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segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

"Na educação, a síntese dos fiascos brasileiros" Rolf Kuntz

Na educação, a síntese dos fiascos brasileiros - 

ROLF KUNTZ

ESTADÃO - 11/12

As más classificações em educação e em competitividade são itens do mesmo quadro


O fracasso na educação pode ser a síntese de todos os fracassos do Brasil neste começo de século, refletidos na maior recessão em muitas décadas, no baixo potencial de crescimento, na estagnação da produtividade, no escasso poder de competição internacional, no retorno humilhante à armadilha da crise fiscal e na corrupção como componente da rotina política. A ilusão do avanço e a queda na realidade foram marcadas em duas capas famosas da revista The Economist – na primeira, o Cristo Redentor subindo como um foguete, na segunda, despencando de cabeça para baixo. Uma fantasia permanece, no entanto, em alguns discursos políticos e, talvez, na mente das pessoas mais crédulas. Ainda se fala sobre o resgate de dezenas de milhões de pessoas da pobreza.

De fato, milhões ingressaram no mercado de consumo graças a transferências de dinheiro por mecanismo fiscal e à elevação real do salário mínimo por decisão política. Quantos desses pobres, ou ex-pobres, segundo os mais otimistas, se tornaram mais capazes de ganhar a vida no mercado, em condições normais, apenas com suas habilidades e seu esforço? Ninguém respondeu ainda a essa pergunta, mas, além disso, poucos a têm formulado de modo explícito. O Brasil ainda é conhecido por seus indicadores de pobreza e desigualdade, mesmo depois das alardeadas façanhas do populismo e da melhora de alguns números. Mas houve mesmo tanta melhora?

Uma boa pista sobre essa questão foi apresentada há mais de 200 anos, na França, pelo marquês de Condorcet, filósofo, matemático, membro da Assembleia revolucionária e, como tantos outros líderes, vítima da própria Revolução. A instrução, escreveu Condorcet, é “um meio de tornar real a igualdade de direitos”. É inútil, segundo ele, proclamar essa igualdade quando a ignorância mantém um homem na dependência do saber de outros. Por isso, “a instrução pública é um dever da sociedade em relação aos cidadãos”. As ideias do marquês sobre educação aparecem nas suas Cinco Memórias sobre a Instrução Pública, editadas em 1791, e no Relatório sobre a Instrução Pública, lançado no ano seguinte. São propostos programas de acordo com a idade, com o tipo de ocupação procurado e com a vocação científica ou profissional do estudante.

A educação geral inclui uma etapa básica e, em seguida, como objetos de instrução comum, “um curso muito elementar de matemáticas, de história natural e de física, absolutamente dirigido para as partes dessas ciências que podem ser úteis na vida comum”. A esses ensinamentos devem acrescentar-se elementos da Constituição nacional, noções fundamentais de gramática e de metafísica, primeiros princípios de lógica e noções de história e de geografia. O objetivo ultrapassa a formação de competências para a vida produtiva: a ideia é formar cidadãos, pessoas capazes de participar conscientemente da vida social. A ideia da instrução como promotora da igualdade tem um amplo significado.

A mesma preocupação aparece, mais de 200 anos depois, no texto de apresentação do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, conhecido pela sigla Pisa: que conhecimentos e capacidades são importantes para os cidadãos? Essa pergunta abre o relatório do exame aplicado em 2015 a 540 mil estudantes de 72 países, jovens de 15 anos, no final, portanto, da fase de educação obrigatória. Trata-se de saber, segundo o texto, se eles obtiveram os conhecimentos e competências essenciais “à plena participação em sociedades modernas”. Não se trata somente de economias modernas, embora esse ponto seja importantíssimo, mas de sociedades, algo mais amplo.

O teste incluiu, como sempre, questões de ciência, leitura e matemática. Mas neste ano o objetivo principal foi medir a qualificação para o exame de questões científicas e a capacidade de achar soluções para problemas novos. Além disso, os estudantes preencheram questionários sobre sua origem e suas condições de vida.

Os estudantes brasileiros, como sempre, foram muito mal. Conseguiram em ciências 401 pontos, muito abaixo da média geral (493) dos alunos dos países da OCDE, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. O grupo é formado majoritariamente por países desenvolvidos, mas com participação relevante de emergentes, incluídos México e Chile. Em leitura os brasileiros obtiveram 407 pontos. Em matemática, 377. As médias da OCDE nessas disciplinas foram 493 e 490. Acima do Brasil ficaram, entre dezenas de outros, Chile, Bulgária e Costa Rica. Além disso, Colômbia, México e Uruguai gastam menos que o Brasil por aluno e conseguem resultados melhores. O Chile, com despesa média praticamente igual, obteve 477 pontos em ciência. Enquanto isso, o debate brasileiro continua centrado no tamanho do gasto em educação.

Dois meses antes do novo relatório do Pisa, saiu o ranking de competitividade do Fórum Econômico Mundial. O Brasil ficou em 81.º lugar entre 138 países. Foi a pior classificação na lista publicada a partir de 1997. No relatório anterior o País estava na 75.ª posição. A 48.ª colocação, a melhor, havia sido alcançada em 2012. A recessão pode ter afetado as duas últimas notas, mas o declínio começou bem antes. Além disso, o Brasil tem sido regularmente mal classificado em questões estruturais, como tributação, infraestrutura, educação e formação de mão de obra. Houve até um avanço no item “educação superior e treinamento”, mas da 93.ª para a 84.ª posição. Seria um dado animador num conjunto de mil países. Mas são apenas 138.

As más classificações no Pisa e no quadro de competitividade são mais que uma casualidade. Além disso, o Brasil, embora seja uma das dez maiores economias, continua em 25.º entre os exportadores. Todos esses dados se completam e, é claro, remetem a Condorcet. É séria, no Brasil, a conversa sobre igualdade e cidadania?

*Jornalista

domingo, 24 de julho de 2016

"Num país administrado com alguma seriedade, um trecho ferroviário de 800 quilômetros mantido sem uso seria uma aberração quase inacreditável."

Rolf Kuntz: Da UTI à competição, um 

roteiro longo e difícil

Por enquanto, já será muito bom se o Brasil voltar a se mover. Novas

 projeções, mais animadoras, apontam mudança de sinal – para o 

lado positivo – no próximo ano

Por: Augusto Nunes  


Publicado no Estadão

O primeiro e mais urgente desafio para o governo é tirar o País da UTI, mandá-lo para a recuperação e divulgar boletins animadores e críveis sobre a melhora de suas condições fiscais. Se tudo andar bem, lá por 2019 ou 2020 haverá sinais de controle da dívida pública. Será um trabalho politicamente complicado, mas o roteiro é mais ou menos conhecido. Será preciso, contudo, ir muito além do tratamento intensivo e da reabilitação inicial. Governo e setor privado terão de repor o Brasil em condições de competir no mercado internacional e de crescer em ritmo parecido com os de outros emergentes – na faixa de 4% a 6% ao ano, somente para reconquistar algumas posições. Falta saber como cuidar dessa parte: essa é, neste momento, a área mais obscura da política econômica. Será como reinventar o País, depois de muitos anos de equívocos e de ampla deterioração da capacidade de crescimento.

Por enquanto, já será muito bom se o Brasil voltar a se mover. Novas projeções, mais animadoras, apontam mudança de sinal – para o lado positivo – no próximo ano. Em 2017 o produto interno bruto (PIB) crescerá pouco mais de 1%, de acordo com estimativas do mercado financeiro e de consultorias. Além disso, economistas do Fundo Monetário Internacional (FMI) elevaram de zero para 0,5% sua previsão de crescimento para o próximo ano. Apesar dessa melhora, só um país sul-americano, a Venezuela, terá desempenho pior que o do Brasil. Para a economia venezuelana as projeções apontam recessão pelo quarto ano consecutivo. Nada surpreendente, enfim, quando se mudam cardápios de lanchonetes por falta de farinha de trigo, indústrias param de funcionar por escassez de peças e milhares formam filas nos supermercados quando chegam carregamentos de papel higiênico.
Mas como retomar, no Brasil, o potencial de crescimento de outros tempos? No curto prazo, o governo terá de cuidar principalmente da arrumação das contas públicas. Precisará controlar despesas, selecionar os gastos mais severamente e criar mecanismos para controlar o Orçamento nos anos seguintes. A proposta de um teto para a elevação da despesa já é um começo promissor. Estão em estudos projetos de reforma da Previdência e das normas trabalhistas.

Tudo isso pode animar o mercado financeiro, mas será preciso algo mais para movimentar a produção. Autoridades têm falado em concessões na área da infraestrutura, com critérios mais atraentes para o capital privado. Por enquanto, há mais palavras do que iniciativas práticas.

Concessões e outros sinais positivos poderão reativar a economia e criar condições para aumento da receita fiscal no próximo ano. Isso facilitará o ajuste das contas federais, mas, ainda assim, talvez seja necessário algum aumento da tributação. Será um lance politicamente difícil. Sondagens patrocinadas por entidades da indústria têm mostrado muita resistência dos cidadãos à ideia de mais impostos e contribuições. Não há, nisso, grande surpresa. O dado mais interessante é outro.
O governo, segundo a maior parte dos entrevistados, pode fazer muito mais e prestar serviços melhores com a arrecadação já estabelecida. Esse comentário pode parecer – e talvez seja – um lugar-comum, mas vale a pena explorá-lo. Traduzida em termos menos correntes, essa avaliação corresponde a uma cobrança de produtividade e qualidade, dois atributos muito raramente considerados na gestão do serviço público. Durante o período petista, a ideia de produtividade no governo foi rechaçada, com persistência, como preconceito neoliberal. Progressista era a contratação preferencial de companheiros e aliados, complementada com generosa revisão de salários.

Mas a baixa eficiência da administração pública, especialmente da federal, é apenas uma parte muito visível do problema econômico brasileiro. Improdutividade e incompetência refletem-se no desperdício de recursos, na baixa qualidade de planos e de programas e no acompanhamento inepto de obras e de projetos. Tudo isso é visível tanto na escassez do investimento quanto na baixa relação entre custo e rendimento de cada real investido.
Num país administrado com alguma seriedade, um trecho ferroviário de 800 quilômetros mantido sem uso seria uma aberração quase inacreditável. Completar um parque de energia eólica sem rede de transmissão seria assunto de piada, talvez história contada por mentiroso incontrolável.

No Brasil, tudo isso é parte da normalidade – mais precisamente, de uma normalidade consagrada numa longa fase de incompetência e corrupção maquiadas como progressismo. Quantos países têm verbas vinculadas constitucionalmente à educação? Também nesse quesito o Brasil é uma exceção, assim como na classificação de seus estudantes – sempre entre os últimos – nos testes internacionais de linguagem, matemática e ciências.

A economia brasileira poderá crescer até com alguma facilidade, inicialmente, pela ocupação da capacidade ociosa. A partir daí, a velocidade só aumentará se houver ganho de produtividade tanto no setor empresarial quanto na área pública. Isso dependerá tanto do volume do investimento quanto do produto gerado a partir de cada real investido.

Uma economia mais aberta e mais integrada internacionalmente poderá estimular a eficiência empresarial. Mas a operação do conjunto dependerá de amplas mudanças na concepção e na execução de políticas públicas. Isso envolverá uma definição mais cuidadosa de prioridades, assim como novos padrões de planejamento, de elaboração de programas e de execução de projetos. Será necessário, em suma, inverter o sinal de todas as políticas dominantes desde a ocupação, o aparelhamento e o loteamento da máquina estatal pelo PT. O trabalhoso conserto das contas públicas é só o começo de uma enorme reconstrução.

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Coluna de Augusto Nunes em Veja // Pitacos de colunistas


REYNALDO ROCHA
1) Dá para desculpar quem entrou no PT há 10 anos. Mas, e hoje? Alguém poderá alegar mais tarde que estava enganado?
2) Antes de exigir da NSA que pare de espionar Dilma, daria para pedir à CEF que pare de espionar caseiros?
3) O foguete do Cristo Redentor caindo na capa da revista The Economist explica a subida dos que ganham mais?

28/09/2013
 às 18:52 \ Feira Livre

‘A retórica da pobreza e a pobreza do investimento’, por Rolf Kuntz

Publicado no Estadão deste sábado
ROLF KUNTZ
O governo tirou da pobreza extrema em apenas dois anos 22 milhões de brasileiros, disse a presidente Dilma Rousseff, em Nova York, em discurso na Assembleia-Geral das Nações Unidas. Se isso for verdade, essa terá sido a informação mais importante da fala presidencial ─ muito mais importante que a maior parte do palavrório pronunciado naquele dia por vários governantes. Falta esclarecer um detalhe: se as transferências governamentais forem interrompidas, quantas daquelas pessoas serão capazes de se manter fora da miséria? Quantas se tornaram, nos últimos dois anos, mais produtivas e menos dependentes de auxílio oficial? Nenhuma pessoa razoável se opõe a programas de socorro aos mais necessitados. Mas por quanto tempo será possível manter programas tão amplos, e com efeitos ainda pouco claros sobre a capacidade produtiva, se a economia continuar avançando tão lentamente quanto nos últimos dois anos e nove meses?