Como publisher do The New York Times, um dos maiores e mais influentes jornais do mundo, Arthur Sulzberger merece todo o respeito. Afinal, o jornalão que dirige, com 1,8 milhão de exemplares e quase 1 milhão de assinantes digitais, é o de maior prestígio no planeta. Mas, isso não significa que seus conceitos e propostas sobre o jornalismo pós-internet emitidos no recente Congresso da Anpa-Associação dos Editores de Jornais Americanos, em Washington, sejam irrefutáveis ou inquestionáveis.
Como modesto jornalista brasileiro, ex-editor-chefe de dois importantes jornais de referência nacional, o Jornal do Commércio, do Recife, e o Correio Braziliense, de Brasília, conheço a importância da Anpa pois já participei de seus encontros em Las Vegas, New Orleans e San Francisco. Daí, sou motivado ao questionamento do modelo estratégico de Arthur Sulzberger para o presente e o futuro do grande jornal norte-americano publicado desde 1851.
De acordo com seu plano estratégico para o NYTimes, nestes tempos de turbilhão digital e de crise aguda dos jornais, devidamente destacado por este Observatório da Imprensa, as prioridades agora estão direcionadas para maior presença nas redes sociais, reportagens para celulares e tablets e crescimento internacional do jornal.
Com a experiência e a segurança de publisher do mais famoso jornal do mundo, certamente ele acredita que o aumento da leitura digital vai acabar gerando expansão da leitura impressa. Ora, isso, além de improvável, não resolverá o problema básico da atualidade, que é a falta de atratividade do conteúdo dos jornais impressos. O resultado desse plano está à vista: o NYTimesganhará mais leitores eletrônicos e perderá mais leitores impressos.
Reflexões e provocações
Será mais um equívoco somado a tantos outros acumulados ao longo de mais de um século. Essa crise dos jornais no mundo, sobretudo nos Estados Unidos, agravada agora com a avassaladora e poderosa internet, vem de longe. Desde a chegada da modernidade, no século 20, quando os jornais optaram pelo factual e deixaram de ser produtos de primeira necessidade intelectual da sociedade. Depois, já na pós-modernidade, quando se transformaram em jornais televisivos, tendo como modelo-padrão o USAToday, numa tentativa de concorrer com a televisão valorizando a imagem e as notícias curtas. Cada passo desses afugentou milhões de leitores.
Agora, na era da perplexidade pós-internet, os jornais precisam de uma nova configuração, de uma nova reinvenção, de uma revolução pelo conteúdo. Os jornais não podem mais continuar apresentando suas primeiras páginas e suas notícias com o mesmo padrão de 50, 60 anos atrás. Elas aparecem totalmente superadas e desinteressantes porque já são do conhecimento público desde o dia anterior pela televisão e pela internet. É urgente uma mudança radical que aproveite a maior arma dos jornais diante da internet, a credibilidade, investindo em opinião de qualidade e investigação em profundidade.
Pode ser que Arthur Sulzberger esteja tão convertido e tão convencido da irreversibilidade e da insuperabilidade da tecnologia digital que tenha jogado a toalha na luta do NYTimes diante da internet. Mas, o que parece faltar aos jornais ante o novo e monumental desafio, o maior de sua história, é coragem e ousadia para realizar as mudanças radicais necessárias em formato e conteúdo.
Paradoxalmente, talvez o futuro dos jornais, neste século 21, esteja nos jornais do passado, do século 19; antes da modernidade, os jornais, tanto nos Estados Unidos como no Brasil e outros países, tinham em suas redações escritores, intelectuais, romancistas, cronistas, contistas, ensaístas e jornalistas. Eram jornais de grandes narrativas, de atraentes folhetins, de opiniões qualificadas, de interpretações abalizadas, de abordagens contextulalizadas, de crônicas bem elaboradas, de reflexões e provocações. Davam prazer de leitura.
A valorização cultural e intelectual da notícia
Depois, por imposição da própria modernidade, abandonaram esse compromisso com o fervor intelectual e viraram apenas produto de mercado para consumo imediato da sociedade do espetáculo, sem preocupação com a história e com a cultura, sem densidade. Perderam-se na efemeridade e com a explosão da internet estão sucumbindo. É tão vertiginosa a queda de leitura de jornais que fica cada vez mais acentuada a previsão sobre o fim da mídia impressa.
Diante disso, o futuro dos jornais parece estar no passado antes da modernidade, com a volta de sua capacidade de surpreender, instigar e fazer a sociedade pensar, refletir, criticar, debater e participar sobre os problemas do seu cotidiano. Quando desenvolvem essa capacidade de reflexão, os jornais ativam a mais nobre e sofisticada função da inteligência humana, garante o filósofo Augusto Cury.
Conclusivamente, a única forma possível de os jornais fazerem isso é por meio da valorização cultural e intelectual de produção noticiosa, abolindo a superficialidade do factual e investindo na profundidade textual, pelos mais diversos recursos literários que tornem as notícias impressas mais convidativas, agradáveis e irresistíveis aos leitores. Este é o caminho, aliás, apontado pelo escritor, romancista, novelista e contista americano John Cheever, um dos mais respeitados analistas da mídia nos Estados Unidos: “Uma página de boa prosa sempre será invencível”.
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Jota Alcides é escritor e jornalista