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sábado, 26 de dezembro de 2015

Está perdido ? Leia 10 passos para quem se acha perdido... / Ivan Martins / Época



IVAN MARTINS


10 coisas que aprendi em 2015


Uma lista de lições (muito pessoais) extraídas do ano que vai acabando, e que muitos gostariam de esquecer. Ou apagar

IVAN MARTINS
23/12/2015 - 08h25 - Atualizado 23/12/2015 09h35

Ouço todo mundo reclamando de que este ano não foi fácil. Eu concordo inteiramente. Aconteceu de tudo, e muita coisa foi ruim. Para mim, foi um ano de perdas como eu nunca tinha tido. Para todos, parece ter sido um ano de grande confusão – aquilo que os chineses chamavam, com enorme ironia, de “tempos interessantes”. De alguma maneira sobrevivemos e, naturalmente, aprendemos com isso. Eu mesmo aprendi muita coisa. Sobre morte, sobre separação, sobre relações passageiras e sobre o papel dos bichos na nossa vida. Muitas dessas coisas, como dizia um antigo chefe meu, são novidades apenas para mim. Outras, podem ser novas para mais gente. Tomara que haja mais do segundo caso. Dizem que a gente nunca aprende com a experiência dos outros, mas eu sou um pouco mais otimista. Se o meu annus horribilis não for capaz de ensinar, talvez consiga distrair. Vocês me digam:
1.  Mãe faz muita falta. Não adianta ser um adulto grisalho. Não importa que a sua mãe tenha 87 anos. Quando ela morre, abre um buraco na sua biografia. Com ela, vai parte da criança que você foi: aquela que a amava de forma inocente e absoluta, e que se sentia amada por ela de maneira incondicional. Quem o amará dessa forma novamente? Além da dor simbólica e da orfandade assustadora, existe a ausência física. Nem faz um ano que a minha morreu, mas já me peguei várias vezes pensando em ligar para ela e perguntar besteiras, como eu sempre fazia. Como se faz panqueca, mãe? É razoável pagar trinta reais numa barra de calça? (“Não! Venha aqui que eu faço”). Os almoços semanais na casa dela eram regados a uma conversa nostálgica que apenas os velhos sabem manter. Ela falava da década de trinta do século XX - quando foi menina – como se fosse a semana passada, com a vivacidade e a fúria da memória implacável. Carregava galhardamente os mortos dela (meus avós, meus tios) e dividia a história deles comigo. É assim que a gente faz a conexão com o passado: há uma narrativa familiar que vem no leite e que nos ajuda a entender o mundo de onde surgimos. Eu tive sorte, perdi minha mãe adulto. Tivemos muitos anos para fazer a passagem do bastão. Agora eu guardo as memórias, algumas das quais passarei aos meus filhos. Outras se perderão, irremediavelmente. É triste, e temo que fique ainda mais triste à medida que o tempo passe. A presença da mãe ausente não diminui, só cresce.
2. A gente nunca aprende a lidar com separações. Cada vez que um grande amor acaba, temos de viver tudo de novo. A vida perde a graça, os olhos embaçam. O luto – esse é o nome do sentimento – é uma tinta que se agarra aos nossos dedos e se recusa a sair. Ela vai manchando tudo o que a gente toca. Temos de lutar contra essa dor todos os dias, e às vezes ela leva a melhor. Então nos recolhemos à nossa infelicidade e torcemos para que a noite seja breve. No fundo de nós, sabemos que uma hora a amargura vai passar, mas, verdadeiramente, não desejamos que passe. Superar o luto significa deixar de amar, e isso não parece razoável. Livrar-se internamente do outro é o mesmo que admitir que a possibilidade de estar com ele se esgotou. Outras possibilidades surgirão, naturalmente, mas reconhecer que aquele caminho se fechou é intolerável. Não queremos ser felizes de outra maneira. Queremos a vida com aquela única pessoa, não qualquer outra forma de vida. Essa é a armadilha sentimental das separações: não desejamos nos livrar da dor, porque há nela um germe de esperança. Entender esse paradoxo não resolve o problema, mas ajuda.
3. Mudar de vida é bom, mas custa. A gente não percebe o quanto nosso equilíbrio depende das rotinas de trabalho que nos incomodam. Quando nos vemos livres dela, o mundo fica subitamente inquietante. É preciso inventar uma vida nova, e uma nova rotina que faça sentido. Em setembro de 2015 eu comecei a fazer isso. Estou feliz, mas ainda é estranho. Lamento, às vezes, não ter começado antes. A esta altura já teria criado uma nova disciplina interior. Ela é a chave de tudo. Antes, havia uma disciplina externa, ditada pelo ritmo da empresa. Agora, a disciplina tem de estar em mim, assim como o estímulo e a crítica. Não é fácil ser chefe de si mesmo, mas há uma geração de inteira de gente criativa vivendo assim. A liberdade é assustadora, mas traz promessas cintilantes de auto realização.
4.  A ternura das pessoas que passam é essencial. Nossa vida não é feita somente de relações duradouras. Há gente que atravessa uma rua conosco, caminha ao nosso lado uma avenida, e pronto: deixa um perfume que não será esquecido. Não era para ser, não era para durar, mas isso não torna as pessoas menos essenciais. No longo vazio que sucede as separações, esses encontros são como pontos de luz. Eles marcam a vida com a intensidade ou a delicadeza das coisas efêmeras, que têm a sua própria forma de beleza. Não falo de sexo casual apenas. Falo do encontro temporário de corpos e de sentimentos, que nos dá a sensação de plenitude. Depois ela se dissipa, como é da natureza das coisas que passam, abrindo o nosso coração e o preparando para as coisas mais perenes que virão. Por esses encontros, que eu não sabia direito que existiam, e que não tinham nome no meu vocabulário, a minha comovida gratidão.
5. Hábitos podem ser mudados. Mesmo aqueles antigos, que a gente cultiva a vida inteira, podem ser postos de lado em nosso benefício. Este ano eu parei de beber, por exemplo. Posso tomar um vinho ou um copo de cerveja eventualmente, mas o hábito foi posto de lado. As razões dessa mudança nem eu mesmo entendo, mas noto que ela me fez bem. O prazer da bebida tornou-se eletivo, não social e automático. Acho que isso pode valer para tudo que a gente faz distraidamente, por imitação ou por descaso consigo mesmo. Podemos descobrir que hábito e prazer não são a mesma coisa.
6. A vida interior precisa de atenção. A frase é óbvia, mas a gente não aplica. Vivemos um dia depois do outro, entre a depressão e a euforia, sem nos questionar sobre a natureza dessas sensações. Nos parece, o tempo inteiro, que tudo que nos afeta vem de fora. O trabalho, a família, o amor, a droga da política. Mas não é verdade. Todos nós convivemos com um grau de sofrimento interno elevado, quase insuportável às vezes. E não damos a isso a atenção que deveríamos. Este ano, por um acaso generoso, eu fui posto em contato com as ideias meio budistas, meio indianas e algo freudianas do guru Sri Prem Baba. O resultado desse encontro é que eu voltei a refletir, como não fazia desde a adolescência, sobre os meus estados mentais. De onde vem a ansiedade? Por que tamanha inquietação? Que angústia e essa que vira e mexe me aflige? Na cultura ocidental, a gente resolve isso procurando um psicólogo ou psicanalista. Na tradição oriental, busca-se um mestre que ensine a meditar e refletir sobre a origem dos sentimentos dolorosos - e ajude a eliminá-los. Como eu tenho dificuldade pessoal com a ideia de seguir um guru, tenho lido sozinho sobre budismo e espiritualidade, e tenho tentado, precariamente, aprender a meditar – uma arte sutil que exige o oposto de tudo que a gente aprendeu a fazer em casa e na escola. Seu objetivo é separar o fluxo de sentimentos e pensamentos daquilo que os orientais chamam de consciência. Por trás disso, está a ideia assustadora (mas linda) de que nós não somos iguais aos nossos pensamentos e sensações. O cérebro produz essas coisas o tempo inteiro, compulsivamente, e nós sofremos por nos identificarmos demais com elas. Não é curioso? Quem quiser saber mais sobre isso, leia Despertar -  um guia para a espiritualidade sem religião, do Sam Harris. Esse livro ajudou a melhorar o meu ano.
7. Eventos públicos interferem na vida privada. Este ano, com tudo o que aconteceu no Brasil, experimentei uma tremenda angústia. Lava Jato, impeachment, crise econômica. Não houve como se isolar das notícias terríveis. Todos os dias o jornal me deixava furioso ou prostrado. As conversas no bar e no trabalho terminavam em tom de exasperação. Nunca discuti tanto, e de forma tão inútil, nas redes sociais. Em vários momentos, tive a impressão de que o Brasil que eu vira emergir da ditadura nos anos 1980 virava farinha. Havíamos entrado na máquina do tempo e ela nos levava de volta a uma versão perversa de 1964. Sentia todas as manhãs, quando abria a internet, que as coisas se encaminhavam para um desfecho farsesco e injusto, sem que eu pudesse fazer nada além de assistir, apoplético. Um horror, capaz de afetar o meu sono e perturbar o meu escasso apetite. Felizmente, o ano vai terminando em uma nota alvissareira, apesar dos playboys ofendendo o Chico Buarque na saída do restaurante. Que horror aquele vídeo! As pessoas foram às ruas em defesa da legalidade e o STF pôs um limite ao reinado de Eduardo Cunha. A balança de alguma forma se equilibrou, embora o futuro ainda seja incerto. 2015 ficará na minha memória como o ano em que não foi possível viver fora da crise.
8. Engajamento é essencial. Cada vez mais, sinto que a gente precisa fazer algo pelo mundo ao redor. A vida não pode se reduzir, mesquinhamente, a acumular dinheiro e sucesso e a cuidar da nossa família, cheios de medo. No final deste ano, quando começou o movimento de ocupação das escolas em São Paulo, vi a alegria com que alguns dos meus amigos – pais de alunos, alguns; vizinhos das escolas, outros – se mexeram para ajudar os adolescentes. Foi uma coisa bonita, um reencontro com as biografias deles. As pessoas cozinharam, deram aulas, participaram de marchas e, ao final, sentiram-se parte da vitória dos meninos e meninas, que conseguiram impedir o fechamento de quase uma centena de escolas estaduais. Tenho certeza que nós seríamos mais felizes, e viveríamos num mundo melhor, se saíssemos regularmente da nossa vida privada para fazer algo pelos outros. No final, descobriríamos que os outros somos nós.
9. Bichos podem ser fundamentais. Carlota e Elizabeth, as minhas gatas, foram parte importante deste ano tumultuado. Quando as coisas ficaram difíceis, elas estavam lá para distrair e receber afeto. Levantar de manhã, limpar a caixinha e dar comida a elas, ou brincar com fitas e bolinhas, fazendo com que elas corram e se exercitem, são atividades prazerosas. Cuidar dos bichos me faz sentir melhor. Os gatos, ao contrário dos cachorros, não respondem da mesma forma ao carinho dos humanos, mas não importa – eles podem ser objetos da nossa afeição, mesmo de cara emburrada ou indiferente. Tenho um amigo que mora sozinho e adotou, recentemente, um cachorrão amoroso e estabanado. É impressionante como o cão fez bem para ele. Melhorou o humor do amigo e aumentou o seu prazer de estar em casa. A conclusão é óbvia: os bichos fazem bem aos humanos, sobretudo para aqueles que moram sozinhos. 2015 não me transformou num animal lover, mas fez com que eu revisse meus preconceitos em relação a eles.
10. Sentir-se perdido é o primeiro passo. Quando a vida está certinha, a gente boceja de tédio. Quando tudo sacode e desaba, morremos de medo. Estar num lugar é desejar o outro, e nos intervalos entre lá e cá nos sentimos perdidos. Bem perdidos. Eu estava desacostumado ao sentimento, mas este ano fui obrigado a percebê-lo como parte da vida. Ao menos de uma vida que se renova. No meio das mudanças, voluntárias ou não, sempre aparecem sentimentos de perplexidade e desorientação. Qual é mesmo o caminho a seguir? Qual a coisa certa a fazer? Há que tomar decisões e tentar. Se for o caso, arrume uma bússola. A minha costumava ser a psicanálise. Hoje em dia eu não sei. Mas sei, com toda certeza, que há vários caminhos possíveis, e que eles levam a lugares fascinantes. Sei também, porque aprendi, que o primeiro passo começa sempre com a sensação de estar perdido. É assustador. É libertador. Talvez seja essencial.
. (Foto: .)


domingo, 23 de março de 2014

Qual é o sabor de sua vida ??? /

Cadê o beijo na boca?

A gente se casa e ele desaparece. Por quê?

IVAN MARTINS
12/03/2014 07h00 - Atualizado em 12/03/2014 15h17

 Entre as várias coisas que acontecem depois que a gente se casa, há uma, chatíssima, que eu nunca vi discutida: os beijos na boca terminam. É isso mesmo. Você viu seus amigos casados se agarrando como faziam antigamente? Quando foi a última vez que você e seu ilustre marido trocaram um beijo de língua sensual e demorado? Se foi no mês passado, está tudo bem. Se você nem consegue se lembrar, não se assuste. Parece ser assim com todo mundo. A escritora americana Nora Ephron, que viveu até os 71 anos e teve três casamentos, disse que acontece com todos os casais.
Eu me pergunto por que é assim. O sexo depois do casamento se torna menos frequente, mas a qualidade da transa aumenta muito. Com a intimidade, as pessoas ficam mais à vontade, perdem a vergonha e começam a fazer e dizer o que gostam. Tudo se torna mais intenso e mais profundo. Melhora, enfim.
Com o beijo, não. Eles são longos e molhados no início, e repetem-se o tempo todo. Funcionam, no frescor da paixão, como a forma mais intensa e direta de preparação ao sexo. Depois somem. Reaparecem mornos de ternura no dia de aniversário ou cegos de desejo quase no clímax do sexo. E é só. Aquele beijo apaixonado e comovido que se trocava no meio da rua desaparece como os pares de meia, em algum lugar secreto do guarda-roupa do casal.
Nem precisa dizer como os beijos fazem falta, né? É provável que não exista nada tão íntimo. Sei que a garotada anda fazendo um esforço heróico para banalizar essa manifestação de intimidade humana, mas eles não conseguirão. Beijar 10 ou 20 na mesma noite equivale a não beijar ninguém. A mistura de todas as bocas não soma, emocionalmente, uma única boca bem beijada. Para usufruir um beijo plenamente é preciso desejá-lo com antecedência, é preciso querer a pessoa que está em volta daquela boca. Há uma parte física e uma parte emocional nas línguas que se tocam. A física é óbvia, mas é a emocional que dirige o processo e faz disparar o coração, assim como os outros sistemas físicos de preparação. Quando você beija alguém que deseja, alguém que já está na sua imaginação, o beijo equivale a abrir uma porta para dentro da pessoa, e de você mesmo. Pode-se ficar três horas ou três semanas pensando naquele momento. Um beijo anônimo não leva a lugar nenhum, porque a porta que ele abre não tem endereço.
       
Beijos fazem tanta falta durante o casamento que a primeira coisa que as pessoas fazem depois de se separar é beijar na boca, ardentemente. Sexo elas tinham, mesmo num casamento arruinado. Mas beijo na boca, não. Esse tem de ser resgatado, reconquistado, celebrado com champagne. Quem passou muito tempo sem beijo na boca sabe como é gostoso voltar a encostar um corpo na parede e beijar com pressa e sem limite. Se você estiver encantado pela pessoa, não há nada melhor. Mesmo o sexo que vem depois talvez não equivalha, emocionalmente, a esse momento de conquista e de aceitação. O beijo, mais até que a penetração, oferece a forma mais direta de expressar ternura. Eu abro a minha boca e me ofereço sem barreiras, eu aceito você dentro de mim, com afeto e com luxúria. Não é à toa que as prostitutas não beijam na boca. Há coisas que o dinheiro não compra.
Eu tenho poucas dúvidas de que os beijos estão por trás da maior parte dos casos de infidelidade. Depois de um tempo de estabilidade, quando os beijos já sumiram da relação, tudo com que o sujeito ou a mulher sonham, às vezes literalmente, é estar nos braços de alguém que se deseja, beijando de forma sôfrega e apaixonada. O sexo nas relações clandestinas muitas vezes não passa de um cenário elaborado em que a peça de satisfação essencial é o beijo longo e molhado que se dá no amante, aquele que deixa os joelhos moles e faz o corpo estremecer.
Não sei se existe remédio para a falta de beijos nas relações duradouras. Talvez seja um exagero de romantismo pedir que eles persistam. Pode ser que gente que dorme junta, discute sobre o lixo da cozinha e racha o seguro de saúde perca a vontade de fazer certas coisas. Haveria uma troca: eu ofereço a minha presença, minha ajuda e a minha lealdade, mas não terei mais vontade de beijar você. Parece justo?
De uma coisa, porém, eu estou seguro – as pessoas não deveriam abrir mão dos beijos e nem permitir que a falta deles empobreça seu casamento de uma forma irremediável. Quando o casal perceber que os beijos sumiram, talvez seja hora de inventar alguma coisa capaz de recuperá-los. Sexo morno é fácil de esquentar. De vídeos pornôs a casas de suingue, há uma indústria especializada em oferecer novas formas de desejo aos casais que estão se repetindo. O beijo talvez seja diferente. Ele contém uma dose elevada de romantismo e se nutre de um erotismo mais sutil. Para beijar seu par como antes, talvez seja preciso olhar para ela ou para ela de uma forma nova, como se vocês tivessem acabado de se conhecer. Isso é possível? Talvez criando situações novas, em cenários novos, com gente nova ao redor. Vale a pena o esforço? Eu acho que vale. Muitos casamentos bacanas acabam porque as pessoas passam tempo demais discutindo e tempo de menos se beijando. Qualquer coisa que ajude a inverter essa situação deve ser bem-vinda.
Caros leitores e leitoras: como estarei de férias ao longo do mês de março, dedicado à preparação do meu próximo livro, serão publicados neste espaço, algumas crônicas do meu livro Alguém Especial que ainda não saíram na internet. Espero que gostem! Até a volta.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

"A gente se apaixona com tanta facilidade..."


Afinidades essenciais

Você não quer um olhar de incompreensão cada vez que um filme levá-la às lágrimas

IVAN MARTINS
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IVAN MARTINS É editor-executivo de ÉPOCA (Foto: ÉPOCA)
Quem acompanha esta coluna sabe que eu sou obcecado pela questão das afinidades. Vira e mexe, com desculpas diferentes, eu volto a esse tema. É que me parece, cada vez mais, que a forma como a gente escolhe os parceiros, ou como cada um de nós estabelece vínculos com eles, define a nossa vida. Ao menos a nossa vida afetiva, que é parte enorme de todo o resto.

Quando a gente é muito jovem, ser amado parece ser o problema essencial da nossa existência. A gente se apaixona com tanta facilidade, e com tanta frequência, que encontrar alguém que retribua na mesma intensidade parece a parte mais difícil da vida. À medida que o tempo passa, se você for honesto com você mesmo, vai perceber que a parte difícil da vida é gostar por muito tempo de alguém. Vai notar que as pessoas passam, algumas mais legais do que as outras, mas que apenas algumas delas, muito poucas, estabelecem com você um vínculo essencial. Essas pessoas que ficam são especiais – e a grande pergunta é por quê?
Os cientistas e os filósofos dizem que há perguntas boas e perguntas ruins. As ruins são aquelas cujas respostas não levam muito longe no caminho do entendimento. As perguntas boas, ou certas, são aquelas que abrem horizontes e direcionam a nossa curiosidade em direção ao que realmente importa. Por que algumas pessoas ficam na nossa vida, e outras, não, é, para mim, uma dessas perguntas que fazem a diferença.
Na semana passada eu voltei a pensar nisso por causa do futebol.
Me desculpem os que não têm qualquer interesse pelo assunto ou se irritam à simples menção da palavra time. Eu, sem ser fanático, me envolvo emocionalmente com esse negócio de bola e camisa, e já descobri, a contragosto, que posso ter uma semana pior ou melhor a depender do resultado do meu time. A semana que passou, por exemplo, foi maravilhosa. Desde quarta-feira anda difícil tirar do rosto um sorriso de profundo e injustificado contentamento. O sentimento não resiste a nenhuma análise lógica, mas está aqui, e, de alguma forma subjetiva, e ao mesmo tempo muito concreta, melhora substancialmente a minha vida. Como eu, milhões de outros.
Como seria viver com uma mulher que não tivesse qualquer empatia com esse sentimento? Se ela odiasse o meu time, mas gostasse de futebol, poderia achar dentro dela entendimento e respeito pela minha comoção. Funcionaria, como já funcionou. Sendo corintiana, como é, foi o melhor dos mundos: voltar para casa, embriagado de alegria, e achar alguém feliz como eu, de braços abertos. Mas poderia também ser ruim. Poderia ser alguém – existem muitas – que genuinamente desdenha esse tipo de coisa e me tratasse como idiota. Nesse caso, minha semana de alegria grátis talvez se resumisse a um espasmo constrangido de contentamento, ou virasse irritação e discussão. Quando não há afinidade e compreensão, qualquer coisa é motivo de briga. Até alegria.  
O importante dessa história boba, eu acho, é perceber que na nossa vida tem de haver gente que nos entenda e que tenha conosco um grau elevado de empatia. Sim, podemos conviver com diferenças. Claro, personalidades diferentes nos desafiam. Mas isso tudo fica melhor na escola, no trabalho e na vida social. Na intimidade a coisa é outra. Você não quer um olhar de total incompreensão cada vez que certo tipo de filme levá-la às lágrimas. Nem quer ter de dar explicações quando tiver vontade de deitar no colo do sujeito no sofá da sala e ficar quieta, preferencialmente recebendo um cafuné. Se você é esse tipo de pessoa, ele tem de ser o tipo de cara que entende e participa. Ou então não rola.
Minha impressão, pelo acúmulo de experiências, é que nossos parceiros duradouros tendem a sair de um espectro estreito de personalidades, valores e visão de mundo. Para mim é um sinal saudável – e uma pista importante – que a gente repita a preferência por certos traços na hora de escolher pessoas. É que por trás dessas coisas que a gente vê há outras coisas, mais profundas, que nem sempre se percebem, como família e história pessoal. Elas definem quem cada um de nós é, e qual a nossa capacidade de viver juntos. Esse tipo de coisa não se improvisa e nem se ignora. É como um time de futebol: para nos dar prazer de verdade, tem de ser parte da nossa história. Ou então não tem graça nenhuma. 
(Ivan Martins escreve às quartas-feiras)

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Buracos negros humanos - ÉPOCA | Ivan Martins

IVAN MARTINS - 02/05/2012 09h26 - Atualizado em 02/05/2012 09h26
TAMANHO DO TEXTO

Buracos negros humanos

Como essas personalidades atormentadas fascinam, atraem e destroem

IVAN MARTINS





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IVAN MARTINS É editor-executivo de ÉPOCA (Foto: ÉPOCA)
Costumo me lembrar dela de duas maneiras. Em uma, é a mulher intensa, cheia de vida, que a cada dia se apaixonava por uma nova ideia que iria revolucionar a sua vida. Na outra, é uma garota ansiosa, desamparada, sempre correndo atrás de algo que não existia. Nas duas versões é um ser humano fascinante. Em ambas, uma companhia intolerável.
Dias atrás, ao me lembrar dessa pessoa concreta e real, me ocorreu a imagem de um buraco negro – aquele ponto no espaço em que as forças do universo se manifestam de forma extrema e misteriosa. 
Em sua sedutora confusão, ela era capaz de atrair as pessoas, roubar a luz que elas emitiam e, de forma inocente e inevitável, esmagá-las. Assim como se imagina que os buracos negros podem levar a outras dimensões, ela também arrastava as pessoas ao seu redor a um território de angústia e perplexidade, aquele em que ela mesma vivia o tempo todo. Era, a despeito da sua doçura essencial, da sua enorme carência, uma personalidade destrutiva, incapaz de obter ou oferecer paz. Um mistério insolúvel para si mesma. Uma alma atormentada. Um buraco negro emocional.
Talvez vocês já tenham se envolvido com gente assim. 
É impossível ignorá-las e parece impossível salvá-las de si mesmas. Movidos por nossos melhores sentimentos, ou pelo mero desejo, somos arrastados a um turbilhão que não é o nosso e rapidamente percebemos que é impossível contê-lo ou sobreviver em seu interior. Quando você descobre que o outro é um rio sem margem, o instinto de sobrevivência recomenda fugir. Quem fica tem histórias difíceis para contar.
A convivência com esses extremos ensina algumas coisas, porém. A mais importante delas é a importância essencial da sanidade. Os seres humanos diferem de incontáveis maneiras e suas neuroses se multiplicam na mesma proporção. Mas há, dentro de cada um de nós, uma espécie de termômetro que mede a loucura do outro. Se ela passar do limite aceitável pela tribo, ou por nós mesmos, algo dentro de nós berra e recua. Muitos tivemos essa experiência. 
Você está conhecendo a pessoa, gosta do que vê e do que ouve, mas, de repente, ela diz ou faz algo totalmente fora de contexto, incompreensível e, por isso mesmo, assustador. Pode ser uma explosão de violência, uma mudança radical de humor ou uma conversa sem pé nem cabeça, que você tenta seguir e não consegue. O resultado é o mesmo: aparece um nó no estômago e a atração vira pó. Temos vontade de sair correndo.
Mas esses são casos extremos.
Em geral, antes de descobrir o pântano mental do outro já estamos enredados. Aí fica mais difícil perceber e escapar da confusão. Aliás, podemos estar apaixonados pelo tumulto. Achamos aquilo tudo fascinante, atraente, único. Pensamos: que pessoa original achei para mim. Leva tempo para entender que ela talvez seja original demais para o seu próprio bem. Custa se desvencilhar de algo assim.
Por isso eu penso nos buracos negros, em como eles arrastam para si tudo ao redor, como são fundamentalmente incompreensíveis e fascinantes, como representam perigo. Eles lembram as personalidades atormentadas. Assim como os buracos negros, é melhor vê-las de longe, no tempo e no espaço, à distância segura de um telescópio. Talvez assim seja possível decifrá-la. Assim é possível sobreviver ao seu fascínio. 
 (Ivan Martins escreve às quartas-feiras)