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segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Uma coisa é uma coisa outra coisa é outra coisa


Erro 404

4 de janeiro de 2013 
Autor: Demétrio Magnoli
pequeno normal grande
demetrio
Na chamada de um post recente, intitulado “As mentiras de Yoani Sánchez em 2012″, Yohandry anunciou o propósito de “narrar as falácias desta mulher, uma traiçoeira criação midiática”, com a finalidade de esclarecer seus “colegas de todo o mundo, (…) alertando quem ainda possa estar confuso”. Yohandry Fontana provavelmente não existe. O nome de guerra serve como assinatura de um blog oficial, que surgiu como reação ao de Yoani para reproduzir as sentenças de propaganda e os insultos políticos fabricados pelo regime castrista. O curioso, quase onírico, é que Cuba é um país virtualmente sem internet: o blogueiro inventado pelo poder escreve para “colegas” internautas “de todo o mundo”, mas não para os cubanos comuns residentes na ilha. O totalitarismo dos Castros subsiste num espaço-tempo anterior às redes sociais. O cenário é radicalmente diverso na China, onde um regime totalitário tenta provar que pode sobreviver à revolução da informação.
Quando visitou o país, o criador do Facebook, Mark Zuckerberg, foi saudado pelo banner viral “Bem-vindo à China, fundador do website Erro 404″, difundido pelos blogueiros chineses. Fruto da eficácia negativa do Grande Firewall da China (GFC), a mensagem “Erro 404″, alerta de que o servidor não encontrou o endereço solicitado, repete-se em escala descomunal nas telas de computadores e celulares do país. O Escudo Dourado, nome oficial do GFC, encomendado pelo Ministério da Segurança Pública, começou a operar em 2003. As ambições do projeto ultrapassam largamente a simples censura: trata-se de avançar rumo à implantação de uma gigantesca base de dados analítica de textos e imagens publicados pelos usuários da rede virtual com tecnologias que abrangem reconhecimento facial e de voz.
Totalitarismo é algo bem diferente de autoritarismo. O segundo se ampara, exclusivamente, na força e se contenta em calar, prender ou eliminar opositores. O primeiro também se ampara na força, mas nutre a pretensão de persuadir a sociedade a acreditar no seu enredo sobre a história – ou seja, numa narrativa que o torna depositário de uma legitimidade transcendental. George Orwell explicou isso: “O Estado totalitário é, efetivamente, uma teocracia e sua casta dirigente, a fim de conservar sua posição, deve ser vista como infalível. Mas como, na prática, ninguém é infalível, torna-se frequentemente necessário rearranjar os eventos passados de modo a mostrar que este ou aquele erro não ocorreu ou que este ou aquele triunfo imaginário realmente aconteceu”. Eis por que a política do totalitarismo demanda o controle sobre a linguagem empregada pelas pessoas. Não é trivial exercer tal controle na era da internet.
O totalitarismo dos Castros subsiste num espaço-tempo anterior às redes sociais
Os totalitarismos do século 20 detinham o monopólio dos grandes meios de comunicação da época: o rádio, o cinema, a televisão. Os regimes de Stalin, Mussolini e Hitler tinham consciência do valor político das mídias de massa e empenharam-se no seu desenvolvimento tecnológico e no aprimoramento técnico e artístico das mensagens que difundiam. Contudo as redes sociais da internet são intrinsecamente distintas das mídias eletrônicas tradicionais, pois todos os participantes podem operar como emissores de mensagens. Na China o Twitter é proibido, mas serviços nacionais similares contam com mais de 200 milhões de usuários. Por meio deles, dezenas de milhares de microblogueiros formam a vanguarda da dissidência política, organizando protestos de rua e denunciando a corrupção oficial.
À sombra do “Erro 404″ desenvolve-se um infindável jogo de gato e rato entre o GFC e os internautas. Na esfera da tecnologia, o desafio de circundar a censura estimula a invenção de softwares de codificação e a criação de rotas alternativas para acesso a servidores bloqueados. Na esfera da linguagem, ilude-se o Grande Irmão pelo emprego do método da analogia e pelo uso em profusão de metáforas, alegorias, parábolas e termos homófonos. A ironia é uma companheira inseparável dos microblogueiros subversivos: segundo eles, sites e blogs não são “suprimidos”, mas “harmonizados”, numa referência à meta declarada do regime de produzir uma “sociedade socialista harmoniosa”.
Ai Weiwei saltou a etapa da ironia, entregando-se ao sarcasmo. O artista plástico, consultor dos arquitetos que projetaram o estádio olímpico Ninho do Pássaro, tornou-se um dos mais notórios dissidentes chineses. Multado, encarcerado e espancado, ele não se “harmonizou”. Meses atrás postou no YouTube um vídeo em que aparece dançando no “estilo Gangnam” e usando algemas. Antes disso, diante da instalação de 15 câmeras para o monitoramento policial de seus movimentos, conectou à internet a “weiweicam”, uma câmera que filma sem parar o cenário de seu quarto. “Acho que eles não sabem como lidar com alguém como eu e meio que desistiram de me gerenciar”, sugeriu em entrevista recente. O escárnio fere o totalitarismo ainda mais que a acusação racional ou a denúncia moral.
Na opinião de Weiwei, a democracia chegará à China na década de 2020. Entre os analistas ocidentais vulgarizou-se o precário paralelo com a Coreia do Sul e Taiwan, que transitaram para a democracia no compasso da modernização econômica, da urbanização e da consolidação de uma classe média cosmopolita. De acordo com essa linha otimista de interpretação, a própria elite dirigente chinesa administrará uma transição política gradual, dissolvendo aos poucos os grilhões do sistema totalitário.
Tudo é possível. O certo é que não há precedentes adequados para orientar a análise. Entre as inúmeras singularidades históricas da China, a mais relevante se encontra justamente na universalização das redes sociais ao abrigo de um Estado totalitário. O poder de Mao Tsé-tung não foi abalado pela maior crise de fome do século 20. Em contraste, o “Erro 404″ tem o potencial de arrasar a fortaleza de seus sucessores.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 03/01/2013

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

"Totalitarismo, Hiltler e Stalin: a alguns de meus antigos alunos com carinho" / Bolivar Lamounier

http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/blog-do-bolivar-lamounier/2012/01/15/totalitarismo-hitler-e-stalin-a-alguns-de-meus-antigos-alunos-com-carinho/?utm_source=twitterfeed&utm_medium=twitter&utm_campaign=Feed%3A+EXAMEBlogDoBolivarLamounier+%28EXAME+Blogs+-+Blog+do+Bol%C3%ADvar+Lamounier%29


Hoje, ao reler velhas anotações dos meus tempos de professor, lembrei-me com muito carinho de alguns  estudantes de esquerda que torciam o nariz quando eu começava a explicar o conceito de “totalitarismo”, e bufavam de ódio quando eu incluía Stálin e outros menos votados entre os governantes mais notoriamente totalitários do século 20.
Foi recordando aquela época que tive a idéia de postar aqui os apontamentos abaixo.
——xxx—–
No pólo oposto ao das democracias liberais avançadas encontramos regimes totalitários como o da URSS e o nazi-fascismo. Ambos  mantiveram uma aparência de legalidade – a Constituição alemã de 1919 aliás nunca foi abrogada – mas eram claramente  incompatíveis com a idéia de uma ordem constitucional digna do nome.
Sendo o terror uma peça-chave em seu funcionamento, os regimes totalitários a rigor nem deveriam ser designados como tal, pois neles a questão não é a simples carência   de um padrão previsível, é o zelo com que os aparatos de poder impedem a estabilização de uma ordem até por obra da “tradicionalização” ou da   inércia social .
Em seu livro “Hitler – a Study in Tiranny”, pág. 403, Alan Bulock cita um texto publicado em 1936 pelo Dr. Hans Frank, um dos mais destacados juristas da Alemanha nazista:    “Our Constitution – escreveu esse Frank – “is the will of the Führer”.
Ou seja, não havia Constituição alguma. Frank estava certíssimo. Não creio que alguém tenha dúvidas a esse respeito, mas  vou rememorar alguns fatos, just in case.
No fim de março de 1933, um parlamento intimidado pela violência nazista passou a Enabling Law, que na prática suspendia a Constituição.
A 29-30 de junho de 1934, Hitler ordena a execução de Röhm e de todos os demais dirigentes da S.A, afastando dessa forma o único grupo capaz de desafiá-lo dentro do partido [págs. 302-6]; no dia 13 de julho, ele “explica” ao Reichstag por que ordenou o extermínio em vez de levar o grupo aos tribunais, e ameaça de forma não tão velada com a mesma sorte todo aquele que se antepusesse aos objetivos do novo Estado alemão (306-309].
No dia 02 de agosto, uma hora após a confirmação da morte do presidente von Hindenburg, é anunciada a fusão dos cargos de presidente da República e primeiro-ministro, doravante concentrados nas mãos do Führer – ou seja, dele, Hitler.
Agora vem a melhor parte. Prestem atenção.
No mesmo dia do mencionado anúncio, a oficialidade do Exército é convocada a jurar lealdade ao novo Comandante-em-Chefe.
The form of the oath was significant – escreve Bulock, p. 309; the Army was called on to swear allegiance not to the Constitution, or to the Fatherland, but to Hitler personally:
“I swear by God this  holy oath : I will render unconditional obedience to the Führer of the German Reich and People, Adolp Hitler, the Supreme Commander of the Armed Forces, and will be ready, as a brave soldier, to stake my life at any time for this oath”.
Dezenas de medidas poderiam ser lembradas, mas a listinha acima  deve ser suficiente para ilustrar meu argumento.
Àquela altura, na URSS, o regime stalinista já estava montado, mas Stalin, num surto de humor negro, mandou inserir o habeas corpus na Constituição soviética de 1936. E vejam só que coincidência mais macabra: foi a primeira vez na história que o habeas corpus  apareceu  na legislação russa: apareceu justo na ante-véspera dos famosos “julgamentos de Moscou”.