Postagem em destaque

Tem novidade no Vaticano ...

Mostrando postagens com marcador Ódio na internet. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Ódio na internet. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

O Ódio através da Retórica... / BBC / Leandro Karnal



Graças à internet, 'facilitamos muito para quem odeia', diz Leandro Karnal

  • Há 3 horas

Usuário na internetDireito de imagemTHINKSTOCK

Historiador e um dos palestrantes mais requisitados do país atualmente, Leandro Karnal diz que o discurso de ódio sempre existiu nas sociedades mas chama a atenção para a facilidade com que ele se propaga, hoje, graças à internet.
"Hoje é um clique e um site, com muitas imagens. Facilitamos muito para quem odeia. O ódio tem imenso poder retórico. Ele sempre existiu. Agora, existe este ódio prêt-à-porter, pronto, onde você se serve à la carte e pega seu prato preferido", disse ele à BBC Brasil.
Mas apesar da maior facilidade, hoje, de propagação do discurso de intolerância, o professor de história da Universidade Estadual de Campinas diz que "os mais sólidos preconceitos e violências humanos são muito anteriores à globalização".
Leia abaixo trechos da entrevista:
BBC Brasil - Uma das suas frases que mais viralizou e foi repetida em 2016 diz que "não existe país com governo corrupto e população honesta". O sr. acha que a população não se enxerga como responsável também pelo processo de corrupção?
Leandro KarnalCaracterística nossa e da humanidade: excluir da parte negativa da equação o pronome pessoal reto EU. Em nenhum momento quis dizer que todos nós, brasileiros, somos corruptos, mas que a corrupção é algo forte na política e que a política é uma das camadas constituidoras do todo social, como um mil-folhas.
A política não é descolada da sociedade, mas nasce e volta ao mundo que a gerou. Os políticos são eleitos por nós. Denúncias são feitas e o político é reeleito. Seria coisa de grotões?

Leandro KarnalDireito de imagemDIVULGAÇÃO
Image captionKarnal afirma que o 'ódio é o mais poderoso opiáceo já criado'

De forma alguma, eu me refiro também aos grandes centros urbanos. A expressão rouba mas faz não nasceu no sertão mas na maior e mais rica cidade do país. Meu alunos costumavam assinar lista de presença por colegas e, depois, ir a uma passeata contra corrupção na política.
A mudança não pode ser somente numa etapa do processo. Se você usa - a metáfora é importante - um lava-jato para limpar seu carro e a estrada continua sendo de terra batida, você precisará de uma nova lavagem todos os dias.
BBC Brasil - Mas de certa forma, responsabilizar a população pela corrupção da classe política pode parecer culpar a sociedade pelos erros cometidos pela elite governista, não?
Karnal - O que eu desejo sempre afirmar é que não existe uma elite separada do todo. Um político ladrão deve ser preso e devolver o que roubou. A culpa é dele e só dele. Mas, se queremos um novo país, devemos discutir na base, na educação, na família, na fila do aeroporto e em todos os campos para uma sociedade mais ética.
BBC Brasil - Nesse sentido, é a desigualdade mesmo nosso maior problema?
Karnal - A desigualdade é a base do problema e colabora para a má formação escolar. Uma sociedade que seja desigual já é um problema, mas uma que não educa nega a chance de corrigir a desigualdade. Como sempre, educação escolar básica é a chave da transformação.
Mudar isto muda tudo, como vimos no Japão e na Coreia do Sul após a guerra. Educação é músculo e osso, limpeza ética do Senado é maquiagem, mesmo quando necessária, como toda maquiagem, passageira.
BBC Brasil - Tivemos nesse fim de ano o episódio do ambulante morto a pancadas após defender uma transexual, também tivemos uma chacina em Campinas na qual o autor deixou uma carta criticando o feminismo. O que explica essa intolerância - racial, de gênero, de classe -, e de que forma ela pode ser combatida?
Karnal - Sempre existiu este ódio que flui por todos os lados. Não é fácil existir e acumular fracassos, dores, solidão, questões sexuais, desafetos e uma sensação de que a vida é injusta conosco. O mais fácil é a transposição para terceiros.
Um homem fracassa no seu projeto amoroso. O que é mais fácil? Culpar o feminismo ou a si? A resposta é fácil. Tenho certeza absoluta de que o autor do crime não era um leitor de Simone de Beauvoir ou Betty Friedan. Era um leitor de jargões, de frases feitas, de pensamento plástico e curto que se adaptava a sua dor.
Esses slogans são eficazes: "toda feminista precisa de um macho", "os gays estão dominando o mundo", "sem terra é tudo vagabundo". Curtos, cheios de bílis, carregados de dor, os slogans entram no raso córtex cerebral do que tem medo e serve como muleta eficaz.
No cérebro rarefeito a explicação surge como uma luz e dirige o ódio para fora. Se não houvesse feminismo, o assassino continuaria sendo o fracassado patético que sempre foi, mas agora ele sabe que seu fracasso nasceu das feministas e ele não tem culpa. Isto é o mais poderoso opiáceo já criado: o ódio.

Protestos pelo impeachment de Dilma Rousseff 2016Direito de imagemBBC BRASIL
Image captionO mercado não distingue consumidores pela posição política, destaca o historiador

BBC Brasil - De que forma as redes sociais acabaram potencializando essa intolerância e esse discurso de ódio. Eles são reflexo da nossa sociedade ou acabam estimulando os comportamentos mais intolerantes e polarizados?
Karnal - Antes era preciso ler livros para criar estes ódios. Mesmo para um homem médio da década de 1930, ele precisava comprar o Mein Kampf de Hitler e percorrer suas páginas mal redigidas. Ao final, seus vagos temores antissemitas era embasados numa nova literatura com exemplos e que fazia sentido no seu universo. Mesmo assim, havia um custo: um livro.
Hoje é um clique e um site, com muitas imagens. Facilitamos muito para quem odeia. O ódio tem imenso poder retórico. Ele sempre existiu. Agora, existe este ódio prêt-à-porter, pronto, onde você se serve à la carte e pega seu prato preferido.
Exemplo? Uma pessoa me disse: "Quem descumpre a lei deveria ser fuzilado! Bandido deveria ser executado". Eu argumentei: "Pela sua lógica, descumprimento da lei merece pena capital. Como a lei brasileira proíbe a pena capital, você está defendo crime e incitação ao crime, na sua lógica, deveria ser punida com pena de morte."
Era uma maneira socrática de argumentar a contradição do enunciado. O caro leitor pode supor que a resposta do indivíduo não foi socrática nem platônica.

InternetDireito de imagemPA
Image captionKarnal destaca que ' a bolha informacional e seus respectivos algoritmos constituem uma zona de conforto para o navegador do cyberespaço'

BBC Brasil - Pensando num contexto geral, a globalização deu errado? Com esse discurso de fechar fronteiras, de medidas protecionistas...Estamos vivendo um retrocesso, um avanço ou uma estagnação?
Karnal - Não havia um mundo harmônico e feliz antes, e não existe agora. O que varia em história é como produzimos a dor. Nosso método atual mudou este método. Os mais sólidos preconceitos e violências humanos são muito anteriores à globalização.
BBC Brasil - Para muitos, 2016 foi um ano marcado pelo avanço de forças conservadoras. Em 2017, haverá eleições na França e na Alemanha, com os partidos de extrema-direita em ascensão. O que vem pela frente?
Karnal Difícil falar de futuro para um historiador, profissional do passado. A tendência é de uma onda conservadora por alguns anos em quase todos os lugares. Provavelmente, seguindo o que houve antes, depois de experimentar candidatos conservadores que prometem o paraíso e não vão conseguir, os eleitores estarão de novo inclinados a candidatos de outro perfil que oferecerão o paraíso.
As coisas mudam, mas não mudam porque o presidente usa topete ou é conservador. Presidente democratas estavam no poder com Kennedy e Johnson e a violência racial chegou ao ponto máximo. No período Obama, muitos policiais mataram muitos negros, tendo um presidente negro no poder. Então, de novo, não estamos abandonando um paraíso e ingressando no inferno.

Dicionário OxfordDireito de imagemDIVULGAÇÃO
Image captionO dicionário Oxford escolheu "pós verdade" como a palavra de 2016

BBC Brasil - O dicionário Oxford escolheu "pós-verdade" como palavra do ano de 2016. A definição é "circunstâncias em que os fatos objetivos têm menos influência sobre a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais". O conceito é de que a verdade perdeu o valor, e acreditamos não nos fatos, mas no que queremos acreditar que é verdade. Qual sua avaliação sobre essa "nova era" e novo comportamento, que acaba reforçado pelas redes sociais?
Karnal - Sempre fomos estruturalmente mentirosos em todos os campos humanos. A mudança é que antes se mentia e se sabia a diferença entre mentira e verdade, hoje este campo foi esgarçado. O problema talvez seja de critério. Com a ascensão absoluta do indivíduo, o que ele considerar verdade será para ele.
Perdemos um pouco da sociologia da verdade, ou de um critério mais amplo de validação do verdadeiro. No século 18 era o Iluminismo: o método racional que tornava algo aceito como verdade. No 19, foi a ciência e o método empírico para distinguir falso de verdadeiro.
Hoje o critério é a vontade individual. "A água ferve a 100 graus centígrados ao nível do mar". Verdade? A resposta seria diferente no (século) 19 e hoje.
BBC Brasil - Queria falar um pouco sobre as bolhas informacionais. Muita gente se depara com elas nas redes sociais todos os dias - os algoritmos acabam reforçando opiniões, nos oferecendo mais daquilo que nós já acreditamos e isso favorece, de certa forma, as informações equivocadas, mentirosas. Qual sua avaliação sobre isso e sobre o impacto disso para a sociedade?
Karnal A bolha informacional e seus respectivos algoritmos constituem uma zona de conforto para o navegador do ciberespaço. Importante dizer: para o mercado, o consumidor conservador ou de esquerda compram da mesma forma, então o algoritmo informa qual o perfil do consumidor.
Quem deseja ler a biografia de Obama ou de Trump vai ao mesmo site. O que não mudou nos últimos séculos é que a verdade comercial é superior ao debate epistemológico de validação ou não do que é verdadeiro. Petralhas e coxinhas compram; isentões também. Resta a pergunta que não quer calar: qual a importância do debate sobre posição política sob este prisma? O que de fato importa para quem de fato manda no mundo?