescendo, sumindo, casando, tendo filhos, envelhecendo. Na última página, a longa saga familiar se encerrava, sem explicação alguma, com a foto de duas coristas em pose sensual. Como a avisar que a vida é desacerto, como se dissesse: “Cuidado, não me entenda rápido demais”. Durante boa parte da minha vida, essa foi a minha frase preferida. Cuidado, não me entenda rápido demais. E era o que o confete parecia dizer, deslocado naquele ambiente. Eu sabia que, se ele falasse, falaria de mim, não de si mesmo, não de como havia restado ali.

Deixei-o e me sentei no lado de fora. Essa casa que falava comigo é quase orgânica, tem a postura de quem pede desculpas por estar ali. Só a enxerga quem chega perto da sua porta, porque tem a cor ocre da terra vermelha e as árvores a apertam. É uma casa quase natureza. Fico sempre tentando me enfiar na pele dos outros, para entender como se sentem e por que dizem o que dizem e fazem o que fazem. Mas desta vez fui compelida a tentar algo novo, ao olhar para as árvores e perceber que elas não estavam ali como um cenário. Aquelas árvores, cuja respiração eu acreditava ouvir, estavam ali possivelmente antes de mim e estarão para além de mim. Se uma delas pudesse me ver, o que veria? Qual seria a sua perspectiva?

Talvez a árvore me percebesse só como um relance, uma cor fugaz, como uma daquelas imagens que a gente faz rodar com muito mais velocidade para adiantar o filme no aparelho de DVD. Para nós ela é uma vida que se inscreve pela imobilidade. Mas não é, seu tempo é que é outro. Ela se move, mas não somos capazes de enxergar. Sem que antes tivéssemos nos encontrado, essa árvore tinha protagonizado um balé que ninguém viu. No meu nascimento seus galhos esboçavam um gesto, agora outro e, quando eu morrer, terão formado um quadro sutilmente diferente. Todo o meu álbum de fotografias cabe em apenas um de seus “pas de valse”. Ela, que é apenas um indivíduo, como eu. E como o besouro que bate a cabeça no tronco e vira de patas pro ar, abreviando suas chances de chegar vivo a 2013. Não há nenhuma hierarquia entre nós. Estamos todos os três apenas vivendo, tentando.

Mas eu escuto o silêncio da árvore e, ao deitar à noite para dormir, sei que a vida do mato é mais barulhenta que a minha esquina em São Paulo. Eu abro os olhos no escuro e há vaga-lumes no quarto. Eu tentando dormir e aqueles moços (ou seriam as moças?) acendendo o traseiro para atrair companhia. “Eu estou aqui!”, aviso, na tentativa de despertar alguma compostura, mas estão acesos. Me ignoram e continuam piscando sobre a minha cabeça: sexo, sexo, sexo. Bem perto, eu tenho certeza, alguma aranha tece a sua teia à espera de presas que serão devoradas lentamente. E logo ali uma fêmea de louva-a-deus pode estar mastigando o pai dos seus filhos e pensando, como no livro de Alessandro Boffa: “Hum... crocante, com fibras”. A sinfonia da natureza de que nos falam os poetas é uma orgia. Às vezes sangrenta.

Talvez eu não seja uma pescadora, afinal, mas uma aranha, tecendo uma armadilha para as palavras e depois mastigando-as com minha boca cheia de dentes. Eu posso ouvir que não há silêncio. O que buscamos, talvez, quando buscamos silêncio, é só a possibilidade de ouvir mais do mundo. Os sons, quando se repetem dia após dia, nos ensurdecem. E a primeira voz que deixamos de escutar é a nossa. Descubro na casa do mato que é da minha voz que tenho saudades na minha esquina de São Paulo, é ela que o ônibus da fumaça preta emudece quando sobe a rua.

Ser surdo a si mesmo é uma surdez sem nenhuma deficiência auditiva, mas muito, muito triste. O que chamamos de silêncio, afinal, talvez seja apenas a nossa voz.

Passo a vassoura sobre o confete. Cutuco um pouco para arrancá-lo dali. Ele não sai. 
(Eliane Brum escreve às segundas-feiras.)