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sábado, 6 de setembro de 2014

"O jornalista é um protagonista indispensável para o desenvolvimento de conhecimento..." / Carlos Castilho


Sábado, 06 de Setembro de 2014   |   ISSN 1519-7670 - Ano 18 - nº 814



CÓDIGO ABERTO



 O jornalista como profissional do  conhecimento


Por Carlos Castilho em 03/09/2014

A revolução digital ampliou e diversificou o protagonismo dos indivíduos na comunicação interpessoal em ambientes sociais, conferindo uma importância crítica à organização deste monumental fluxo de mensagens contendo dados e informações. O jornalista é parte insubstituível neste ordenamento, mas as regras que orientam a sua atividade diária já não são mais as mesmas.
O crescimento exponencial da oferta de dados e informações tornou obsoleta a função de coletar, formatar e distribuir notícias, que caracterizou o trabalho dos jornalistas durante os últimos 200 anos. A nova realidade digital está impondo ao jornalista a missão de dar significado às notícias, mais do que simplesmente passá-las adiante. Noutras palavras, gerar fluxos de notícias para alimentar a produção de conhecimento que permitam às pessoas evoluir social e economicamente.
Até agora o jornalista era um operário na linha de montagem das notícias que servem de moeda de troca com a publicidade e, com isto, viabilizavam o negócio da imprensa. Na hora em que é levado a se transformar num profissional do conhecimento, o jornalista necessita rever sua rotina de trabalho, valores profissionais e comportamentos sociais.
Mas a grande mudança está nos objetivos da atividade profissional. Embora a indústria dos jornais, revistas e audiovisual não vá desaparecer, o jornalista passará a trabalhar pensando cada vez menos na rentabilidade do negócio e mais nas necessidades e desejos dos receptores de notícias. Em vez do patrão, a referência básica passa a ser a comunidade de leitores, ouvintes e telespectadores. 
Os jornalistas já ouviram muitas vezes esta mesma frase na boca dos executivos da imprensa, mas agora ela tende a se transformar no mantra do dia a dia da atividade, ao orientar o comportamento do profissional no chamado engajamento comunitário. Este engajamento permite que o jornalista identifique na comunidade à qual está vinculado os dados que serão estruturados como notícias, que por sua vez provocarão debates sobre os quais será construído o conhecimento individual e coletivo.
A agenda da imprensa sempre deu um tratamento diferenciado às notícias conforme o seu objetivo. Algumas são consideradas utilitárias porque estão orientadas para:
1. A melhoria do desempenho pessoal e a eficiência nas atividades exercidas pelo leitor, ouvinte ou telespectador;2. Ampliar a qualidade e quantidade no consumo individual;3. Oferecer opções diversificadas de lazer.
São notícias onde é fácil estabelecer a relação custo/beneficio porque a demanda e a oferta são claramente identificadas. Em compensação, as notícias relacionadas ao que genericamente é conhecido como interesse social recebem menos atenção da imprensa porque, em geral, tratam de temas complexos como meio ambiente, programas energéticos, saneamento básico, drogas ou atenção à velhice, por exemplo. A diferença básica está entre as notícias que o público quer ler e aquelas necessárias ao exercício da cidadania. As primeiras são reguladas pelo mercado (oferta e procura), ao passo que as de interesse público dependem de motivação intelectual que nem sempre encontra uma compensação financeira.
O jornalismo voltado para a produção de conhecimento preenche a lacuna criada pelas deficiências do mercado na satisfação das necessidades informativas de interesse público porque pode atender interesses e demandas altamente segmentadas. Esta possibilidade está apoiada no uso de internet e da computação, que permitem uma personalização do fluxo de notícias em espaços informativos de dimensões reduzidas – como uma rua, um bairro ou uma especialidade profissional.
A mídia de massa só consegue equilíbrio financeiro quando atende a públicos pouco diferenciados, o que impede a atenção às necessidades informativas de grupos sociais numericamente reduzidos. A monetização tradicional dos conteúdos jornalísticos é inviável no ambiente online porque a avalancha informativa reduziu a zero o custo marginal da notícia (custo de reprodução de uma notícia). Por isso, o jornalista que optar pelo trabalho na internet precisa apostar na produção de conhecimento para buscar uma relação custo/benefício capaz de assegurar a sua sobrevivência.
Esta aposta não é apenas uma questão econômica, mas é essencialmente a recuperação do princípio da função pública do jornalista, perdida ao longo dos anos, por conta da sua inserção da atividade na linha de produção das indústrias de produção de notícias. O lado financeiro continua essencial à sobrevivência dos profissionais, mas ele não é mais o fator determinante no exercício da atividade. O jornalista é um protagonista indispensável para as pessoas desenvolverem conhecimento e com isso aumentar o capital social das comunidades onde vivem. 

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Na vizinhança de sua casa!

http://www.observatoriodaimprensa.com.br/posts/view/a_imprensa_e_as_guerras_urbanas_do_seculo_xxi

A imprensa e as guerras urbanas do século 21

Por Carlos Castilho em 28/09/2013

As previsões feitas por um livro que será lançado agora em outubro na Europa e Estados Unidos têm todos os motivos para preocupar quem vive em grandes cidades e em especial a imprensa. Out of the Mountains, The Coming Age of the Urban Guerrilla (Longe das montanhas, a futura era da guerrilha urbana) parte de uma pesquisa acadêmica e de levantamentos estatísticos para afirmar que nas próximas décadas todos os grandes conflitos mundiais terão como palco as megacidades em vez de regiões selvagens e pouco habitadas.

A velha guerrilha estilo Sierra Maestra, em Cuba, no final da década de 1950, ou nas selvas do sudeste asiático nos anos 1970, está sendo substituída por sequestros em shopping centers, atentados contra hotéis, bancos, escolas e grandes edifícios localizados no coração de cidades superpovoadas e cheias de problemas.
David Kilculle, o autor do livro, é um pesquisador de assuntos militares que desde o ataque às Torres Gêmeas, em 11 de setembro de 2001, vem estudando o papel das grandes cidades na estratégia de grupos insurrecionais. Ele investigou o massacre da escola secundária de Beslan, na Rússia, e o ataque contra hotéis e bancos de Mumbai, na Índia, também em 2008. Kilcullen acaba de publicar um artigo no jornal The Guardian onde estende a sua análise à morte de 67 a 130 pessoas (o numero total ainda é desconhecido) num shopping center em Nairobi , no Quênia, na terceira semana de setembro.
O livro analisa o crescimento exponencial das cidades na África, Ásia e América Latina e a formação de guetos de imigrantes pobres em capitais europeias e nas metrópoles norte-americanas. A explosão demográfica nas áreas urbanas mais pobres multiplica os problemas e a insegurança da população, que diante da ineficiência e corrupção nos sistemas estatais acaba buscando proteção no crime organizado e movimentos insurrecionais. O surgimento de áreas urbanas fora do controle governamental é facilitado pelo uso dos sistemas de comunicação e interação da internet.
Kilculle diz, num dos capítulos do livro, que esse novo cenário dos conflitos contemporâneos torna necessária uma revisão no papel da imprensa como canal de comunicação nas comunidades urbanas. O aumento da fragmentação social nos grandes centros urbanos gera a necessidade de uma maior interação informativa entre os vários segmentos da população para evitar o risco de tendências xenofóbicas alimentadas pelo medo, incerteza e isolacionismo.
Noutras palavras, em vez de preocupar-se prioritariamente em trazer notícias internacionais e nacionais para consumo das comunidades locais, a crescente tensão urbana cobra da imprensa uma maior circulação de notícias comunitárias como forma de inserir o jornalismo na busca de soluções desenvolvidas pelos próprios moradores.
Isto implica uma mudança nas estratégias editoriais da maioria dos jornais, revistas e emissoras de rádio ou TV nas grandes metrópoles, cujo distanciamento em relação às comunidades urbanas pode explicar por que os movimentos de protesto e as ações de grupos paramilitares invariavelmente pegam de surpresa as autoridades e a opinião pública.
O autor do livro Out of the Mountains afirma que os ataques em Mumbai e Nairobi foram precedidos por meses de cuidadosos preparativos que incluíram a montagem de redes de contatos e o uso de tecnologia de monitoramento para identificação de pontos estratégicos nas duas cidades.
Os movimentos insurrecionais do século 21 encontram nos guetos urbanos e no impacto midiático de ações localizadas os elementos-chave para estratégias de ação muito mais eficientes do que em territórios isolados e desconhecidos, onde há necessidade de muito mais gente para ações de repercussão muito menor. Para Kilculle, a crise urbana gerou uma relação custo/benefício muito mais atraente do que focos guerrilheiros nas montanhas.
A consciência dos desdobramentos da crise urbana ainda é um assunto inexplorado pela imprensa, que prefere o factualismo das explosões populares e dos atos de terrorismo, bem como o otimismo empedernido das autoridades, à produção de notícias e informações capazes de levar as pessoas a pensar. 

quarta-feira, 3 de julho de 2013

PÓS-JORNALISMO é um fenômeno dos protestos de rua.... // Observatório da Imprensa

http://www.observatoriodaimprensa.com.br/posts/view/o_pos_jornalismo_entra_em_cena_nas_manifestacoes
CÓDIGO ABERTO

O pós-jornalismo entra em cena nas manifestações

Por Carlos Castilho em 30/06/2013
A geração com menos de 30 anos comandou os protestos de rua mas não ficou só nisso. Ela mostrou a cara também na complicada arena da comunicação introduzindo formas inovadoras de trocar ideias e disseminar notícias.
O fenômeno Pós TV, analisado neste Observatório no excelente artigo de Elizabeth Lorenzotti, marca a expansão para a TV dos projetos alternativos de comunicação baseados na Web. O projeto já existia antes da onda de protestos, mas foi a partir deles que a Pós TV ganhou visibilidade pública ao se transformar na fonte de acesso direto ao movimento iniciado com a campanha dos estudantes pelo passe livre nos transportes públicos.
Pela primeira vez em muitos anos, os usuários da internet puderam comparar o que a imprensa convencional disponibilizava para as audiências e a informação direta sem edição, tanto em texto como em áudio e vídeo, produzida por jovens praticando o jornalismo direto das ruas, manifestações e assembleias.  
Foi interessante verificar como a geração com menos de 30 anos dá pouca importância aos cuidados editoriais de jornais, revistas e emissoras de televisão e sentem-se muito mais atraídos pela espontaneidade amadorística, e em muitos casos até tosca, de programas transmitidos ao vivo pela Pós TV ou dos textos publicados nas redes sociais e Twitter.
A Pós TV, por exemplo, vem transmitindo ao vivo das ruas onde ocorrem protestos criando um contato direto dos telespectadores com o desenrolar dos acontecimentos. A cobertura está longe de ser tecnicamente perfeita. Imagens fora de foco, iluminação deficiente, câmera instável e narrativa geralmente testemunhal criaram um contraste radical com o noticiário transmitido geralmente de helicópteros ou do alto de edifícios pelas grandes redes.
Enquanto a televisão dos estudantes transmitia emoção e participação, a Globo, Record e Bandeirantes oscilavam entre a preocupação com a assepsia informativa e o proselitismo escancarado. Os defeitos e problemas nas transmissões feitas a partir de telefones celulares e câmeras amadoras portáteis acabaram sendo pouco notados pelo público jovem mais interessado em compartilhar o que acontecia nos quatro cantos do país.
Nas transmissões pela Pós TV de debates, assembleias e reuniões de estudantes foi marcante a ausência do estilo panfletário e ideologizado típico das lideranças estudantis, até a década de 1990. Debate em estudio Pós TV O material divulgado pelo canal com acesso exclusivo através da internet tornou possível conhecer o comportamento, ideias e projetos dos movimentos contestadores numaintensidade e profundidade jamais vistos pelo públicobrasileiro.
A Pós TV é produzida por um grupo de adeptos do jornalismo de participação chamado Narrativas Independentes Jornalismo e Ação (NINJA) e integra o conjunto de iniciativas abrigadas no portal Fora do Eixo, criado em 2009 por  ativistas e intelectuais em Cuiabá (Mato Grosso), Rio Branco (Acre), Uberlândia (Minas Gerais) e Londrina (Paraná).  A meta é tentar aglutinar movimentos, projetos e iniciativas no interior do Brasil, entre elas a ambiciosa proposta de criar uma Universidade Fora do Eixo.
Os NINJAs (responsáveis pela Pós TV) conseguiram diferenciar-se dos demais órgãos da imprensa alternativa brasileira por terem aderido à descentralização informativa, o que permitiu que eles desenvolvessem uma cobertura baseada em contribuições de qualquer pessoa portadora de um celular ousmartphone com câmera digital. Como numa cidade como São Paulo este é o tipo de equipamento quase obrigatório na maioria da população, o problema não foi a escassez, mas sim o excesso de material para transmissão — tanto que no auge dos protestos, na segunda quinzena de junho, os NINJAs tiveram que pedir socorro aos seus simpatizantes.
A grande maioria das publicações alternativas no Brasil atual é produzida segundos moldes clássicos do jornalismo, com centralização e hierarquização das funções. A política editorial é contestadora da ordem vigente, mas a estrutura de produção é baseada nos mesmo princípios da mídia convencional.
O jornalismo móvel praticado por autônomos e amadores, chamado pelos americanos de MOJOs e por outros como jornalismo-cidadão, permitiu que boa parte dos participantes das manifestações pudesse enviar fotos e vídeos para a Pós TV. A capilaridade informativa foi muito superior a das TVs comerciais, onde havia total ausência de fatos. O polêmico Marcelo Rezende, da TV Record, pediu  várias vezes ao vivo: “Alguém me diga o que está acontecendo, tenho a imagem do helicóptero mas não sei o que está ocorrendo na rua”.
Ainda é cedo para avaliar se o projeto dos NINJAs vai ter uma longa duração ou não. No contexto atual da internet, iniciativas como a Pós TV mostram uma alta taxa de mortalidade porque os seus autores acabam atropelados pela mudança acelerada de contextos e de expectativas, aqui e também no resto do mundo. Mas no seu conjunto, a cada projeto que entra em crise surgem pelo menos três outros, conforme mostrou uma pesquisa feita pela Oriella, uma rede de relações públicas nos  Estados Unidos.