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segunda-feira, 7 de abril de 2014

Um mosaico de sentimentos, de revelações, de sinceridade, de palpites de Paulo Coelho em entrevista à Época

Paulo Coelho: “A barra vai pesar na Copa do Mundo”

Paulo Coelho (Foto: Andreas Rentz/Getty Images for IWC)
Paulo Coelho -  "Eu era um dos idiotas que acreditavam que a Copa do Mundo melhoraria a infraestrutura do Brasil" (Foto: Andreas Rentz/Getty Images for IWC)

O escritor brasileiro mais famoso do mundo diz que não vem ao Brasil ver os jogos do campeonato mundial de futebol porque está decepcionado com o governo, a Fifa e os escritores nacionais


LUÍS ANTÔNIO GIRON, DE GENEBRA
05/04/2014 11h33 - Atualizado em 07/04/2014 13h32 
O escritor Paulo Coelho tem 66 anos e convive com dois stents no coração por causa de um acidente vascular que sofreu em novembro de 2012. Mas nunca esteve tão jovial como agora. Sempre em estado de exaltação e hiperatividade, casado há 34 anos com a pintora Christina Oiticica, ele está à frente de um movimento de jovens escritores fantásticos que pretendem renovar a ficção literária por meio da interação das redes sociais. Ao longo dos anos, aprendeu a dominar as ferramentas da internet. Isso lhe permite controlar tudo o que acontece em torno de sua obra na rede. Tem 28 milhões de seguidores nas redes sociais, dialoga e interage com seus leitores, que hoje ele prefere chamar de internautas. Seu novo romance, Adultério (Sextante, 240 páginas, R$ 24,90), conta uma história tradicional de traição, mas inova no método. Pela primeira vez, um grande escritor conhecido mundialmente se valeu das redes sociais para construir enredos e criar personagens. Ele concedeu esta entrevista exclusiva em seu apartamento em Genebra, na Suíça. Enquanto realizava várias tarefas simultaneamente (computador, arco e flecha e orações), abordou os mais variados assuntos, do seu desagrado com o Brasil atual aos avanços do papa Francisco. Não visita o Brasil oficialmente há uma década, nem pretende comparecer à Copa do Mundo, apesar de ser convidado vip da Fifa. Mesmo torcendo pelo Brasil, ele faz previsões não muito otimistas em relação ao evento. Além de temer o aumento da violência dos protestos em torno dos estádios, ele não aposta que o Brasil vai ganhar a Copa. O Brasil corre o risco de ter uma grande decepção. O tema que predominou nessa conversa que durou seis horas foi o de sua predileção: a arte de contar histórias. E sobre isso ele tem muito a ensinar aos desnorteados autores brasileiros. Esta é provavelmente a entrevista mais longa de Paulo Coelho já publicada. E talvez uma das mais densas.

>>Leio trecho de Adultério, de Paulo Coelho
Época - Por que o senhor trocou a França pela Suíça?
Paulo Coelho - Tudo começou em 2006 quando entrei na viagem que a Europa ia começar a proibir imigrantes e exigir vistos. Era paranoia. A Europa está vivendo um momento complicado, desemprego, essas coisas todas. E eles iriam começar a pedir visto para todo mundo, como já houve antes. Eu entrei na paranoia de que precisava ter uma residência europeia, e eu não tinha.
Época -Mas o senhor morava na França, em Tarbes, nos Pirineus, e depois em Paris, não é isso?
Coelho: Eu não morava lá. Eu passava alguns meses lá. Porque se eu morasse eu iria ser grampeado em 60% do meu dinheiro. Não podia exceder três meses de permanência. Tinha só visto de turista e não permissão de residência. Na França não dava. Tinha a Espanha e Portugal.

Época - A França cobra impostos altíssimos. Tanto que o ator Gérard Depardieu abriu mão da cidadania francesa.
Coelho - Eu entendo o Gérard Depardieu que adotou a cidadania russa e não só eles outros artistas franceses que foram embora. Todos eles saíram da França. O imposto na França é bem aplicado, você vê onde ele está, o governo mostra o que está fazendo com ele. O francês tem tudo. Meu advogado é suíço e ele me sugeriu para pedir o visto na Suíça. Eu disse que seria muito difícil. Ele disse que eu tinha meus amigos no país e poderia recorrer a eles. Disse: ‘Faça seu lobby, consiga três cartas e a gente tenta dar um jeito’. A Suíça não é impossível, mas é hiperdifícil, e em certas cidades como Genebra é impossível. O Ivo Pitanguy tem uma casa em Statt, mas aqui não. Eles admitem que o estrangeiro compre uma casa só em certas cidades.  Eu queria aquilo que eu tinha na casa dos Pirineus e que não tinha mais em Paris: campo, possibilidade de andar todo dia e aeroporto. Pedi ajuda ao Klaus Schwab, presidente do Fórum Econômico de Davos, pedi ao meu editor e a Adolf Ogi, o presidente da Suíça. Mas o presidente tinha ciúmes de mim. A gente se encontra em alguns comitês, mas não somos amigos. Eu me lembro que eu estava no banheiro com ele, a gente fazendo xixi e eu disse olha, eu vou precisar de uma carta sua me recomendando para ter permissão de residência na Suíça. Ogi foi simpático, político: ‘Deixa que eu quebro, desde que seja dentro da lei.’ Pela resposta, pensei que não iria conseguir. Mas o advogado insistiu e mandou a carta. Um dia depois, a carta de resposta chegou para o meu advogado. Não acreditei. Meu advogado me disse o que aconteceu: ‘A secretária do Ogi, que é sua fã, insistiu que ele deveria assinar a permissão! Botou a carta na frente dele e disse: assina aqui’. Eu tinha a permissão de residência. Basta pagar impostos e não cometer crimes.
Época - E o senhor comunicou a mudança de residência à Receita Federal do Brasil?
Coelho - Sim. Em 2006, comuniquei à Receita de que era residente fiscal em outro país. Aqui pago imposto de cerca de 30% sobre a renda, mais ou menos como o Brasil. Mudei a residência fiscal. Tudo o que eu ganho no Brasil vem para cá, já como imposto retido lá na fonte antecipadamente. Peguei a certidão negativa e cinco anos depois continuo legal. É o sétimo imposto já que vou declarar na Suíça. E aí tem uma série de sutilezas. Eu morava em um outro apartamento aqui perto. Em Genebra não se acha apartamento e é dificílimo uma permissão para morar em Genebra. Em 2009, aluguei um apartamento logo que vim de Paris e me arrependi porque o apartamento tinha sido feito por Le Corbusier, um suíço que fez mal à Arquitetura. Experimentei o que era Le Corbusier. Para mim, nunca mais. Eu disse à Christina que ela tinha três dias para comprar um apartamento, e ela conseguiu um apartamento ótimo de 800 metros quadrados de terraço e só 200 metros quadrados. Lá eu recebia todo mundo, o presidente suíço, o Fernando Henrique Cardoso, todo mundo.. Genebra só pode ser uma quantidade fechada de habitantes: 195 mil.

Época - Em 2009, o senhor resolveu mudar de atitude em relação à imprensa também?
Coelho - Sim. Eu resolvi que não ia dar mais entrevistas porque entrevistas não vendem livros. Eu tinha notado que o contato com comunidades sociais poderosas era melhor, não tanto na época. Eu resolvi lançar meus livros com as redes sociais para não ter que responder perguntas sobre o que faço com meu dinheiro, como eu explico o meu sucesso etc. Aí a minha agente, Mônica, insistiu que eu desse uma entrevista para uma televisão da Suécia.

Época - Aliás, entrevista como a que estamos fazendo está virando um gênero raro, porque as pessoas estão se auto entrevistando pela internet.
Coelho - É claro, elas postam no Twitter. Quando tem que declarar alguma coisa, faz pela internet. Eu topei a entrevista para a Suécia. A mulher veio até o meu apartamento e imaginava que eu morava em um castelo. Aí fui ler o post no Twitter dela no dia seguinte e ela disse que eu morava em um cabana. Não era cabana. Era um apartamento de cinco cômodos. A pessoa tem mania de grandeza projetada na celebridade. Eu fui dar uma entrevista e a mulher me esculhambou.
Época - O senhor morava em uma cabana com muito amor em Genebra...
Coelho - Pois é, uma cabana em uma cidade com o metro quadrado mais caro do mundo. Eu entendi aquilo como um sinal de que eu devia mudar. Resolvi comprar outro apartamento. Vim ver este em Champel, gostei, tem terraço, lareira, tiro ao alvo, supermercado. Aqui perto, tem tudo o que eu preciso. Eu fui falar com o advogado e ele disse que ninguém podia ter apartamento, exceto os suíços. Só com uma permissão de residência com direito a trabalhar aqui, que leva dois anos. A saída foi usar meus contatos, e levei dois meses. E aí comprei este apartamento e ainda não vendi o outro. E posso trabalhar aqui. Eu posso abrir uma loja, ser empregado de alguém etc. Por isso que me mudei para cá.
Época - Por que o senhor escolheu Genebra para viver, uma cidade considerada entediante?
Coelho - Todo mundo me pergunta isso. É um lugar praticamente habitado por suíços, e as pessoas são raras e vão para casa cedo. Mas é uma das cinco cidades do mundo que têm a maior qualidade de vida: sistema de saúde e transporte, e segurança. São três coisas fundamentais para mim.


Época - Houve algum motivo forte para o senhor se afastar do Brasil?
Coelho - Faço questão de ser brasileiro e adoro o meu país. Sou um exilado cultural do Brasil. O país me decepciona em vários sentidos. Ele foi dominado por uma onda de conservadorismo que despreza as conquistas do povo, como os direitos trabalhistas para as empregadas domésticas e a mobilidade dos trabalhadores, como as faixas de ônibus, que acho totalmente justas. O trabalhador tem que sair de casa longe e aí tem à disposição a faixa de ônibus. E as pessoas ficam furiosas porque tem engarrafamento. Ora bolas. Respeite o trabalhador, pegue o ônibus. É o que a gente faz aqui: o ônibus com horário e ninguém vai roubar. A classe média brasileira se sente desprivilegiada porque a empregada e o trabalhador têm direitos. Este é um direito básico de qualquer pessoa, o direito ao transporte. Na Suíça, você pode sair de carro. Mas o sinal só deixa passar dois carros por vez. Em um mês de carro em Genebra você não aguenta mais. Aí pegar ônibus é mais confortável. É alucinante ir ao centro de carro. O táxi e o ônibus têm privilégios. Estou muito contente de morar em Genebra, e todo mundo me critica.É uma cidade sem muitos atrativos, mas adoro aqui. O fato de ter dois apartamentos aumentou o imposto, mas tudo bem.
Época - O senhor não sente falta do apartamento de Copacabana ou da casa dos Pirineus?
Coelho - Nenhuma! Eu sou um cara que não olho para trás. Eu me mudei da rua Raimundo Corrêa para a avenida Atlântica e não senti nada. E hoje quando vou ao apartamento da Atlântica não sinto nada, porque minha alma já não está mais lá. Cogito seriamente, da próxima vez, ficar em hotel. As coisas vão perdendo a sua energia. Vou porque sou obrigado a ir aos Pirineus porque você não pode abandonar uma casa. Havia uma casa entre mim e os Pirineus. Comprei e derrubei a casa que estava entre mim e os Pirineus e fiz um lado, diante de mim só tinha terrenos cultivados. Você não precisa de muito espaço. Ninguém precisa. É uma ostentação tremenda. Não vou dizer que me arrependo de ter uma casa lá porque foi minha primeira casa na Europa. Mas podendo vender, eu vendia.
Época - Faz tempo que o senhor não vai ao Brasil?
Coelho - Foi em 2012. Não faço trabalho mais em nenhum lugar do mundo. Não viajo a mais lugar nenhum, eu não dou entrevista. Eu escolhi o seguinte: quero continuar com o trabalho que eu amo muito. Mas este trabalho não me exige que eu viaje. Eu tinha um novo mundo para conhecer em um raio de, vamos dizer, uma hora. Conheci muitos lugares durante dois anos. Depois fiquei com preguiça de sair de casa. Aí eu decidi com a Christina, ‘ meu amorzinho não podemos continuar assim não. Vamos virar plantas. Vamos nos forçar a ir além, e visitar pelo menos três locais por semana’. Só neste ano já visitamos 144 cidades. Eu aproveito a vida, mas às vezes me vem uma dúvida de que talvez nem tanto. Daí, me viro para Chris e pergunto: ‘Será que estou perdendo alguma coisa?’
Época - Seus leitores não sentem falta do contato pessoal?
Coelho - Não, porque estão ligados comigo na internet. Minha ausência física não ocorre só no Brasil. Deixei de fazer turnês de lançamento e noites de autógrafos porque eram muitos desgastantes. A última vez que fiz isso anos atrás, em Moscou, houve tumulto, 500 pessoas ficaram de fora da livraria gritando que queriam entrar. Era impossível controlar a multidão. Desde então, mantenho contato direto com os meus leitores pelo blog, pelo Twitter e pelo Facebook. Mas o Brasil é minha terra e nunca estou distante dos leitores. Essa cobrança eu tenho no mundo inteiro. Eles cobram a minha presença.
Época - O senhor deixou de fazer turnês e marcar presença em pequenas livrarias?
Coelho - Sim, desde 2006. Era uma experiência muito frustrante, pela maneira como a coisa era apresentada. Anunciavam o evento, o leitor vinha. Tinha graças a Deus 500 leitores por sessões, em qualquer lugar. Esses leitores não me davam um só livro, mas uma média de cinco livros cada um para eu assinar. Eu olhava o leitor, falava com ele, assinava. Mas não sou uma máquina de assinar. Acrescentado o fato de que todo mundo tem uma máquina fotográfica e quer tirar um retrato comigo, cinco livros multiplicados por 20 segundos, entre abrir o volume e assiná-lo, dá dois minutos por leitor. Em uma hora, eu tinha falado com 30 leitores. Em duas horas, 60... E as pessoas nervosas, e o cara da livraria querendo fechar. Isso se repetiu com tanta frequência que eu resolvi não dar mais autógrafos. É uma regra que estabeleci em 2006. Há exceções, como na Fnac de Genebra etc. No Brasil, eu me defrontava com o mesmo problema, quero dizer, com a mesma bênção. A ausência do contato direto e físico não diminuiu o meu contato com o leitor.
Época - Em relação a seu trabalho, a internet se tornou muito mais influente que os meios de comunicação tradicionais?
Coelho - Quase não concedo mais entrevistas e já não preciso da imprensa como antes para lançar meus livros. Hoje sozinho tenho mais seguidores do que o número total de leitores dos dez jornais de maior circulação no mundo. No Facebook, agora, estou abaixo de Shakira e do Facebook na lista que calcula a frequência de páginas que estão falando. O MIT - Massachusetts Institute of Technology, divulgou recentemente uma pesquisa sobre as maiores celebridades do mundo. No Brasil, eu sou o quarto mais famoso. Pelé é o primeiro e eu sou o quarto. O Lula é o décimo. Quer dizer, estou presente no Brasil.
Época - O senhor tem ido incógnito ao Brasil?
Coelho - Sim. Tem pessoas que eu gosto muito no Brasil. Quando tenho alguma coisa para dizer, vou lá e digo.
Época - O senhor recebe muitas críticas e reprimendas de internautas que não gostam de sua obra. Isso o incomoda?
Coelho - Não, isso é natural. Quem não é trolado não existe na internet.
Época - O senhor pretende ir à Copa?
Coelho - Não. Eu tenho convite da Fifa, mas não vou à Copa. Eu tenho ingresso, e você não pode passar o ingresso para outro, quando você é brasileiro, que é o meu caso, porque tem o número do imposto de renda. Nunca sonhei nem quis a cidadania Suíça. Prefiro aguentar tirar visto americano a deixar de ser brasileiro. Quero ser brasileiro até o final dos meus dias. O que mais decepcionou foi o governo brasileiro. É profundamente legítimo que o Brasil mostre ao mundo a situação atual do governo brasileiro. E isso ocorrerá durante a Copa, quando todos os olhos estarão voltados para o Brasil. Isso não será uma coisa negativa. Seria contraditório com meus princípios ter  meus ingressos, estar lá dentro, sabendo o que está acontecendo lá fora. Já que o foco vai estar no Brasil, são mais justas as reivindicações que são feitas.

Época - O que está acontecendo no Brasil, de bom e ruim?
Coelho - No lado bom, o governo aumentou a qualidade de vida do brasileiro. Há milhões de pessoas que saíram da linha da pobreza. É um processo que vem dos tempos de Fernando Henrique Cardoso. O Brasil vem melhorando a qualidade de vida dos cidadãos. Por outro lado, existe um descaso. O poder cega. Você só vê as coisas boas e não as negativas. Acontece um aumento brutal da violência nas cidades, injustiças que vêm acontecendo, corrupção. Enfim, não preciso enumerar zilhões  de fraudes. Falta de infraestrutura.
Época - A Copa não é positiva para o Brasil?
Coelho - Eu era um dos idiotas que acreditavam que a Copa do Mundo melhoraria a infraestrutura do Brasil. Eu vi isso em Barcelona nos Jogos Olímpicos. Barcelona é antes e depois dos Jogos Olímpicos. Lutei pela entrada no Brasil em comitês na Copa e nas Olimpíadas. Nunca mais. A barra vai pesar na Copa. A Copa será um foco de manifestações justas por um Brasil melhor. Os protestos vão explodir durante os jogos porque vai haver mais gente fora do que dentro dos estádios. Espero que isso ajude a mudar o Brasil. Isso dará visibilidade ao brasileiro e ao estrangeiro. O Brasil não está despedaçado por causa das manifestações. Mas ele está longe de ser aquela coisa que o governo pinta. Temos problemas estruturais que vão estourar ainda, problemas econômicos básicos. Chegará o momento em que alguém vai apresentar a conta. Eu me sentiria profundamente constrangido de assistir a jogos de futebol com o Brasil vivendo tantos problemas. Pode ser que eu vá, mas para ver os jogos na televisão.
Época - Ser convidado especial é muito bom, não?
Coelho - É maravilhoso. Você tem bufês fantásticos, vai de ônibus especial, você janta, encontra pessoas. É uma sensação tão maravilhosa. É uma delícia. Mas tenho de ter uma posição política.
Época - O Brasil tem chances de vencer a Copa?
Coelho - Não sei. Eu torço pelo Brasil. Tem um ótimo time. Eu já cravei muito resultado. Disse a Época que o Brasil ia ganhar a Copa das Confederações e ganhou. Eu previ Brasil e França – o L’Express cravou na capa e eu acertei. Agora não sei. Certamente o Brasil irá à final com a Alemanha ou a Espanha, duas seleções fortíssimas nesta Copa. A Argentina não. A Suíça vai surpreender. Eu ousaria dizer que a Suíça vai para as quartas. No futebol, você tem que ser otimista, não tem outra escolha. O Brasil tem chances de não ganhar.
Época - As manifestações de rua vão aumentar durante os jogos? Ou o clima será de panis et circenses?
Coelho - Não chega a ser assim. Para o exterior isso pode ser. A Copa é a coisa mais importante do mundo. O brasileiro está muito mais consciente. Para o Afeganistão, a Copa vai ser panis e circenses. Ainda espero que o circenses interfira no panes no Brasil.
Época - A Fifa prometeu conforto ao público.
Coelho - Pois é, prometeu reservar ingressos para incapacitados e pessoas com problemas de mobilidade. Fifa não cumpriu o que prometeu. O Romário denunciou isso. O Brasil vai contar com polícia e repressão violenta.
Época - Hoje as manifestações no Brasil incluem o vandalismo. Os Blackblocs têm um papel positivo na mudança do Brasil?
Coelho - Não. É o fim da picada. Eles são vândalos que se escondem no anonimato das máscaras. Não há nada mais covarde e condenável que o anonimato. É a coisa que mais me deixa triste com a internet. Todo mundo se julga com direito de insultar. Isso faz parte. Quem não é trolado não existe. Todo mundo que existe tem que ser trolado. Porque você está incomodando. O Blakc bloc é o anonimato real. As pessoas cobrem seus rostos e aproveitam para vandalizar.
Época - O que o senhor acha de astros como Caetano Veloso posarem vestidos de black blocs?
Coelho - Me surpreende certos artistas, como Caetano Veloso, posarem para uma foto fantasiados de black bloc. Ele depois disse que não sabia do que se tratava. Ora, Caetano não é ingênuo. Eu não posaria para uma foto vestido com traje de um movimento que eu não conheço. Acho que ele também não faria isso. Artistas que apoiam black bloc apoiam a covardia. Porque o black bloc se aproveita de movimentos por motivos espúrios.
Época - O senhor não posaria para uma foto vestido de black bloc?
Coelho - Jamais. Nem diria que eu não sabia o que eu estava fazendo. Eu sei o poder da minha imagem, como os artistas sabem o poder de sua imagem. Toda hora vivo essa situação: o político corrupto, o fundamentalista, o antissemita querendo tirar foto comigo. Me desculpe, mas não tiro. Pode ocorrer, mas quando eu sei, não. Para não falar de convites de ir para tudo quanto é país, para o tapete vermelho, todo canto. Eu recuso, porque estou ocupadíssimo para visitar minhas cidadezinhas.
Época - O resultado da Copa vai interferir nas eleições presidenciais?
Coelho - Sim, mas vai ser difícil a Dilma não ganhar. Até porque o PT, depois de reformas estruturais, começou a derrapar para o clientelismo. Já seria o momento de renovar o cenário brasileiro. Existe um lado do Brasil que eu detesto: o moralismo. O Brasil está ficando moralista demais, no mau sentido.
Época - Mas há candidatos que podem se opor à Dilma com uma agenda talvez mais moderna.
Coelho - Marina Silva é a figura mais emblemática do moralismo. Eu ficaria muito assustado se a Marina Silva ganhasse. Representa tudo o que o Brasil deveria evitar: o moralismo, o conservadorismo e o atraso. Ela está acabando com as chances de Eduardo Campos, se é que ele tinha alguma. Os dois perderam tudo, é uma aliança que não deveria ter sido feito. Aécio também não vai ganhar. O problema não é o PT no poder ser incompetente. É seus adversários serem ainda piores. São adversários de uma incompetência única na história do Brasil.
Época - Sua defesa das biografias não-autorizadas é veemente. O que o senhor acha dos artistas que se reuniram para tentar impor a censura às biografias?
Coelho - Eu entendo que o Roberto Carlos seja contra as biografias. Ele é o que é. Mas não perdoo o Chico Buarque. Logo ele, o artista libertário por excelência, vir defender a ideia de controlar a informação sobre a vida pública dele, isso me desapontou profundamente. Se sair uma nova biografia do Chico, não vou ler nem comprar, pois eu sei que é chapa-branca.  Minha geração envelheceu mal.
Época - Qual a sua atitude diante das várias biografias sobre você e até de uma cinebiografia que estreia em agosto, Não pare na pista?
Coelho - Nunca vistorio as biografias produzidas sobre mim. O Fernando Morais fez minha biografia [O mago, de 2008] e agora se considera dono do assunto. Não gostou quando a jornalista Hérica Marmo lançou A canção do mago, em 2007, ano em que ele estava escrevendo a dele. A biografia de Hérica é melhor que a de Fernando Morais. Eu disse: ‘Fernando, você não é dono da minha vida. Nem eu sou, como você quer ser?’Eu não sabia de nada até então, e adorei o filme. Porque ele é fiel à minha vida, inclusive nas partes negativas, como minha relação conturbada com Raul Seixas e o desprezo que manifestei contra meus pais quando eu era hippie. O ator Júlio Andrade está excelente como Paulo Coelho. Sou dono de minha vida? Claro que não. Todo mundo tem o direito de exprimir o que pensa sobre a vida dos outros.
Época - O senhor quase morreu dois anos atrás. Esse fato mudou sua forma de ver o mundo ou mesmo a sua forma de escrever?
Coelho - Foi uma morte anunciada. O médico disse que eu ia morrer na operação. Soube na segunda-feira que iria morrer na quarta-feira. Não acreditei. Na noite de terça para quarta, eu estava com o iPad, Christina estava dormindo. Não me abalei. Naquele momento, fiz um balanço de minha vida e concluí que havia feito tudo o que eu sonhara: vivia há mais de 32 anos com a mulher que eu amava, a metade da minha vida, fiz todas as loucuras que podia fazer, paguei um preço por isso, mas não me arrependi. Comi todas as mulheres que podia ter comido, viajei ao mundo como mochileiro, fui rico. E terceiro: realizara o sonho de ser escritor e o projeto de levar a milhões de pessoas a mensagem de que elas podem realizar suas lendas pessoais. Larguei tudo para lutar por um sonho. E quarto, era bem-sucedido. Pensei: morro tranquilo. Estava pronto. Christina ia ficar muito bem financeiramente. Eu já tinha meu testamento escrito havia alguns anos, grande parte do dinheiro iria para as obras sociais (no final, ele irá todo). A iminência de morrer não mudou minha vida. Continuo a ser o que sou. A única coisa que eu rezo é estar naquele mesmo espírito de quando soube iria morrer. Claro que eu me arrependo de algumas coisas, seria egoísta se não tivesse me arrependido. Mas me vinguei de quem devia me vingar, chutei quem me chutou. Não mudei na minha maneira de escrever, na minha vida e na minha fé. Me perguntei se não tinha feito algo que queria. A resposta foi não. Comprei um avião em 2006, pequeno, carrega sete pessoas. Um ano depois de ter viajado muito, me arrependi, já queria vender, mas não se vende avião.
Época - Mas o senhor se tornou mais crítico nos últimos tempos, não?
Coelho - Certamente estou mais crítico com relação ao mundo, porque eu vejo que minha geração traiu seus ideais, tornaram-se moralistas. Estou desiludido com o neoconservadorismo que assolou a humanidade. Tudo aquilo que lutamos em nome da liberdade virou conservadorismo total. Com 66 anos, estou talvez um pouco mais crítico. As guerras são as mesmas, as pessoas se comportam da mesma maneira, infelizmente a manipulação é a mesa. Mas isso não quer dizer que perdi a esperança de que essa situação seja reversível - nem a fé. Continuarei lutando no que eu posso de alimentar o desejo de dizer às pessoas para darem um basta e seguirem o sonho delas. Largue isso!
Época - Como surgiu a ideia do romance Adultério?
Coelho - Você já ouviu falar do Relatório Kinsey? É um livro que quando eu era criança estava muito em voga. O entomólogo Alfred C. Kinsey começou a ver que os alunos deles tinham problemas de sexualidade. Ele parou de estudar insetos para se dedicar à sexualidade. E viu que o problema das pessoas era sobretudo a culpa. Ele dizia: “Todo mundo que vem até mim acha que só ele se masturba, só ele gosta de homem, só ele tem certos fetiches. Então vou estudar o tema.” Com uma bolsa da Fundação Rockfeller, ele publicou em 1950 o tratado O comportamento sexual do homem. Aquilo virou um bálsamo para milhões de homens. Eu resolvi fazer um post perguntando sobre o que mais angustia as pessoas hoje em dia. Eu queria escrever algo sobre a depressão. Submeti a ideia nos fóruns da internet e no meu blog e pedi que os internautas enviassem relatos sobre suas experiências de depressão. Recebi centenas de respostas, mas o problema não era a depressão. Todo mundo se julgava infeliz por causa do adultério. Foi uma surpresa descobrir que o que atormenta mais as pessoas hoje não é a depressão, mas a traição. As pessoas achavam que era depressão, mas eu sabia que não era porque eu tenho um deprimido na família, o irmão da Christina. Nos fóruns, observei como as pessoas discutiam a traição. Muitos amigos que se separaram por causa de uma noite de sexo. Aí a pessoa que se separa se arrepende. E aí foquei em uma pessoa. Foi o e-mail detalhado de uma leitora que serviu para eu criar a personagem de Linda e construir um enredo sobre a culpa e a traição.  O livro é 100% verdade.
Época - Como o seu leitor vai reagir ao livro?
Coelho - Não sei. Mas a esta altura do campeonato, tenho de fazer o que o meu coração manda. Tem gente que não vai comprar. Você não vai dar à sua mulher ou ao seu marido um livro chamado Adultério. Porque vai ficar com a pulga atrás da orelha. Por outro lado os editores queriam que eu mudasse o título. O mais sugerido foi “O caso”. Eu teimei, vamos ver se as pessoas estão maduras para lidar com esse título. Porque 50 Tons de cinza é um título que não muda nada, por exemplo. Vamos ver no que vai dar.
Época - No livro, o senhor distingue a reação à traição feminina da masculina. Como é essa diferença?
Coelho - O homem que trai é como se isso fosse uma coisa tolerável pelos outros. É uma tristeza ver esses caras traindo porque eles querem recuperar a juventude perdida. A mulher que trai é uma puta. Ora, isso não é justo. O mundo é extremamente machista com relação a isso.
Época - Uma das mensagens do livro é sobre a importância do amor. Como diz a narradora de Adultério, “é melhor não viver do que não amar”. O amor continua a exercer seu papel em um mundo cada vez mais materialista?
Coelho - Cito Paul McCartney, que respondeu: “All you need is Love” (tudo do que você precisa é amor). O amor é o elo entre tudo, entre todos os tipos de amor. Linda está em busca do amor não no sentido de fazer sexo. É o de paixão pela vida. As pessoas acham que casamento deve permanecer sempre igual. Casamento é uma força viva. Tem conflitos. Manter casamento como o meu foi por meio dos conflitos, graças a Deus. O segredo é saber que o interessante no casamento é o desafio diário dele. Achar que está tudo certo porque você ama ou a mulher te ama, isso não existe. É preciso lidar com as crises, com as diferenças de opinião.
Época - A nova literatura erótica jovem adulta de E.L. James e outras autoras reafirma o papel do macho. O senhor gosta desse tipo de livro?
Coelho - Claro que reafirma a figura do macho. Mas parabéns a 50 Tons de cinza, porque, sem esse fenômeno editorial, o mercado teria sofrido muito mais. Foi um livro que fez mercado editorial. Não conheço a E.L. James, mas já gosto dela.  Ela mobilizou as pessoas a entrar na livraria. Era algo que não acontecia há algum tempo.
Época - Por que os fenômenos editoriais estão mais difíceis de acontecer hoje?
Coelho - O mais recente foi O Código Da Vinci, de Dan Brown, foi um fenômeno editorial inesperado. É um mercado imprevisível e em avançado estado de negação. As pessoas não querem mais ler.
Época - Os novos fenômenos editorais, como A Guerra dos Tronos, de George R.R. Martin, em que os autores escrevem as histórias quase ao mesmo tempo em que são filmadas, ajudou a derrubar o livro em papel?
Coelho -
 O auge do livro foi em 2008. O mercado cresceu e, de repente, entrou em queda livre. Só fizeram sucessos trilogias como Crepúsculo e Jogos Vorazes. É como Justin Bieber: a gente não entende muito, mas as pessoas gostam e vende para caramba e estimula a leitura. O que acontece agora é a concentração do mercado em menos pessoas e empresas. Hoje em dia as pessoas têm muita informação semelhante à dos livros. Conto uma história num post no blog e ela tem a mesma situação de um livro. A literatura está se transformando, da mesma maneira como a literatura se transformou com a invenção da imprensa. Apareceu a literatura popular, que não existia antes da imprensa. Ela era limitada aos mosteiros e aos conventos. De repente, começaram a contar boas histórias, e aí surgiram os Contos da Cantúária, Shakespeare etc. Antes a literatura era escrita em versos, depois a prova. O livro eletrônico não é nenhuma ameaça.
Época - Mas a ascensão do livro digital e a concentração da indústria do livro vão alterar o mercado?
Coelho - O que mais lamento é a desaparição das livrarias. As livrarias têm uma função social, descoberta e de entretenimento. Os livreiros não conseguiram segurar a onda – e as livrarias de bairro estão sendo varridas pelas grandes redes. E as grandes redes vão fechar. A primeira grande cadeia de livrarias a fechar suas portas foi a Borders em 2010.
Época - Qual dos novos meios digitais foi o mais determinante para a transformação da maneira de escrever ficção?
Coelho - Os blogs proporcionou  a mudança radical. Foram os posts que mudaram tudo. Ninguém mais lia um texto de 15 parágrafos. Até reduzir para três parágrafos. Você está compartilhando conhecimento e dizem que eu não estou ganhando nada. É a necessidade do ser humano de compartilhar e dividir.
Época - Há mais de dez anos você oferece seus livros de graça pela internet. Isso lhe causou problemas?
Coelho - Causou no início, para as editoras, para mim nunca. Para mim só aumentaram os leitores, e só aumentaram desde então. Estou semeado no BitTorrent com os meus livros. O fato é que sempre tem que ter um culpado. Não é a pirataria. Se a pirataria atrapalhou em algo, foi no modelo econômico do cinema. Mas o cinema já está mudando com os serviços de streaming como Netflix. A Apple foi a salvação do mundo da música.
Época - Como a indústria do livro vai se adaptar?
Coelho - A falácia é que o livro eletrônico ameaça o impresso. Não é verdade. Se o menino ler Adultério e gostou, ele vai falar para a mãe, que acaba comprando o livro na livraria. O que se quer é um preço único e alto. É outra falácia. Por isso, com preço alto, as pessoas não vão mais ler. O público do livro digital, mas o em papel se destinam a públicos diferentes. Os livros digitais têm de custar bem menos que US$ 9,99. Eu sugiro US$ 2,99. E assim haveria uma diferença de preço considerável e ajudaria a enobrecer o livro em papel. Mas todo mundo é obrigado a pagar caro por causa dos oligopólios. A indústria do livro tem que encontrar um novo modelo de negócios. Por enquanto, estão se formando grandes conglomerados editorais, como agora Penguin/Harpers Collins – grupo que comprou o grupo espanhol Santillana e sua filial no Brasil, a editora Objetiva, que agora se uniu à Companhia das Letras. Aonde isso vai chegar, não sei. O resultado, por enquanto, é que em 2013, a venda dos livros digitais caiu tremendamente.
Época - O senhor sempre foi ousado. Hoje tem medo de correr riscos?
Coelho - Não tenho medo de esquiar risco. Lançar um livro é o maior risco que um escritor pode ter. Ninguém me obriga a escrever, a nada na essência da minha coisa. Os pequenos riscos físicos sim, como subir uma escada ou esquiar, eu preciso tomar cuidado. Mas lançar um livro, escrever um post, escrever algo no que acredito, discutir. 
Época - Mas o senhor não pulou de asa delta para escrever um capítulo de Adultério?
Coelho - Não, ainda não pulei do alto de uma montanha. Mas ainda pretendo fazê-lo. Tentei em Interlaken. Quase fui, mas no fim eu amarelei. Pensei, pensei e dançou. Um dia eu volto lá.
Época - O senhor trabalha por impulso ou por projeto?
Coelho - A minha literatura é totalmente guiada pelo inesperado. Nunca planejei livro nenhum. Eu nunca podia sonhar que um dia iria escrever sobre o adultério, palavra de honra, até descobrir que era um problema para as pessoas. E escrevi sem segredo. Eu costumo partir de uma ideia vaga. Mas nunca é a primeira opção que eu faço. Quero escrever sobre a traição terrível, da amizade. A toda hora tenho ideias. Eu sempre comecei com uma ideia A e terminei com a ideia B, C, ou D. Quando escrevi Brida, na verdade eu queria escrever Na margem do Rio Pedra, mas não consegui. É sempre assim, mas termina vindo a coisa. Eu sou guiado por um tema, por encadeamento que você vai se distanciando.
Época - O senhor não acha que esses esquemas novos causam pânico entre os autores, especialmente os consagrados como o senhor, no sentido de que os direitos autorais possam ser reduzidos?
Coelho - Acho que autores que entram em pânico por causa de direitos autorais deveriam escolher outra profissão. Ninguém começa a escrever pensando nisso - a ideia é manifestar sua alma através da escrita. Eu, por exemplo, gasto um tempo enorme postando textos no Twitter e Facebook, não ganho um centavo por isso, mas creio estar cumprindo meu papel social.
Época - Passado um ano do pontificado do papa Francisco, que análise você faz do pontificado. O papa está empenhado em transformar a igreja ou é, como alguns dizem, mera estratégia retórica?
Coelho - Não apenas empenhado, mas já começou com reformas estruturais profundas. Francisco está sendo um divisor de águas. É óbvio que, em uma instituição milenar, estas reformas vão demorar para serem vistas - e além do mais há a resistência do clero mais radical no Vaticano. Mas estudei em colégio jesuíta, e sei que são tenazes quando se propõem a fazer algo. Francisco é jesuíta.
Época - Sua atitude na Feira de Frankfurt, de criticar os critérios da curadoria brasileira e se retirar da comitiva brasileira criou uma cizânia no meio literário nacional. De um lado, estão os autores que se consideram literatos bradando contra sua atitude. De outro, estão os jovens escritores fantásticos que o apoiam e o cultuam como um deus. Por que o senhor tomou essa atitude?
Coelho - A comitiva de autores brasileiros que excursionou para Frankfurt foi para lá por nepotismo. Além disso, saí do evento porque a maior parte dos 70 autores convidados não representava a literatura brasileira viva da atualidade. Na realidade, tratava-se de um grupo de amigos que foi viajar às custas do governo, medíocres que não só não fazem boa literatura como não possuem leitores. Quem são eles? Pretensiosos que não sabem escrever e nem planejar um enredo. Bom, prometi que vou à Feira de Frankfurt deste ano, porque senão me queimo com o presidente, que é meu amigo.
Época - O que o deixou mais irritado no caso Frankfurt?
Coelho - Foi o Manuel da Costa Pinto, o curador da comitiva brasileira ter afirmado a um jornal alemão de que eu e Jorge Amado vendíamos livros, mas éramos péssimos. No meu caso, ele disse que eu não poderia nem mesmo ser considerado representativo da literatura brasileiro. Que esse cara está dizendo? O talento de Manuel da Costa Pinto é ser jurado de qualquer coisa. O destino dele é este. Ele não é capaz de vender um único livro com as críticas dele. Até para ler uma crítica é difícil. Achei as afirmações dele grosseiras, porque eu havia sido convidado pelo presidente da Feira de Frankfurt. Aceitei sem ver a lista. Quando eu vi os escritores escalados, não acreditei. Eu conhecia no máximo 19 – e um eu tenho dúvidas, que sou eu mesmo. Quem são esses outros 50, de quem nunca ouvi falar e de quem nunca havia lido um livro. Será que eu estou tão por fora assim da literatura brasileira? Fui pesquisar. Perguntei a todo mundo e ninguém conhecia. E os outros caras, que estão nas listas de mais vendidos, batalhando e representando a literatura brasileira, por que eles não estão na lista? Escritores excelentes do gênero fantástico, como Eduardo Spohr, André Vianco, a dupla Jovem Nerd e Raphael Dracon? Não concordava com aquilo. Disse ao presidente que uma pressão deveria ser feita para substituir nomes, e ele respondeu que todas as pressões haviam sido feitas Eu não tinha me preocupado com a lista porque é claro que eu ia estar lista, não é mesmo? Fiquei revoltado. Era uma chance única para mostrar o que se produz no Brasil. Eu vou estar nesse time? Eu não! Nunca fiz parte dessa turminha. Estava tudo armado para eu ir: 26 dos 27 os ônibus da Feita de Frankfurt tinham minha foto – o outro ônibus exibia a foto de Dan Brown. Tinha até uma versão de Onde está Wally comigo como personagem. Se eu fosse, eu validaria aquele festival de mediocridades.
Época - Sua atitude ajudou a desmascarar o esquema de panelinhas da literatura brasileira?
Coelho - Assim espero. Verifiquei se eles apareciam referidos na imprensa de língua alemã. Nenhum, salvo aqueles que falavam de mim. O Sérgio Sant’Anna falou mal de mim, e aí foi citado. Mas sobre a literatura dele, nada? Ignacio de Loyola Brandão falou, daí saiu, porque disse que fui indelicado. Não me arrependo nenhum pouco e marcou uma posição clara. Eu iria validar o nepotismo e o clientelismo.
Época - Na vida literária brasileira, hoje vale muito mais o marketing dos autores que seus livros.
Coelho - Marketing também entre eles. O cara fala do outro para não sem quem e assim por diante. Esses autores não escrevem nem para a elite. Eles escrevem um para o outro. Eles sofrem a síndrome de Van Gogh compulsiva, pensando que quando morrerem vão ser reconhecidos – e nunca o serão. Na literatura brasileira, essa síndrome é um problema sequíssimo. Dizem que os grandes artistas não foram reconhecidos no seu tempo. É mentira. Todos os grandes músicos foram reconhecidos quando vivo, de Bach, Mozart a Beethoven. Balzac, Zola, os escritores também foram. Van Gogh não foi reconhecido porque o irmão dele, Theo, não queria. Estava planejando um grande evento para lançá-lo. Van Gogh não era um pobre coitado. Os pintores que se destacaram – Picasso, Dalí, Velázquez. Vão estudar história de arte.
Época - O que esses escritores deveriam fazer para melhorar suas obras?
Coelho - Eu não sei. São pessoas que vivem de clichês, ao contrário do que às vezes sou acusado. Em vez de entender que o que fez a sabedoria humana pudesse atravessar milênios foi uma coisa chamada uma boa história. A história vem lá do início dos tempos, desde o Bhagavad Gîta na antiguidade. Jesus era um grande contador de histórias. Os escritores desde o século XX sofreram da influência de James Joyce, e passaram a achar que escrever difícil e não contar uma história era bacana. Experimentar é extremamente válido. Mas a maior experiência é a simplicidade. Vá para as coisas totalmente simples porque as muletas, os artifícios, tudo isso cai por terra, e vai restar a essência. Mas como eu acho que essa turma de escritores literários brasileiros não tem confiança no que escreve, complica de tal maneira que dá vontade de parar o livro na quarta páginas. Eles já eram complicados e resolveram ficar ainda mais complicados. Viraram europeus. Só que são brasileiros. Essa literatura que faz nem literatura universal, nem mesmo literatura. É uma pena porque é uma negação, quem sofre é o livreiro e o leitor. É diferente da literatura fantástica.
Época - Como a nova geração de autores fantásticos está colaborando para alterar a cena literária?
Coelho - Usei minha fama para apoiar esses jovens que cresceram com a internet que estão mudando o jeito fazer ficção no Brasil. Isso porque eles sabem contar uma história. Em primeiro lugar, eles conseguiram se impor no mercado cada vez mais global pelas próprias forças, pelo talento de suas histórias. Eles abriram o mercado brasileiro e abriram os olhos dos livreiros porque mostraram que nem todo mundo é igual a aquele pessoal que foi para Frankfurt. No meu tempo, o rótulo pejorativo era autoajuda. Agora existe um novo rótulo. Já que a indústria do livro não consegue explicar o que está acontecendo, eles criaram o rótulo “Jovem Adulto”. É um termo depreciativo, de gueto. Vá ler um livro de George R.R. Martin, J.K. Rowling, John Green e Ricky Riordan e você vai notar que são grandes escritores. Não fazem literatura Jovem Adulta. Fazem literatura, pronto. Você um livro desses caras, e eles prendem a leitura. Não é fácil jogar com a literatura fantástica.
Época - O senhor mesmo nunca usou literatura fantástica em suas obras, até por devoção a Jorge Luis Borges.
Coelho - Nunca, por devoção ao Borges e ao Robert Heinlein, autor do romance de ficção científica Duna, George Orwell e seu 1984. Tem Admirável mundo novo, de Aldous Huxley, que me marcou mundo. É por isso que nunca escrevo sobre o Brasil por culto a Jorge Amado. Não posso escrever sobre o Brasil depois que Jorge Amado fez isso tão bem. As pessoas me cobram se eu vou escrever uma trilogia fantástica, porque isso dá certo. Não consigo. Se algum dia eu escrever fantasia será com pseudônimo porque é um gênero que eu adoro ler e detesto escrever. Duna dá de dez em Tolkien.
Época - A nova geração que você tem inspirado e liderado talvez espere do senhor um tipo de saga fantástica à George R.R. Martin.
Coelho - É, a última coisa que eles querem é ler sobre adultério. É um risco, e é tentador escrever literatura fantástica. Sinto muita tentação, mas...
Época - Mas você é um autor brasileiro, com personagens brasileiros, não?
Coelho - Vejo o mundo com olhos brasileiros. É isso que importa. Não consigo ver o mundo com olhos suíços, franceses ou americanos. Eles têm visões de mundo muito diferentes, não contraditórias, mas diferentes. Então o escritor brasileiro está na alma, não naquilo que ele escreve. Minha história pode se passar na Suíça ou no Nordeste do Brasil. E está na língua portuguesa, na qual escrevo e a qual eu procuro simplificar ao máximo, usando palavras compreensíveis porque eu quero é comunicar.
Época - Os autores jovens o inspiraram?
Coelho - Inspirado na nova legião de jovens autores fantásticos, ele planeja escrever uma saga fantástica em vários volumes, usando pseudônimo. Sou admirador de ficção científica e da literatura fantástica. Será uma experiência estimulante.
Época - As editoras disseminaram a obra desses autores que o senhor desqualifica como representativos. Elas estão erradas?
Coelho - Elas embarcaram nisso e no conto do vigário de Frankfurt, apostaram em autores nacionais ruins, mas agora viram que não iam dar em nada. Neste ano, as editoras cortaram os autores brasileiros. Algumas tinham 15 autores e cortaram para três.
Época - Hoje o poder de opinião está com os internautas?
Coelho - O poder está nas mãos de quem ele tem que estar: nos caras que usam a internet, escutam música, e não tem jeito de derrubar isso. Hoje o ídolo jovem é Justin Bieber. E todo mundo nos jornais e revistas adora odiar o Justin Bieber, como se os ídolos da minha geração fossem melhores. É um bando de velhos que escreve, eles não entendem nada do que está acontecendo. Leia a vida de Keith Richards, Raul Seixas, Jim Morrison, eles eram mais doidos. Justin Bieber é vítima do falso moralismo de uma geração que tem medo de envelhecer. Ninguém ouve esses caras. Nunca ouvi Justin Bieber. Para mim a música parou num certo tempo. Ultimamente ouvi a fadista Mariza. Espetacular. Eu só conhecia Amália Rodrigues. Fiquei alucinado com a Mariza.
Época - Os imortais da Academia Brasileira de Letras se chatearam com suas ausências no chá das quintas-feiras.
Coelho - Eles estão certos. Eu deveria fazer mais pela literatura brasileira do que eu tenho feito. Tenho o maior respeito pela Academia. Gosto de praticamente todos os integrantes de lá. É uma situação respeitável que soube se manter. Não se modernizou, nem é o propósito. Tenho muito orgulho de pertencer a ela.
Época - Por que o senhor insiste em escrever? 
Coelho - Diferente de muitos autores, eu escrevo para ser lido. Os leitores são a meta de tudo o que faço. Eles são os juízes da literatura, não os críticos.
Época - Não há mais livros em sua casa. Eu me lembro o quanto o senhor gostava da companhia deles em outros lugares em que morou. O que aconteceu?
Coelho- Agora só leio livros digitais no tablet. Até porque é mais fácil de carregar nas minhas viagens. Bibliotecas particulares de escritores são coisas obsoletas.
Época - Como o senhor analisa a sua obra em retrospecto? Ela mudou muito ao longo do tempo?
Coelho - Minha obra ganhou um sentido que eu jamais esperaria quando a contemplo em perspectiva. Quando eu olho Diário de um mago ou O alquimista – que está na lista do The New York Times. Quando eu olho para trás, não tem nenhum um livro de que não tenha gostado, exceto As valkírias. Eu devia ter ido além. Um livro que ninguém gostou que eu adoro é um suspense é O vencedor está só (2008). É um livro crítico sobre a ascensão da superclasse. As pessoas se queixam que não tem misticismo nele. Sinto muito, talvez comprendam ou não compreendam. Mas faz farte de minha vida.
Época - O senhor diz que é preciso mudar o mundo. A sua obra mudou o mundo ao longo dos últimos 30 anos?
Coelho - Não acho que nenhuma obra muda o mundo. Mas eu acho que minha obra teve uma boa influência. Se ela tivesse mudado o mundo, eu não estaria um pouco decepcionado. Mas você vê o Obama e os grandes cantores de rock me citarem. É legal, porque a coisa está viva. Quem vai mudar o mundo é uma massa crítica que no momento está tendendo para o outro lado. A arte ajuda, mas não muda. O que muda são os atos.

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