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quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Uma solução para a EBC ... / Eugênio Bucci

ÊNIO BUCCI

Do jeito que está, a EBC é pesada, perdulária, morosa e acomodou-se ao proselitismo governista

EUGÊNIO BUCCI
02/08/2016 - 09h00 - Atualizado 02/08/2016 11h12
A EBC é a Empresa Brasil de Comunicação, uma estatal vinculada à Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República. Nela trabalham cerca de 2.500 funcionários e, só em 2016, deverá custar aos cofres públicos algo em torno de R$ 550 milhões.
Como o nome já anuncia, a EBC faz e veicula programas de rádio e televisão, além de difundir notícias na internet. É ela que produz, por exemplo, o horário do Poder Executivo da Voz do Brasil (entre 19 horas e 19h20), o mais antigo, mais retransmitido (a retransmissão é obrigatória por lei) e menos escutado programa de rádio do Brasil. São dela a TV Brasil e algumas emissoras de rádio, como as históricas Rádio MEC e Rádio Nacional do Rio de Janeiro, além da Agência Brasil.

Agora, a EBC foi jurada de morte. Como, além de não dar lucro, também não dá audiência, está na mira do governo interino de Michel Temer. Ou vai virar uma agência governamental de porte modesto ou vai sair de cena. O mais provável é que venha por aí uma combinação das duas alternativas.
Será uma pena. Os assessores de Michel Temer têm razão em metade do diagnóstico: do jeito que está, a EBC é uma estrutura grande demais para benefício público quase nenhum. É pesada, perdulária, morosa e, ao longo do tempo, acomodou-se à função de propagar proselitismo governista. Disso que aí está, realmente, a sociedade brasileira não precisa.

Na outra metade do diagnóstico, estão completamente errados. Eles não se deram conta de que a democracia brasileira precisa de um sistema de comunicação não comercial bem estruturado – e independente, tanto do governo como do mercado. Nisso não vai nenhuma originalidade. Os Estados Unidos e os mais influentes países europeus contam com sistemas desse tipo há várias décadas.

Nos Estados Unidos, as rádios públicas se associam à NPR (a National Public Radio), um complexo que rende boa audiência com programas de qualidade jornalística reconhecida mundialmente. Em televisão, os americanos contam com as emissoras do PBS (Public Broadcasting Service), de excelência provada e comprovada. França, Alemanha, Canadá, Espanha, Portugal, Reino Unido, Canadá e Portugal, entre outros países, dispõem de modelos equivalentes, todos públicos e todos independentes do governo e dos anunciantes.
O Brasil ficou para trás nesse quesito. Agora surge uma oportunidade rara de sanar o atraso. Essa oportunidade consiste em transformar o complexo da EBC num polo verdadeiramente público, e não mais estatal-governamental, para criar no país um embrião nacional de um sistema que não seja contaminado pelo proselitismo governista, pela propaganda religiosa (que virou uma praga na televisão e no rádio do Brasil) e pela publicidade comercial.

A EBC tem potencial para isso. Ela não é um mal em si. O mal que existe dentro dela é o governismo, que gerou ineficiência, corporativismo e baixa audiência. Com sua natureza jurídica de empresa pública federal, é comandada por um Conselho de Administração cujos integrantes, em sua quase totalidade, são diretamente nomeados pela Presidência da República e pelos principais ministérios. O Conselho de Administração é quem dá as cartas. O diretor-presidente também é nomeado pela Presidência. O fato de ele ter um mandato legal de quatro anos (pela lei, não pode ser demitido antes disso) dá a impressão que é independente, mas não é. O Conselho de Administração pode sufocá-lo no dia a dia e o governo de turno, se quiser, pode propor medidas no Congresso e no Supremo Tribunal Federal para afastá-lo ou para neutralizá-lo. É o que o governo Temer vem fazendo com o atual presidente da EBC,Ricardo Melo, que foi nomeado nos estertores do governo Dilma.

Essa pendenga é tola e vã. Nem o mandato do diretor-presidente garante autonomia à EBC (pois quem controla de fato a empresa é o Conselho de Administração, totalmente atrelado ao Poder Executivo), nem sua destituição tornará a EBC menos governista. Trocar o presidente não mudará a natureza da instituição, apenas trocará um governismo por outro.
Se quisesse aposentar o velho padrão e acabar com o aparelhismo, Temer deveria não fechar, mas mudar a EBC em dois aspectos centrais. Primeiro, deveria transformá-la numa fundação, que seria comandada por um Conselho com representantes da sociedade (não mais do governo). Depois, deveria desvinculá-la da Presidência da República e ligá-la ao Ministério da Cultura, mas sem subordinação ao ministro.

segunda-feira, 11 de julho de 2016

O Brasil tem uma 'queda' para o surrealismo ... A Polícia Judiciária procura por bonecos, pixulecos

A apoteose dos bonecos foragidos - 

EUGÊNIO BUCCI

REVISTA ÉPOCA

Num lance de judicialismo fantástico, o STF (Supremo Tribunal Federal) pôs a Policia Federal no encalço de dois desses bonecos infláveis de passeata, também chamados "pixulecos". Na quarta-feira passada, por meio de um ofício assinado pelo secretário de Segurança do Supremo, Murilo Herz, a mais alta Corte do Brasil requisitou forças policiais para encontrar e identificar os responsáveis pela confecção e exibição dos dois artefatos satíricos, um caricaturando o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, e o outro ironizando o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Segundo apurou o Supremo, os dois fizeram sua estreia no dia 19 de junho, num protesto na Avenida Paulista, em São Paulo. O pixuleco de Lewandowski o retrata segurando uma balança em que a estrela do PT pesa mais que a bandeira nacional. O de Janot leva pendurado no pescoço um arquivo de metal cinza carimbado com o epíteto "petralhas". A reação da cúpula do Judiciário tardou (como reza a tradição), mas não deixou por menos. Chamou a polícia.

Agora, o tempo fechou. Caçoar da presidente da República, tudo bem, mas zoar com a estampa do presidente do Supremo, alto lá! O secretário de Segurança do STF viu no episódio uma agressão seriíssima, ou, em suas próprias palavras, uma "grave ameaça à ordem pública e inaceitável atentado à credibilidade de uma das principais instituições que dão suporte ao estado democrático de direito".
Nos termos do ofício, as alegorias rechonchudas são alçadas ao patamar de inimigos públicos ameaçadores e pestilentos. "Configuram, ademais, intolerável atentado à honra do Chefe desse Poder e, em consequência, à própria dignidade da Justiça Brasileira, extrapolando, em muito, a liberdade de expressão que o texto constitucional garante a todos os cidadãos, quando mais não seja, por consubstanciarem, em tese, incitação à prática de crimes e à insubordinação em face de duas das mais altas autoridades do país."

Com sua hermenêutica severa, o secretário enfim reclama, "em caráter de urgência", esforços policiais "no sentido de interromper a nefasta campanha difamatória contra o chefe do Poder Judiciário, de maneira a que esses constrangimentos não mais se repitam".

Isto posto, os policiais dão busca em bonecos. Imagine a cena. É ou não é judicialismo fantástico? É ou não é dadaísmo jurídico? Surge assim um novo ramo das ciências jurídicas, o ius-saramandaia. Eis então que a mais egrégia entre todas as egrégias Cortes do país acaba de inventar a censura de passeata. Fazer pixuleco de Dilma pode. De Lula também. De Lewandowski, não, nem pensar. Isso "extrapola, em muito, a liberdade de expressão". Em breve, as prefeituras serão instruídas a, no instante de autorizar uma manifestação em logradouros públicos, verificar de antemão os cartazes, faixas, máscaras, adereços e pixulecos que serão exibidos, com o propósito de interditar previamente os que pratiquem o crime atentatório de caçoar de magistrados. Por analogia, a mesma medida será estendida ao Carnaval de Olinda, famoso por seus bonecos gigantes. Não custa prevenir.

Ou será que custa? A verdade é que esse tipo de prevenção custa, e custa muito mais caro do que não fazer absolutamente nada. Esse tipo de prevenção acarreta o efeito oposto: em lugar de conter, potencializa a zombaria. Os pixulecos judiciários aí estão para comprovar. Se o Judiciário tivesse sido mais sábio e deixasse isso para lá, a imensa maioria dos brasileiros jamais teria ouvido falar do boneco de Lewandowski. Mas, como a dura lex se abalou, os novos pixulecos fizeram fama da noite para o dia. Jornais e sites do Brasil inteiro, para cumprir o dever de explicar a seus leitores do que trata o inesperado oficio do STF, são obrigados a mostrar fotos dos dois pixulecos, a explicar o que eles criticavam e dizer que eles também atendiam pelas alcunhas de Petrolowski e Enganô. Ao tentar intimidar a caçoada, o Supremo inadvertidamente a consagrou. Moral da história: os bonecos foragidos estão em êxtase e, daqui por diante, tendem a se multiplicar.