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terça-feira, 17 de julho de 2012

O Futuro do Jornal está na ousadia de aceitar mudanças e aplicá-las


Um tipo de ousadia próximo do delírio, que caracterizou a gestão de Luiz Fernando Levy na Gazeta Mercantil, levou o jornal à insolvência na primeira década deste século. A falta de ousadia dos gestores e controladores dos meios impressos do Brasil e do mundo, nestes tempos bicudos, ameaça levar, por outro lado, muitos veículos, sobretudo jornais, para o mesmo destino. Há de haver, nesta fase de grandes transformações midiáticas, um ponto de equilíbrio entre o delírio e a inércia, esta simbolizando a incapacidade dos meios impressos de se moverem de si mesmos.
É um período de crise porque é também um período de quebra de paradigmas. Os meios digitais – a banda larga levada à última potência – impõem novos formatos aos negócios que têm como base a venda de informação. A realidade em que as mídias estavam inseridas até há pouco tempo seguia uma metodologia analógica. Os meios digitais mataram o raciocínio analógico e cuidam agora de enterrá-lo em covas profundas.
A suspeita é de que os meios impressos ainda não enxergam com clareza a força das mudanças. Com raras exceções, têm atitudes meramente reativas diante da crise e tentam cavalgar os meios digitais com propostas visivelmente analógicas. Compensam o princípio de migração da publicidade do papel para o meio digital com o encolhimento das estruturas responsáveis pela produção de informações ou pelo corte no consumo de papel com a supressão de algumas edições semanais, como no caso de alguns jornais regionais de grande importância dos Estados Unidos.
A tábua de salvação
Todos cortam. Cortam, cortam e cortam. Já há redações no Brasil que trabalham sob o estigma do corte, quer dizer, um trabalho intelectual feito sob grande tensão. Como se esperar que tenha qualidade? Realizado por fora de uma estratégia de inserção das mídias tradicionais no universo digital, o corte é apenas ácido sulfúrico atirado sobre a qualidade da informação. Quem o faz, despropositadamente, começa a entrar numa espécie de círculo vicioso. Por que certos conteúdos não são comprados no meio digital? Porque não têm qualidade. Por que não têm qualidade? Porque não são comprados. E assim vamos a caminho do abismo.
David Carr, o colunista de mídia do New York Times que esteve no Brasil nos últimos dias, nos informa que o programa de venda de conteúdos de seu jornal já alcançou 500 mil assinantes pela internet. Distribuiu otimismo ao dizer que existem milhões de pessoas que aceitam pagar pelos conteúdos distribuídos pelos meios digitais pelas grandes marcas da mídia tradicional. Ótimo. É reconfortante pensarmos que as grandes marcas conseguem se impor nos meios digitais. David Carr esqueceu-se de dizer, contudo, que a grande marca só conseguiu ser uma grande marca por força da qualidade de conteúdos produzidos ao longo de muito tempo.
Esse é, aliás, o ponto de inflexão no Brasil. A erosão da qualidade da informação dos meios impressos já é quase um fenômeno antigo. Os grandes jornais impressos têm tirado recursos da produção de informação há quase duas décadas. Estruturas de cobertura nacional foram substancialmente encolhidas. Não houve o fortalecimento dos chamados conteúdos locais, que em alguns casos já representam a tábua de salvação da mídia impressa, a exemplo do que escreveu o jornalista Matías Molina em longo artigo publicado pelo Valor Econômico sobre o bom desempenho dos jornais do Vale dos Sinos, no Rio Grande do Sul.
Plataformas flexíveis e amplas
Se os impressos não conseguem mais oferecer a seus leitores uma cobertura nacional, começam a perder, de saída, a competição para a TV. Não podemos ignorar que as grandes redes de televisão possuem uma estrutura capilar de captação de informações. São as emissoras afiliadas e coligadas que no dia-a-dia abastecem a cabeça da rede com matérias produzidas em todos os quadrantes do país. Para se ter uma ideia da amplitude dessa estrutura, basta observamos que o grupo afiliado à Rede Record, da família Petrelli, possui nada menos de 16 emissoras espalhadas pelo Paraná e Santa Catarina, estados onde os grandes impressos não têm mais do que um único correspondente, se tanto.
Além disso, a digitalização dos sinais televisivos tem levado o noticiário da TV a vencer a superficialidade no tratamento da notícia. As grandes redes podem hoje divulgar o hard news pela TV aberta e aprofundá-lo pelos canais fechados, através de debates, de entrevistas com especialistas ou mesmo através de infográficos realizados com grande eficácia pelos computadores. Os professores da Universidade de Navarra, na Espanha, costumavam dizer que a televisão desperta o apetite do leitor e só os impressos têm o poder de saciá-lo. A inércia dos impressos tem deixado a frase completamente obsoleta.
O desafio é imenso e só poderá ser vencido através da qualidade definida a partir de sintonia com os múltiplos interesses dos consumidores inseridos no mundo digital. Há hoje ferramentas de grande eficácia à disposição de quem pretende prospectá-los. Na entrevista concedida ao jornal Folha de S.Paulo (9/7, A12), David Carr previu o futuro para o New York Times: “...uma variedade de negócios com a marca The New York Times. Parte será vídeo, parte será social e haverá um monte de pequenas empresas sob esta outra”. A previsão parece muito pertinente. Tanto quanto se pode enxergá-lo, o futuro está nas plataformas flexíveis e amplas e que funcionem como um restaurante self-service: informação em papel para quem prefere papel; em vídeo para quem prefere vídeo; informação no celular, no tablet, na tela do computador para quem deseja ser informado sem perder mobilidade.
Estratégia, inteligência, criatividade e ousadia
Para caminhar com mais segurança em direção ao futuro, contudo, as mídias impressas carecem de uma estratégia. Devem operar como verdadeiras usinas de informação. Lembrarem-se de que os meios digitais inocularam no consumidor o vírus do pragmatismo, ou seja, a compra da informação, em meio a tantas ofertas, passa a ser determinada pela qualidade, pela exclusividade, por seus diferenciais. Em outras palavras, lembrarem-se daquilo que nos ensina o consultor empresarial Luís Marins: o diferencial de um produto só pode ser considerado diferencial se for considerado diferencial para quem o compra.
Impossível seguir adiante sem promoverem severa autocrítica. Os impressos estão confinados no triângulo Rio-Brasília-São Paulo e de costas viradas para acontecimentos de alta relevância registrados em outros quadrantes do país; trabalham todos sobre uma mesma pauta que os tem levado a um incrível regime de redundância entre si e, sobretudo, em relação à TV. Estão divorciados dos interesses de seus leitores. Estão a cada dia mais superficiais. A reação não está mais no corte de despesas com preocupações contábeis e orçamentárias. Está na estratégia, na inteligência, na criatividade e na ousadia.
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[Dirceu Martins Pio é ex-diretor da Agência Estado e da Gazeta Mercantil e atual consultor em comunicação corporativa]

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