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sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Brasília faz mal ao Brasil .. A reportagem da BBC Brasil revela com números e com a ajuda do Ministério do Planejamento

Mesmo com mais de 10 mil imóveis vazios, governo gasta 1,6 bi com aluguel

Vista da Esplanada dos Ministérios a partir da Torre de TVDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionEm Brasília, governo federal tem 268 imóveis vagos e se prepara para alugar, por cerca de R$ 13 milhões anuais, prédio para Funasa, que tem sede própria na capital federal
O governo federal é proprietário de um total de 10.304 imóveis em todo Brasil e até no exterior que estão desocupados. Apesar do grande número de imóveis vazios, o Executivo federal gasta R$ 1,6 bilhão por ano com aluguel para abrigar órgãos públicos.
A pedido da BBC Brasil, o Ministério do Planejamento listou o número de imóveis vazios em todo país.
Do total de imóveis em desuso, 80% são prédios comerciais, residências, salas, galpões e terrenos que podem ser vendidos, alugados ou cedidos pela administração pública federal.
Esses imóveis não têm uma destinação específica e, por isso, podem ser disponibilizados inclusive para o uso privado.
Rio de Janeiro, Pará, Bahia e Santa Catarina, nessa ordem, abrigam 60% dos imóveis desocupados que podem ser negociados pela administração pública federal. São 1.587 no Rio e 1.586 no Pará (veja gráfico).
O restante, chamado de "bens de uso especial", são destinados à prestação de serviço público, como, por exemplo, repartições, escolas e hospitais.
São Paulo (483), Mato Grosso do Sul (480) e Distrito Federal (165) lideram o ranking desses imóveis que não estão sendo usados. Quatro deles estão no exterior.
O Ministério do Planejamento informou que "está trabalhando para reduzir a despesa anual de R$ 1,6 bilhão com aluguel" justamente ocupando ou negociando os imóveis próprios que estão vazios.
Em maio, por exemplo, foram colocados à venda, por meio de editais, 24 apartamentos de dois a quatro quartos e uma casa no Lago Sul como parte da estratégia elaborada para reduzir gastos e aumentar a arrecadação com a venda de bens que estão desocupados e não podem ser de uso público.
Gráfico com distribuição dos imóveis chamados bens dominais
Image captionHá um total de 8.242 imóveis desocupados para serem vendidos, alugados ou cedidos pela administração pública federal | Fonte: Ministério do Planejamento
Há ainda outras estratégias como ocupar os imóveis vazios.
"Uma das medidas em curso é trocar prédios alugados por outros de propriedade da União", esclareceu a pasta, por meio de sua assessoria de imprensa.
Para isso, diz o Ministério do Planejamento, a Secretaria de Patrimônio da União (SPU), que é responsável por gerenciar os bens federais, está negociando permutas com proprietários desses imóveis locados hoje ocupados por órgãos públicos.
Na 'contramão'
Mas, pelo menos na Funasa (Fundação Nacional da Saúde), o movimento é exatamente contrário.
Mesmo com sede própria na capital federal, o órgão foi autorizado a alugar sem licitação os dois primeiros andares e parte do terceiro pavimento, além do subsolo, de um edifício na Asa Norte. O imóvel pertence ao empresário e ex-governador do DF Paulo Octávio. Ele é filiado ao PP, mesmo partido do ministro Ricardo Barros, da Saúde, pasta à qual a Funasa está ligada.
O valor do aluguel é estimado em R$ 13 milhões por ano.
De acordo com o estrato publicado no Diário Oficial da União que dispensou a licitação, o novo espaço de 17,7 mil metros quadrados seria usado para abrigar unidades da presidência da Funasa.
Rio de JaneiroDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionRio de Janeiro tem 1.587 imóveis descupados, prontos para serem vendidos, alugados ou cedidos pela administração pública federal
Meses atrás, a Anvisa, agência de vigilância sanitária, também ligada à estrutura do Ministério da Saúde, tentou alugar um espaço no mesmo prédio. A transferência foi anunciada, gerou reclamações da associação de servidores ─ que ameaçou acionar o Tribunal de Contas da União (TCU) ─ e acabou cancelada.
No caso da Funasa, o extrato da dispensa de licitação foi publicado no Diário Oficial da União e o processo é alvo de apuração no TCU, que solicitou informações ao presidente do órgão, Rodrigo Sérgio Dias.
Em um ofício encaminhado no final de setembro, o TCU questionou se foram feitos "estudos técnicos para definição das características do imóvel" a ser locado e também sobre a "imprescindibilidade de transferência de sua sede".
Gráfico com distribuição dos imóveis chamados bens especiais
Image caption2.062 é o número de imóveis desocupados destinados à prestação de serviços públicos | Fonte: Ministério do Planejamento
O TCU quis saber também o motivo pelo qual a Funasa escolheu um espaço com dimensões superiores às atualmente ocupadas pelas unidades da presidência do órgão, na sede localizada no Setor de Autarquias Sul em Brasília.
A locação teria sido justificada para reformar a sede da Funasa em Brasília que estaria apresentando problemas estruturais.
Por isso, o TCU solicitou "demonstração inequívoca de que as reformas ocorridas no Edifício Sede da Funasa, nos últimos cinco anos, não atendem às exigências".
A Funasa já respondeu aos questionamentos do TCU, que ainda averigua "possíveis irregularidades na dispensa de licitação".

Outro lado

A assessoria de imprensa da Funasa não respondeu aos pedidos de informação feitos pela reportagem para esclarecer por que decidiu alugar uma nova sede em Brasília e para comentar a apuração conduzida pelo TCU.
Reprodução do ofício do TCU pedindo informações para a Funasa sobre locação de imóvel
Image captionTCU apura contrato de locação para sede da Funasa, em Brasília
O Ministério do Planejamento, por sua vez, informou que a SPU autorizou locação de uma nova sede em Brasília por, segundo o planejamento, "não haver outro desocupado nos padrões exigidos pela Funasa".
"Os procedimentos para a locação e a celebração dos contratos são de responsabilidade exclusiva do referido órgão", esclareceu o Ministério Planejamento.
"Em relação às autorizações para locação de imóveis por parte de órgãos federais, cabe à SPU receber a demanda e verificar se há algum imóvel da União desocupado que atenda aos requisitos do órgão. Caso não haja disponibilidade, a SPU, conforme determina a Portaria nº 234/2017, autoriza a locação", informou o Planejamento.

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terça-feira, 5 de setembro de 2017

"Essa guerra não é nossa"..."Mas somos nós que morremos por conta dela."

'Essa guerra não é nossa, mas nós morremos por conta dela': os jovens de favelas que querem ter voz na política de drogas



Operação no complexo do alemão
Image captionFamílias frequentemente se veem em meio ao fogo cruzado entre polícia e tráfico. Foto: Bento Fábio

Jovens negros de favelas são as vítimas mais frequentes da guerra às drogas no Rio de Janeiro, segundo estatísticas. Um grupo quer, agora, inverter essa narrativa e assumir protagonismo no debate para buscar um fim a uma política que, na visão deles, mata, prende e viola direitos - sobretudo dos próprios moradores de favelas.
Com o Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio, espraiando-se ao fundo, Sabrina Martina, de 19 anos, a MC Martina, olha para a câmera para transmitir o recado do Movimentos, no vídeo que apresenta o coletivo.
"A guerra contra as drogas significa escolas fechadas, mudança de rotina, preocupação com a nossa família. Em nome dessa guerra, o Estado justifica uma série de violações de direitos contra nós, jovens moradores de favelas. Essa guerra não é nossa", diz a moradora do Alemão.
"Mas somos nós que morremos por conta dela."
O Movimentos é um grupo de 15 jovens que começou a se reunir há mais de um ano e lançou neste sábado o primeiro resultado desses encontros - uma cartilha sobre política de drogas que começa com a questão: "Por que jovens de favelas precisam falar sobre drogas?"
"Nós nunca fomos inseridos nesse debate, mas nós vivemos a política de drogas", diz Jéssica Souto, de 24 anos, compositora e videomaker, também do Alemão.
"Quando entrei no projeto, eu não me dava conta de que tudo que a gente vivia - um vizinho morrendo a cada semana, a escola fechada, o medo de sair de casa - é por causa das drogas. Por causa dessas substâncias e de seus efeitos, morre essa cambada de gente. São anos e anos de ações truculentas, tirando vidas, acabando com milhares de famílias", diz ela.
"A gente não conseguia assimilar o quanto a política de drogas afetava as nossas vidas", complementa André Galdino, de 30 anos, do Complexo da Maré. "Nossos encontros e a formulação da cartilha permitiram desenvolver essa consciência."


Operação policial perto de escola
Image captionJoven relatam experiências negativas no contato com a polícia. Foto: Bento Fábio

Tão longe, tão perto

A cartilha vai ser apresentada no Complexo da Maré em um evento que inclui debate, rap e poesia. Haverá vans saindo de diferentes pontos do Rio para incentivar interessados a irem ao evento - simbolizando a dificuldade de fazer a voz das favelas chegar ao asfalto e de transpor a distância entre dois mundos tão próximos e tão díspares na mesma cidade.
A BBC Brasil conversou com parte dos jovens do Movimentos em outro encontro simbólico de mundos: a Escola Parque, na Barra da Tijuca, colégio particular construtivista frequentado por uma elite que almeja uma educação alternativa.
Jéssica, André e Aristênio Gomes, de 24 anos, saíram cedo de suas casas, na Maré e no Alemão, para chegar ao campus arborizado na Barra. Segundo André, o encontro foi "uma troca saudável", interessante para "confrontar realidades", mas com perguntas que expunham a falta de conhecimento sobre a vida nas favelas - desconhecimento que o grupo está lutando para reduzir.


Foto de prisãoDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionLei de Drogas de 2006 provocou aumento na população carcerária brasileira

Jéssica emocionou os estudantes ao apresentar uma de suas composições, Aborto Social. A música narra a breve vida de um "famoso pivete", abandonado pelo pai após um aborto malogrado, antes mesmo de nascer. "Nasce outro feto sem afeto nesse mundo complicado", diz a canção, sobre uma criança que logo virará bandido e não chegará à vida adulta.

Drogas sem mitos

guia apresenta informações sobre quando jovens começam a ser criminalizados e as consequências da guerra às drogas - citando o aumento de 90% no número de pessoas presas no Brasil entre 2005 e 2013, relacionado à Lei de Drogas de 2006.
A cartilha será distribuída entre ativistas, militantes e lideranças de favelas, no Rio e em outras cidades. O objetivo é oferecer subsídios para multiplicar o debate.
"A cartilha é para discutir como a guerra às drogas afeta as favelas e a sociedade como um todo", opina Jéssica. "Um dos pontos centrais é olhar para o usuário pela ótica da saúde. Assim como temos usuários pesados de álcool, e eles não são tratados à mira de um fuzil."
Jéssica diz ter perdido um amigo há dois meses no Alemão, baleado durante uma troca de tiros. Aristênio diz ter perdido a conta de quantas vezes viveu ou presenciou "achaques" da polícia na Maré, ou que teve a casa revistada, inclusive no meio da noite.


Jovens reunidos
Image captionGrupo de jovens, que começou a se reunir há mais de um ano, quer protagonismo no debate sobre política de drogas. Foto: Divulgação

"Acordei com os gritos da minha mãe. Saí do quarto correndo e dei de cara com um fuzil no peito", lembra. Os três relatam "quase ter morrido" algumas vezes, e delatam a truculência policial como corriqueira nas favelas cariocas.
Questionada sobre as críticas feitas pelo grupo, a Polícia Militar não atendeu ao pedido de resposta da BBC Brasil.
A assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública ressaltou que o secretário Roberto Sá formou, como uma de suas ações estratégicas, um grupo de trabalho para debater política de drogas. Com a participação de dez instituições - que reúne das polícias Militar e Civil à Uerj e ao Instituto Igarapé -, o grupo se reuniu três vezes desde sua criação neste ano para "estabelecer um diagnóstico sobre a política de drogas e fomentar parcerias para elaborar ações preventivas".

"Criminalizados, estigmatizados"

A crise econômica no Rio e o aumento da criminalidade no Estado levaram o governo federal a enviar, em julho, o Exército para reforçar a segurança.
Mas os confrontos entre facções criminosas ou entre tráfico e polícia têm sido constantes em favelas cariocas. Na quinta-feira, mais de 5 mil alunos ficaram novamente sem aulas, com 17 escolas fechadas devido a confrontos em favelas cariocas. A rede municipal de ensino só teria funcionado de maneira plena durante oito dias neste ano.
Um vídeo lançado pelo governo federal para promover a atuação de militares causou polêmica ao contrapor imagens idílicas de paisagens do Rio à presença de tanques em favelas, dizendo que o Rio está "ferido", mas segue em frente cheio de "vida, alegria e beleza", e resiste, sabendo que a luta "é de todos nós" - exibindo o aparato militar nas comunidades.
"A guerra às drogas criminaliza e cria estigmas sobre quem vive nas periferias", diz André. "Esse recorte racial ocasiona o genocídio da juventude negra e pobre das favelas."


policiais fazem mira com armas de alto calibre apesar da presença de crianças ao redorDireito de imagemBENTO FABIO
Image captionPoliciais fazem mira com armas de alto calibre, apesar da presença de crianças ao redor

Sem apologia

O Movimentos nasceu em maio do ano passado, quando uma oficina promovida pelo Centro de Estudos e Cidadania da Universidade Cândido Mendes (Cesec) juntou jovens do Rio, de São Paulo e da Bahia para discutir política de drogas.
A partir de então, os encontros se tornaram regulares, passando a ocorrer cerca de duas vezes por mês em favelas ou no Cesec, n o Centro do Rio, com um intercâmbio constante entre a pesquisa acadêmica e a vivência nas comunidades - palavra que o grupo se nega a usar, preferindo falar sempre em favelas.


Jéssica, Aristênio, André e Ana Clara Teles
Image captionDa esquerda para a direita: Jéssica, Aristênio, André e Ana Clara Teles, pesquisadora do Cesec. Foto: Júlia Dias Carneiro

"Ninguém está fazendo apologia do uso ou da venda de drogas. O que esses jovens querem é desafiar o senso comum, desafiar ideias preconcebidas em relação à política de drogas e contribuir para mostrar que a atual política de drogas acaba por legitimar a violência da polícia dentro das favelas", diz a socióloga Julita Lemgruber, uma das coordenadoras do Cesec.
Ana Clara Teles, pesquisadora do Cesec, considera que o grupo tem um duplo papel: trazer o debate sobre política de drogas para dentro das favelas, aumentando a conscientização o impacto da guerra às drogas sobre seu dia a dia; e levar a favela para o centro do debate na cidade, que vê a favela como "coadjuvante".
"A academia tende a construir um olhar enviesado sobre política de drogas. Quando se adota a perspectiva da favela, surgem problemas e questões que precisam estar no centro da discussão. A partir daí, podemos chegar a soluções mais pertinentes e justas para a população como um todo", avalia Teles.
Depois de lançar a cartilha, o grupo vai começar a trabalhar em um documento propositivo para política de drogas e planeja para o fim do ano um encontro nacional reunindo jovens de favelas e periferias para ampliar o debate.

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