Haddad, o prestidigitador
Dizer que o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, saiu pela tangente na entrevista exclusiva que deu à Rádio Estadão na manhã da segunda-feira 27 de junho de 2016 é ser muito condescendente e generoso com ele. E que tergiversou é ter pela inteligência e capacidade de conhecer e raciocinar do leitor e ouvinte idêntico desprezo ao que ele manifestou. De qualquer maneira, comentar é preciso, de vez que algumas de suas respostas dão bem a ideia do que ele acha dos cidadãos de São Paulo, que o elegeram há quatro anos, e do eleitorado ao qual ele está pedindo votos para se reeleger. Deixando de lado as questões especificamente municipais e comentando a vertigem moral, a crise econômica e o caos político em que o desgoverno de seu partido afundou o País em 13 anos, quatro meses e 12 dias, convém esclarecer mentiras que o Partido dos Trabalhadores (PT) insiste em repetir. O problema ético, por exemplo.
Questionado sobre o impacto do maior assalto já empreendido na História da humanidade em qualquer lugar do planeta, com apoio na apuração da investigação mais ampla e com maior número de crimes desvendados de todos os tempos, Haddad abusou do eufemismo para defender o indefensável, explicar o inexplicável e justificar o injustificável. Para analisar por que o PT, em que milita e pelo qual foi eleito em 2014, jogou no lixo da História as promessas de combater a roubalheira generalizada dos políticos, ele tentou socorrer-se de um pretexto que é mais antigo do que a Operação Lava Jato. Tal lorota foi usada não apenas como justificativa, mas também como truque para fazer do limão podre uma limonada curativa, pela presidente Dilma Rousseff quando as manifestações de rua em todo o País contra a desgovernança ampla, geral e irrestrita puseram os governos, partidos e políticos em geral contra a parede. A culpa, insistiu o PT e agora Haddad repete, cabe única e exclusivamente ao financiamento privado das campanhas eleitorais partidárias – um vício que contaminou toda a política brasileira e do qual não escapou seu partido, embora esteja agora se esforçando para encontrar a melhor maneira de dele escapar. E a redenção é proibir doações privadas para eleições. A forma de alcançar essa virtude suprema seria convocar uma Constituinte exclusiva para a reforma política e virar de cabeça para baixo o sistema de financiamento eleitoral. Isso tudo ocorreu um ano antes de Dilma se reeleger, o mesmo em que a Lava Jato foi iniciada.
De então para cá, recebemos informações colhidas pelo atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, na leitura de processos que tem de julgar exatamente pela copiosa papelada que diz respeito aos julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF). E estas indicam, se não a principal motivação, no mínimo a mais esperta: o PT sabe muito bem que seus adversários viverão a pão e água, se o trigo não aumentar tanto por culpa da inflação e das oscilações cambiais e se uma nova crise hídrica não transformar as reservas da Cantareira numa extensão geográfica do Semiárido. Nesse ínterim, contudo, o partido de Dilma e de Haddad nadará de braçada, pois, de acordo com os cálculos de Gilmar, terá como bancar com saldos nababescos suas próprias campanhas até o ano de 2030 – por mera coincidência, imagino, ano fixado como limite temporal para que seja concluído seu projeto de ciclovias, a única evidência pedalável da indigestão que ele impôs a seus conterrâneos paulistanos. Pois saiba o preclaro leitor destas linhas que nosso alcaide assegurou que os escândalos de corrupção de seu partido, adequadamente apelidados por aumentativos – mensalão, petrolão, etc. – se devem à única e exclusiva razão de que o PT, digamos, se amalgamou ao sistema capitalista da doação privada das campanhas, adotado pelos adversários direitistas. Este autor pede licença para abrir parêntesis e afirmar que não vê nenhuma razão para permitir doações de empresas a partidos políticos. A explicação é simples: pessoas jurídicas não votam.
Fechados os parêntesis, permito-me esclarecer que foge à minha fantasia mais tresloucada que relação poderia ter havido entre a roubalheira que levou a Petrobrás à sua atual situação pré-falimentar e doações privadas a campanhas políticas. Ao contrário, pelo que ficou claro nas investigações da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público Federal (MPF) sob a égide do juiz federal paranaense Sergio Moro, um dos métodos mais criativas e calhordas de lavagem do dinheiro sujo usado por partidos, seus dirigentes e burocratas das estatais roubadas foi exatamente limpar a contabilidade criminosa com doações generosas. E legais. Ou seja, a organização criminosa que o PT e seus aliados PMDB, PP, PDT, PCdoB, PSB e tutti quanti montaram para descarnar e desossar a vaca republicana simplesmente praticou o delito de lavagem de dinheiro usando a Justiça Eleitoral como lavanderia do crime.
Então, a profissão de fé do candidato à reeleição na Prefeitura de São Paulo é duplamente cínica: ela investe na própria crença de que todo eventual eleitor dele é um idiota de marca e na incapacidade que este cidadão tem de encontrar num argumento falso algo de perfeito, lógico e útil. Ao prefeito Haddad não se deve dar, portanto, o benefício da dúvida, mas o beneplácito do plágio induzido. Graduado em Direito, mestre em Economia e doutor em Filosofia por uma das mais acreditadas instituições de ensino superior do mundo, a USP, atualmente lecionando política e economia na cidade nos cursos de pós-graduação da própria, Haddad não deve ser cobrado, pois, por haver repetido ou imitado algo ou alguém em sua carreira profissional. Tendo sido assessor especial do ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão e secretário executivo do Ministério da Educação, no qual ocupou o principal posto, contudo, ele deve explicações ao distinto público, que o elegeu prefeito e ao qual agora recorre para repetir a dose. Não consta que enganar e iludir estejam entre seus deveres de homem público. O teor de sua fantasia desvairada e descabida na vida pública terá efeito reduzido no agoniado cotidiano do cidadão atolado na crise e desiludido com a política se, na eleição de outubro/novembro, o eleitor o devolver definitivamente à prática de prestidigitador de pretextos petistas. Um improvável, mas não impossível, insucesso eleitoral, contudo, prolongará a longa agonia à condição de insuportável. É esperar pra ver. E, em qualquer hipótese, nunca crer.
Jornalista, poeta e escritor.