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quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

"Não tenho conseguido assistir as retrospectivas. O ano já foi medonho, e a perspectiva de ver tudo de novo dá vontade de vomitar." / Helena Chagas

Um ano de insanidades 

Insanidade (Foto: Arquivo Google)
No último dia útil de 2016, a única coisa que desejo é que 2017 seja um ano menos insano. Meus votos são de que um pouco de juízo, bom senso e equilíbrio brote das mentes daqueles que têm poder no Brasil – poder político, poder de decisão, poder econômico, influência cultural, soft power. Já aos que, paradoxalmente, têm o poder supremo nas democracias, que é o voto, mas que até se esquecem disso porque só o exercem ocasionalmente, é preciso desejar, acima de tudo, paciência. Muita paciência, ao lado de perseverança e coragem para chegar a 2018.
Não tenho conseguido assistir as retrospectivas. O ano já foi medonho, e a perspectiva de ver tudo de novo dá vontade de vomitar. Mas fica difícil escapar à constatação de que a República continua com os nervos à flor da pele. Incerteza e instabilidade ainda são as palavras de ordem.
É ou não é loucura lembrar que, há exatamente um ano, a presidente era Dilma Rousseff, com um pedido de impeachment acolhido pelo hoje presidiário Eduardo Cunha, nem sonhava em deixar o cargo? Naquele momento, Dilma recorria ao STF, que lhe deu uma decisão favorável sobre o rito do impeachment. E estava mais preocupada em pagar os R$ 57 bilhões das pedaladas fiscais, o que elevou o déficit do ano ao valor sem precedentes de R$ 120 bilhões. Ninguém em torno dela acreditava de verdade no impeachment.
Na ocasião, o PT estava em festa porque, depois de praticar por quase um ano seu esporte preferido, que era atirar no então ministro da Fazenda, havia conseguido derrubar Joaquim Levy, no dia 18 de dezembro. O partido defendia, para a gestão Nelson Barbosa, soluções que passavam por uma alíquota de 40% de Imposto de Renda para os mais ricos, mais crédito do BNDES e a volta da CPMF. Delirava.
E Michel Temer, estava fazendo o que àquela altura? Em dezembro de 2015, Temer, o vice-presidente da República, também não era um exemplo de equilíbrio emocional: chorava as pitangas por se sentir maltratado por Dilma. Uns dias antes, chegara ao conhecimento do país a dramática carta em que o vice reclamava da titular que ela nunca havia confiado nele. Acusava-a também de mentir e sabotar o PMDB no governo. Naqueles dias, Temer virou motivo de chacota dos políticos de Brasília por causa do rompante. Apesar do mi-mi-mi, virou presidente da República.
A única coisa que parece não ter mudado em um ano é a Lava Jato, que já corria solta e chegava perto de amigos do ex-presidente Lula, como José Carlos Bumlai. Em dezembro de 2015, o procurador Rodrigo Janot já estava de olho em Eduardo Cunha, que viu seu processo de cassação começar a tramitar com o apoio do PT e, por vingança, botou o impeachment em tramitação. Tudo guiado por fortes emoções.
Todo mundo sabe o que veio depois, e não vou fazer retrospectiva das insanidades em série porque dá enjôo. Basta ver o que ficou para o réveillon de 2017.
Em tese, as instituições foram respeitadas e o impeachment tramitou dentro dos preceitos constitucionais e sob a égide do STF. Mas a deposição de uma presidente da República com base em pedaladas fiscais, sem um real e concreto crime de reponsabilidade por ato de corrupção ou assemelhados, deixou sequelas. A coisa funcionou mais ou menos como num regime parlamentarista, em que o chefe do Executivo pode ser substituído por incompetência ou qualquer outra razão que o tenha levado a perder o apoio do Congresso. Só que o regime é presidencialista, com presidentes eleitos pelo voto direto, e a instituição do impeachment – usada pela segunda vez em menos de 25 anos – que entrou na Carta para ser uma excepcionalidade, corre o risco de ser banalizada.
No ano mais turbulento das últimas décadas, o novo presidente assumiu com o apoio maciço do Legislativo e o indispensável respaldo constitucional, mas para executar um programa em tudo oposto ao que fora aprovado pelas urnas em 2014. (Apenas para ser justa: a insanidade começou quando a própria presidente reeleita resolveu executar o programa de seu adversário).
É por isso que se pode dizer, no mínimo, que piorou a qualidade de nossa democracia em 2016. Ficou tão fácil derrubar presidentes desagradáveis ou politicamente frágeis que já tem gente pensando em fazer o mesmo com Michel. A virada do ano encontra o presidente patinando na economia e de volta ao alvo político, seja por ter sido mencionado na Lava Jato, seja em função do processo que corre no TSE para cassar a chapa presidencial de 2014.
Se essa moda pega, a cereja do bolo de todas as insanidades será eleger seu eventual substituto indiretamente, por um Congresso adoecido, com suas dúzias de acusados da Lava Jato. Um processo que pode não contar com a garantia de uma arbitragem acima e além de qualquer interesse por parte do Judiciário. Talvez seja mesmo alguma coisa na água, mas os togados também perderam um pouco do juízo e entraram no clima reinante, distribuindo sopapos a torto e a direito por aí, e entre eles próprios.
Não estamos entrando em 2017 nem com o pé direito e nem com o pé esquerdo, mas suspensos, sem chão embaixo nem teto em cima. Muita calma nessa hora.
Apesar de tudo isso, Feliz Ano Novo!

sexta-feira, 1 de abril de 2016

Mais uma versão para sua aversão sobre Política / Helena Chagas

POLÍTICA

De moedas e trocas

Moeda de troca (Foto: Arquivo Google)
No subtexto de tudo o que está sendo dito, negociado e noticiado sobre a possibilidade de impeachment e de substituição da presidente Dilma Rousseff pelo vice Michel Temer está a pergunta que não quer calar: um eventual governo Temer terá condições de frear ou, ao menos, atenuar o ímpeto da Lava Jato? Ainda não se sabe a resposta, mas ela – ou as suposições que se fazem em torno dela – terá importância crucial na votação do impeachment num Congresso cheio de acusados.
Afinal, acima e além das barganhas em torno de cargos e outros brindes, está a Lava Jato. Mais do que ter um ministério ou uma diretoria de estatal, quem está ou pode estar nela quer salvar a própria pele e escapar da cadeia. A esta altura, para muita gente, a sobrevivência é a principal moeda de troca.
Incomodado com rumores sobre um hipotético “acordão” em que prometeria salvar cabeças políticas em troca de apoio ao impeachment, o próprio Temer aproveitou almoço com empresários nesta quinta para desmentir qualquer “operação abafa”. Disse que é um constitucionalista e que respeita as instituições. Afiançou que a Lava Jato continua se ele virar presidente.
Disso ninguém duvida, e não se imagina o vice, uma vez investido na presidência, dando ordens para suspender operações, amarrando a Policia Federal e tentando interferir em instituições independentes como o Ministério Público. Nada em sua longa vida pública como jurista e político autoriza tal previsão. 
Nessa mesma vida pública, porém, o professor de Direito Constitucional Michel Temer construiu um perfil que junta habilidade política a bom trânsito junto a instâncias do Judiciário, Ministério Público e instituições da área jurídica, incluindo o STF.  E há uma longa distância entre tentar abafar ostensivamente uma operação midiática como a Lava Jato e fazer articulações discretas e pontuais para reduzir seu ritmo, atenuar efeitos e tornar seus lances menos drásticos e dramáticos.
É isso o que, segundo alguns, Temer pode fazer. Conseguindo aprovar o impeachment pela Câmara e sua autorização pelo Senado, o vice assumiria o governo provisoriamente e teria o prazo de 180 dias que o Senado pode levar para julgar a presidente para um test drive. Se mostrar serviço e operar uma pacificação em torno da Lava Jato, teria grandes chances de ver o Senado de Renan Calheiros e outros condenar a presidente da República e ficar de vez na cadeira.
Teria lá seus argumentos junto ao Judiciário e a outras instituições envolvidas na investigação: o país não aguenta mais sangrar a reboque das surpresas da crise política, a economia necessita de reformas urgentes e inadiáveis, é preciso recuperar a confiança interna e externa e mostrar que há governo.
Se a página da Lava Jato, com seus sobressaltos diários, não for virada, dificilmente haverá Legislativo para levar esses planos adiante. Afinal, os acusados na Câmara e no Senado estão, em muitos casos, no topo da hierarquia parlamentar – aquela que comanda votos, sessões, presenças e ausências, inclusive na votação do impeachment.   
Apesar das negativas, portanto, a possibilidade de redução na voltagem da Lava Jato é hoje a barganha das barganhas, a mãe de todos os acordos: entrega a cabeça da presidente da República e de mais alguns próceres do Legislativo – possivelmente, a do presidente da Câmara, Eduardo Cunha – e o pessoal da Lava Jato dá uma trégua, passa a trabalhar mais devagar e com menos estardalhaço. Os demais acusados, a maioria com foro no STF, ganham no mínimo tempo. Talvez muito tempo.
Como, na atual crise, um dia é da caça e outro do caçador, e a verdade que se tem de manhã nunca é a mesma da noite, é difícil prever o que vai acontecer. A semana que começou emparedando o governo com o rompimento do PMDB termina bem mais amena para o Planalto, com a divisão dos peemedebistas, a aproximação com PP, PR e outros partidos menores, a farta distribuição de cargos e mais uma manifestação a seu favor nas ruas. Impossível dizer hoje se vai ou não haver impeachment.
O certo é que qualquer negociação envolvendo a mais midiática operação policial e judicial da história do pais terá que ser combinada com os russos. E, diferentemente do que se pensava, os russos não estão mais morando em Curitiba. Espalharam-se pelo Brasil inteiro.