No Ceará, 700 jovens que cometeram crimes se recuperam pelo estudo
Programa Qualifica Socioeducativo apresenta bons resultados
Setecentos adolescentes condenados pela Justiça a cumprir medidas socioeducativas em regime fechado, aberto ou semiaberto participam de uma iniciativa pioneira no Ceará: um curso de formação inicial para o mundo do trabalho, com ênfase no resgate da autoestima. As aulas começaram em agosto e terminarão na semana que vem. Os primeiros resultados começaram a ser discutidos ontem num seminário que reuniu jovens, pais, professores, gestores públicos e especialistas no Theatro José de Alencar, em Fortaleza.
O Qualifica Socioeducativo, como foi batizado o programa, é resultado de uma parceria entre o governo do Ceará e a Fundação Roberto Marinho. A partir de aulas adaptadas do Telecurso, os professores desenvolvem atividades variadas: desde dicas sobre como se comportar numa entrevista de emprego até o ensino de fatos e personagens históricos do Ceará para quem for trabalhar no setor de turismo.
Mas o foco do Qualifica Socioeducativo vai muito além. Entre os alunos, há jovens condenados a internação de até três anos por homicídio, estupro ou sequestro. E boa parte deles vem de famílias desestruturadas, de baixa renda e pouca escolaridade. Assim, as quatro aulas semanais, com duração de três horas cada, tentam despertar nos estudantes a vontade de aprender e reduzir os índices de reincidência.
– Quando fui convidada, tive medo. E me surpreendi com a segurança lá dentro. Não só a segurança, mas o carinho das adolescentes. Elas querem ser ouvidas – disse a professora Ivanira Lucas Ramos, que dá aulas para uma turma de meninas.
A professora Irene Gois destacou a importância da metodologia do Qualifica: os alunos sentam em círculo e, antes das aulas propriamente ditas, há uma sessão de acolhimento para integrar o grupo:
– Não se pode dizer simplesmente bom-dia e vamos lá para o quadro. A metodologia é diferente e é isso que leva o aluno a participar – afirmou Irene.
Uma jovem de 17 anos condenada por homicídio elogiou as aulas. Ela contou que, numa das dinâmicas realizadas em sala, cada aluna colava um papel nas costas para que as demais estudantes escrevessem as qualidades que viam na colega.
– A gente acha que só tem defeito, nunca enxerga as nossas qualidades. As qualidades que elas me falaram eu nunca pensei que tinha – afirmou a garota.
A gerente geral de Educação Profissional da Fundação Roberto Marinho, Aparecida Lacerda, disse que a experiência no Ceará foi exitosa
– Os jovens aprenderam nesses seis meses, em várias oficinas, não só as coisas essenciais do mundo do trabalho, como também a voltar a acreditar que eles podem e têm capacidade de participar desse mundo – afirmou Aparecida.
O secretário de Trabalho e Desenvolvimento Social do Ceará, Josbertini Clementino, disse que o projeto será repassado à equipe de transição do governo do Ceará, já que o atual governador Cid Gomes está concluindo seu segundo mandato e deixará o cargo no próximo dia 1.º de janeiro. Caberá ao próximo governo decidir se dá continuidade ao projeto.
– Não enxergamos nenhum jovem do nosso estado, e nem esse adolescente que está cumprindo medida socioeducativa, como problema. Esse jovem não é entrave para o processo de desenvolvimento. Ele é solução e nós temos que convidá-lo, convocá-lo para esse processo de desenvolvimento – disse Josbertini.
Fonte: O Globo