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sexta-feira, 19 de junho de 2015

"Bilac vê estrelas / Norma Couri / Observatório da Imprensa (recomendo)

FEITOS & DESFEITAS > ‘BILAC VÊ ESTRELAS’

Esse musical é nosso

Por Norma Couri em 18/06/2015 na edição 855

Olavo Bilac caricaturaOs produtores decidiram. Já que tantos brasileiros lotavam as plateias da Broadway em Nova York, por que não trazer os musicais para o Brasil? Foi há uma década e meia, o público delirou, uma Broadway nacional? Só se esqueceram de uma coisa: os musicais eram importados, e os preços dos ingressos mais altos do que os originais. Uma febre de superproduções varreu o país, A Bela e a FeraLes MisérablesO Fantasma da ÓperaMiss SaigonSweet CharityCats,ChicagoMy Fair Lady. Tudo em português! Não é que estávamos chegando perto do Primeiro Mundo? A imprensa paulista mergulhou nas coberturas, já que a sucursal da Broadway era São Paulo.
Confeitaria Colombo, fundada em 1894 e ainda funcionando na Rua Gonçalves Dias, no centro do Rio
O Rio de Janeiro reagia com musicais da terra. SassaricandoNoel – O Feitiço da VilaSomos Irmãs(sobre Linda e Dircinha Batista), Miranda por Miranda (sobre Carmem), Na Era do Rádio. Afinal, o Rio foi palco das mais animadas chanchadas, tanto no cinema com o tesouro perdido do Estúdio Atlântida, como no teatro de revista que perdeu o rumo com a americanização das telas e a internacionalização dos musicais. As megaproduções, patrocinadas pela Lei Rouanet, ganhavam a guerra dos brasileiros nas bilheterias, nos patrocínios, no espaço desmesurado da imprensa embasbacada com o avassalador desembarque das franquias da Broadway por aqui.
O pesquisador do nosso cancioneiro e sambista de peso, Nei Lopes, reclamava. E o jornalista e biógrafo Ruy Castro alertava os leitores na sua coluna da Folha de S. Paulo (22/3/2014) para torcerem “por musicais mais brasileiros”. A onda dos musicais no teatro brasileiro está sendo uma bonança para todo mundo – diretores, cantores, dançarinos, cenógrafos, figurinistas –, exceto para os compositores e letristas. Isto porque os espetáculos se resumem a biografias de cantores desfilando seus sucessos, ou a importações da Broadway com suas canções compostas há 40 ou mais anos e apenas traduzidas aqui… Nos EUA, o teatro gerou o cancioneiro. No Brasil, o cancioneiro é vampirizado pelo teatro.
O próprio Ruy tratou de suprir a lacuna. Lançou o musical Bilac Vê Estrelas com escritor, diretor, atores e equipe técnica nacionais e uma trilha sonora original. Em cartaz agora em São Paulo no Espaço Promon, antiga Sala São Luís, o musical aterrissou no final de maio e fica até o fim de julho para encurtar o descompasso e o silêncio da imprensa carioca sobre a temporada de quatro meses no Teatro Ginástico. Como não havia atores globais, a Globo não se interessou.
Olavo Bilac bromil
Poeta solteirão
Ruy não fez por menos. Com orçamento de 800 mil reais, que não chega aos pés dos 8 milhões de reais da produção de A Bela e a Fera, ele fez questão de contratar Nei Lopes para fazer a excelente trilha sonora de 15 canções (nenhum samba) e torce para alguma gravadora se animar a veicular o CD ou DVD. “ Se não”, diz, “quem ouviu, ouviu, quem não ouviu, perdeu.”
Mas perdeu mesmo. Seguindo a linha deliciosa do primeiro romance de Ruy (Companhia das Letras, 2000), com o mesmo título Bilac Vê Estrelas, a escritora e mulher de Ruy, Heloisa Seixas, e sua filha Julia Romeu, adaptaram o texto. Fizeram um resgate do melhor das chanchadas, dos policiais teatrais, das rocambolescas comédias históricas que trazem a memória de um Rio de Janeiro que falava francês (“c’est si bon, croquete com baguette no Petit Trianon”), frequentava a Confeitaria Colombo, era fascinada pelos versos do poeta parnasiano Olavo Bilac, o príncipe dos poetas, que publicava seus poemas no jornal Cidade do Rio de José do Patrocínio (Sergio Menezes), mais conhecido como Zé do Pato.


O musical traz uma engraçadíssima narradora, a vidente madame Labiche (Alice Borges), e um Bilac (André Dias) de pincenê que, mesmo não sendo, acreditamos que fosse vesgo como seu personagem. Mostra a invenção do dirigível de Patrocínio cobiçado até pelos Irmãos Wright (“o brasileiro não nasceu para rastejar”, dizia, e todos cantam “queiram os Irmãos Wright ou não/ é brasileiro o inventor do avião./ Olha que eu engrosso/ Não mete a mão que o avião é nosso”).


O toque sensual, sexual dos versos de Bilac fica por conta da espiã supostamente portuguesa Eduarda Bandeira (Amanda Costa), treinada na milenar técnica indiana do pompoarismo, baseada na arte de fortalecer a vagina para deixar seu macho louco (“amor de pica é amor que fica”). Aliada ao padre Maximiliano (Caike Luna) no roubo do traçado do dirigível, a dupla provoca incêndio, duelo, um quase assassinato.
A espiã seduz até o padre, só não pega Bilac, poeta solteirão por convicção. “És maricas, Bilac?”, ela reage ao fracasso das investidas, insultando o poeta de baitola, viadinho… e, afinal, reconhece: “Ça merdê!”


Farofa de ovosUma coleção de pérolas destila das árias que vão da ópera bufa ao xote, modinhas, fados, polcas, maxixe, lundu, quadrilhas francesas.“Comment ça vá, mon ami?/ Tudo marveiê!/ Tré biã, merci, monamú/ Na legalité.”

Dá gosto ver a Belle Époque carioca do fim do século 19 e princípio do 20 reluzir assim do baú para a modernidade, sem precisar apelar para atores da TV. Tomara que o patrocínio estique para não permitir que a peça termine sua temporada em São Paulo e vá de volta para o Rio, desta vez no teatro Carlos Gomes. E que o público tome gosto por um gênero que já foi a coqueluche, a cocadinha, a fina flor do teatro nacional.
Vale até conferir se a Confeitaria Colombo ainda mantém o “picadinho à Bilac”, com champignon, passas, milho verde, banana frita e farofa de ovos, lançada em 2000 quando Ruy escreveu o livro.
Confeitaria Colombo, fundada em 1894 e ainda funcionando na Rua Gonçalves Dias, no centro do Rio (foto)
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Norma Couri é jornalista

quinta-feira, 3 de maio de 2012

A liberdade vigiada - Comentário para o programa radiofônico do OI, 27/4/2012 | Observatório da Imprensa | Observatório da Imprensa - Você nunca mais vai ler jornal do mesmo jeito

A liberdade vigiada - Comentário para o programa radiofônico do OI, 27/4/2012 | Observatório da Imprensa | Observatório da Imprensa - Você nunca mais vai ler jornal do mesmo jeito

DIGITAL vs. ANALÓGICO

A liberdade vigiada

Por Luciano Martins Costa em 28/04/2012 na edição 691
Comentário para o programa radiofônico do OI, 27/4/2012
De onde vem a ameaça dos novos meios digitais de comunicação contra as chamadas mídias tradicionais? Provavelmente vem de um aspecto da revolução tecnológica a que pouca gente ainda prestou atenção, e que assombra não apenas os chamados gatekeepers da informação, mas todos os setores que de alguma forma tentam manter sob vigilância os portões de acesso à plena cidadania para todos: o risco para essas instituições é a transformação do consumidor em cidadão.
As tentativas de controle do espaço cibernético tem se manifestado de diversas maneiras. As mais recentes de que tivemos notícia respondiam pelas siglas SOPA, que em inglês significa ato para interromper a pirataria online, e PIPA, que quer dizer ato de prevenção contra ameaças reais à criatividade econômica e roubo de propriedade intelectual.
As duas medidas, que foram bloqueadas pelo governo dos Estados Unidos, aparentemente positivas, na verdade carregavam em seus bojos instrumentos de interferência do Estado sobre as atividades dos cidadãos na internet.
A ampla reação da sociedade, que ameaçou com atos de desobediência civil em larga escala, e a atitude do presidente Barack Obama, que rejeitou formalmente medidas oficiais contra a liberdade de expressão na rede mundial de computação, conteve o ímpeto do autoritarismo.
Valor real
Mas o risco não terminou: o deputado republicano Michael Rogers, do Michigan, acaba de propor uma nova lei, denominada CISPA, cuja finalidade, ao sustentar a defesa dos interesses públicos e privados dos Estados Unidos na internet, pretende reforçar o Ato de Segurança Nacional de 1947.
O parlamentar repercute a paranoia americana que vê ações de invasão cibernética da China, Rússia e Irã em seus computadores, tablets e smartphones – a versão cibernética da Guerra Fria.
Na vida real, a proposta consiste em obrigar todas as empresas privadas, inclusive Facebook, Google, Pinterest, Youtube ou operadoras de telefonia, a entregar os dados de qualquer cidadão a qualquer órgão do governo diante de qualquer suposta ameaça cibernética.
O alerta, publicado pelo jornalista Samuel Biddle, editor do site Gizmodo (ver aqui, em inglês), especializado em estilo de vida digital, informa que o projeto foi aprovado discretamente pela Câmara dos Representantes na noite de quinta-feira (26/4), e tinha votação de urgência no Senado marcada para o dia seguinte. Segundo o jornalista, o presidente Barack Obama estaria disposto a vetar também essa proposta.
Voltando ao princípio destas observações: por que a mídia tradicional e outras empresas dominantes no cenário chamado de indústria cultural são e se sentem ameaçadas pelas mídias digitais?
Dizer que a razão é o fato de que as amplas possibilidades de interação e protagonismo abertas pelos novos meios tiram os indivíduos da circunstância limitadora do consumo e os insere no ambiente mais amplo da cidadania é apenas o ponto de partida dessa nova realidade.
Ainda assim, a maioria dos observadores do fenômeno da comunicação e os gestores das empresas dominantes no negócio parecem não ter atentado para esse aspecto: visto como consumidor, o indivíduo é menos valioso socialmente. Vale basicamente pelo que pode comprar.
Quando se vê e se percebe cidadão, ele se dá conta de seu valor real como ser humano, e passa a exigir ser tratado como protagonista nos fatos sociais e econômicos, não apenas como “público”, “audiência” outarget de publicidade e marketing.
O muro de vidro
Há outra questão ainda mais crucial: o que as mídias digitais estão proporcionando é o acesso direto a fontes de conhecimento, reduzindo o valor da informação mediada e filtrada pelos meios tradicionais.
Quando consegue olhar através dos portões onde vigiam os guardiães da informação, o cidadão compreende que sua visão de mundo vem sendo condicionada por um viés progressivamente limitador, porque os gatekeepers da imprensa são cada vez mais homogêneos ideologicamente e o produto informativo que oferecem é progressivamente limitado, do ponto de vista da diversidade de interpretações.
Sem os gatekeepers da mídia tradicional, o cidadão fica mais vulnerável a boatos sem fundamento, notícias falsas ou falsificadas, conhecimento irrelevante ou falso conhecimento? Ninguém pode afirmar que tal não acontece com as informações filtradas pelos meios tradicionais.
A imprensa é um muro de vidro, e vale mais quanto mais translúcida for.
Há muito mais ainda a se considerar sobre esse tema, e certamente teremos que voltar ao assunto, mas uma certeza se pode ter: quem olhou por cima do muro, mesmo que o muro seja de vidro, nunca mais vai ler jornal do mesmo jeito.