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terça-feira, 18 de outubro de 2016

"Desde John Lennon convivemos com a praga das 'celebridades humanitárias' / João Pereira Coutinho

terça-feira, outubro 18, 2016

Desde John Lennon convivemos com a praga das 'celebridades humanitárias' - 

JOÃO PEREIRA COUTINHOResultado de imagem para foto de Bob D

FOLHA DE SP - 18/10

1. Serão precisas mais mulheres na política? A pergunta, confesso, sempre me provocou urticária mental. E as respostas também: sim, diziam os eruditos, e depois não acrescentavam uma única razão válida para defender a "política no feminino" (ou, em casos extremos, "cotas para mulheres" em listas eleitorais ou cargos institucionais).

Havia sempre a palavra "igualdade", um vocábulo poético e nulo. Mas ninguém demonstrava –seriamente, empiricamente– que tipo de contributo extra as mulheres dão à política pelo simples fato de serem mulheres.

Perante esse vazio, eu defendia a minha posição inicial: igualdade de oportunidades, tudo bem; mas é o mérito, e não a anatomia, que as sociedades democráticas devem premiar.


Confesso que tenho de repensar os meus conceitos –por causa da eleição presidencial americana. Segundo informa esta Folha, a revista "The Atlantic" realizou uma enquete sobre Hillary Clinton e Donald Trump. Conclusão: se apenas os homens votassem, Trump seria eleito presidente dos Estados Unidos.

Acontece que as mulheres também votam e são elas que concedem uma maior vantagem para Hillary. Essa vantagem, de acordo com as últimas pesquisas, garante a vitória da donzela por dois dígitos.

Claro que, para sermos rigorosos, o voto feminino estaria sempre com Hillary. Primeiro, porque ela é democrata. Depois, porque é mulher. E, no caso particular de 2016, porque Trump ficou "persona non grata" entre as senhoras depois do "Pussygate".

Seja como for: se Hillary for eleita em novembro, é às mulheres americanas que o mundo deve agradecer.

2. Há mulheres e mulheres. De um lado, elas salvam os Estados Unidos de um destino grotesco; do outro, elas envergonham a restante classe quando andam pela Europa em "missões humanitárias".

Para começar, Pamela Anderson, "atriz", visitou Julian Assange na sua gaiola londrina e mostrou preocupação com a saúde do australiano.

"Muito pálido", disse ela, uma descrição que não me convence: Assange, repito, é australiano; Pamela, relembro, está habituada à pigmentação da série "Baywatch". Não admira que, aos olhos dela, Assange tenha as feições de um cadáver.

De resto, a pergunta fundamental é outra: o que levou Pamela Anderson a visitar Assange na embaixada do Equador? Saber que a "atriz" também é ativista dos direitos dos animais só serve de insulto ao pobre Assange.

Do outro lado do Canal da Mancha, o nome é Lily Allen, "cantora". No campo de refugiados de Calais, na França, a sra. Lily pediu desculpas públicas a um adolescente afegão de 13 anos. "Em nome do meu país", disse ela, com as câmeras a filmar o momento.

A frase é inane por motivos óbvios: a culpa pela tragédia dos refugiados deve ser depositada em Damasco e aos pés do terrorismo islamita, não em Londres. Mas a pergunta fundamental, uma vez mais, é outra: o que levou Lily Allen a visitar um campo de refugiados?

Bem sei que, desde John Lennon, a praga das "celebridades humanitárias" nunca mais nos largou. Falo de pessoas semialfabetizadas que, não contentes com o sucesso artístico, desejam consolar o ego com assuntos mais adultos.

Mas o meu problema com as "celebridades humanitárias" não está na megalomania delas, aliás legítima. Está na atenção igualmente infantil que os jornalistas profissionais concedem aos caprichos dessas crianças.

Será que, naquele dia, em Calais, nenhum jornalista questionou seriamente o que estava ali a fazer?

3. Bob Dylan venceu o Nobel da Literatura e a polêmica instalou-se entre os críticos: mereceu? Não mereceu?

Eu, modestamente, acho que sim –mas a questão que me move é outra: e será que isso interessa? Não, não vou recorrer ao argumento clichê de lembrar a longa lista de autores que não venceram a medalha. Todos conhecemos os casos de Tolstói, Joyce, Nabokov, Borges etc. etc.

Prefiro olhar para o problema do avesso e recordar os que venceram: Carducci, Spittler, Sholokhov, Mo Yan etc. etc. Aqui entre nós: o leitor conhece algum deles? Leu a obra? É capaz de citar de cor algum título memorável?
Em caso negativo, o melhor é escutar um pouco de Bob Dylan. A ideia de que o Nobel confere qualidade e imortalidade a um autor é uma fantasia desmentida pelos fatos.

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Os machos revelam objetivamente seu hobby, todos os dias : A Guerra!


ANÁLISE: O CONFLITO NA SÍRIA E A TERCEIRA GUERRA MUNDIAL
Quais são as reais chances ao dia de hoje, 14 de Outubro de 2016 desses diversos conflitos paralelos escalarem para uma "Guerra Mundial"?


POR GUILHERME SCHNEIDER

O ex-Líder da União Soviética Mikhail Gorbachev disse à imprensa esta semana que acreditava que os países envolvidos no conflito sírio deveriam abandonar as atuais hostilidades e voltar ao diálogo.

O que começou como um conflito regional para depor o Presidente Bashar Al-Assad vem, rapidamente, escalando de forma vertiginosa e envolvendo cada vez mais diferentes atores. Não existe uma declaração formal de guerra entre os países que estão dando suporte ao regime oficial na Síria (nomeadamente Rússia, Irã, Turquia e China) contra Estados Unidos e seus aliados europeus que estão, do outro lado, dando suporte às milícias rebeldes que lutam contra o Governo sírio. Há, ainda um terceiro bloco no conflito que é o grupo terrorista Estado Islâmico, que em teoria é o inimigo comum dentre todos os envolvidos. 

Há algumas semanas, O Ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov e o Secretário-de-Estado Americano John Kerry haviam definido as bases para um acordo de cessar-fogo na Síria. Dias depois de definirem este compromisso, a força aérea americana bombardeou alvos do exército oficial da Síria, deixando mais de 60 soldados mortos e centenas de feridos no que o Pentágono classificou como um engano terrível.

Em seguida, um comboio humanitário que seguia para Aleppo foi atacado e destruído: os Estados Unidos afirmam que o ataque foi executado por aviões russos e os russos afirmam que não havia nenhum avião russo voando na hora do ataque e culpa rebeldes sírios pelo ataque. Nenhum dos lados apresentaram evidências para as suas alegações. Sob a alegação de que o comboio foi efetivamente atacado pelos russos, Estados Unidos, França e Reino Unido passaram a subir o tom de suas declarações contra a Rússia, pedindo que o país seja punido por crimes de guerra.

Suspensão do acordo de eliminação de plutônio para armas nucleares

Com a subida das tensões na Síria, no último dia 03 de Outubro Vladimir Putin decidiu, unilateralmente, suspender um acordo firmado entre Rússia e Estados Unidos em 2000 que previa a eliminação, por parte de ambos países, de plutônio enriquecido que poderia ser usado para fabricação de armas nucleares. O acordo previa a eliminação por parte dos dois países de cerca de 34 toneladas de plutônio, cada um, através de incineração. 

De acordo com o Departamento de Estado Americano, a quantidade combinada de 68 toneladas de plutônio seria suficiente para produzir cerca de 17.000 ogivas. O acordo havia sido ratificado em 2010. 

No decreto enviado ao Parlamento, Putin disse que a Rússia teria de tomar medidas urgentes para defender a segurança do país e definiu as condições para que o acordo pudesse ser retomado:
  • Redução da infraestrutura militar e tropas americanas em países que se juntaram à OTAN depois do ano 2000
  • Retirada das sanções econômicas contra a Rússia e cidadãos russos, bem como reparação das perdas ocasionadas pelas mesmas sanções
As condições colocadas por Putin para retomada do acordo foram impostas justamente para que o acordo não possa ser retomado, pois a Rússia sabe que os EUA e a OTAN não relaxarão sua posição com relação a posicionamento de mísseis balísticos na Europa e baterias anti-mísseis em países como Polônia, Romênia e, possivelmente, também nos Países Bálticos. 
O papel do Irã no conflito 

A participação do Irã no conflito sírio é, por vezes, ignorada ou não compreendida. Apenas para contexualizar, até maio deste ano o exército regular iraniano havia perdido em combate cerca de 700 soldados e oficiais de seu efetivo na Síria. Dentre eles, oficiais de alta patente que atuavam em território sírio lado-a-lado com o exército regular sírio. 

O Irã também havia permitido em Agosto o uso da base de Hamedan por parte da força aérea russa para lançar ataques aéreos contra os rebeldes sírios, mas acabou voltando atrás da decisão alegando que a Rússia estava fazendo "propaganda demais" em cima do fato. 

Fato sabido é de que a participação do Irã no conflito na Síria é muito mais profundo e intrincado do que o próprio país deixa transparecer, sendo que este usa forças regulares do exército no país além de financiar forças de mercenários estrangeiros que lutam ao lado do exército sírio. 

China

A China, além de também estar envolvida no conflito sírio através de apoio logístico, também está envolvida em outro conflito de maior magnitude: a questão das ilhas do Mar do Sul. Esta semana, oficiais chineses declararam que a China está aumentando o seu contigente naval para proteger os interesses chineses na Região, nomeadamente as ilhas que estão em disputa territorial. 

No atual panorama, os chineses estão reclamando boa parte do Mar do Sul e passaram a construir ilhas artificiais onde pretendem construir bases militares e baterias anti-aéreas. Resoluções da ONU já haviam determinado a suspensão de tais atividades, mas foram ignoradas pela China que segue reforçando suas defesas na região e aumentando sua presença naval. Estados Unidos enviaram navios de guerra para posições próximas à área em disputa. 

Nas últimas semanas os chineses vem repetidamente posicionando-se na imprensa, pedindo cautela tanto dos Estados Unidos quanto da Austrália (que vem criticando os movimentos chineses na região). 

Rússia e China assinaram protocolos de cooperação militar, incluindo naval, e em Setembro haviam executado exercícios conjuntos no próprio Mar do Sul, simulando cenários de guerra. Os exercícios duraram 8 dias simulando diversos cenários bastante parecidos com o cenário atual e foram classificados como um sucesso por ambos os países. 

Em outra área, próxima da Coréia do Sul, navios chineses vêm seguidamente invadindo águas coreanas para pescar ilegalmente ou apenas de passagem mas sem autorização deste país. Ontem autoridades coreanas avisaram aos chineses que passarão a dar ordens para que a guarda costeira da Coréia afunde quaisquer barcos ou navios chineses que invadam águas coreanas. 

As Coréias

A Coréia do Sul passou a considerar solicitar aos Estados Unidos mover novamente arsenal nuclear para as bases americanas no país dados os recentes sucessos dos testes nucleares executados pela Coréia do Norte. Tanto os exercícios com mísseis balísticos de longo alcance, tanto os testes nucleares que se revelaram efetivos, são motivo de grande preocupação na região não somente para a Coréia do Sul, como também para o Japão, pois os mísseis testados pelos coreanos do norte poderiam facilmente atingir o Japão. 

Ambas as coréias, nas últimas semanas subiram o tom de suas declarações com os coreanos do sul dizendo inclusive, em Setembro, que poderiam tentar o assassinato do líder norte-coreano caso isso seja necessário para evitar uma guerra. 

Yemen e Líbia

O conflito entre o Yemen e a Arábia Saudita segue em andamento, com alegações do Yemen que países como o Reino Unido têm vendido armamento e equipamentos para os sauditas que vem sendo utilizados no conflito naquele país. Seguidamente a Arábia Saudita vem atingindo diretamente alvos civis no país, sem nenhuma retaliação por parte das Nações Unidas ou de seus alidaos. 

Na Líbia também existem conflitos em andamento entre o Estado Islâmico e as forças armadas Líbias com apoio dos Estados Unidos e do Reino Unido. O conflito na Líbia ainda não escalou a grandes proporções mas pode se tornar o novo flanco de ataque e mobilização do EI dado às suas recentes derrotas tanto no Iraque quanto na Síria. Existe a previsão de que o grupo terrorista decida mover logística e milicianos para a Líbia para ganhar território neste país. 

Conclusão 

Existem diversos  pontos de conflito acontecendo ao mesmo tempo ao redor do mundo envolvendo quase sempre os mesmos atores principais. A Síria tem se tornado claramente um confronto indireto entre Estados Unidos e Rússia (como foram os conflitos do Vietnam e Afeganistão nos tempos soviéticos).

É clara a intenção de Moscou de mostrar musculatura e não ceder com relação às suas posições, principalmente depois do posicionamento de tropas da OTAN nos Países Bálticos e o crescente movimento de baterias anti-mísseis no Leste Europeu. A principal queixa do Kremlin é que equipamentos que são, teoricamente para defesa, podem facilmente ser convertidos em equipamentos de ataque e atingir o território russo. Como contra-ofensiva, os russos reforçaram também suas baterias e mísseis no território russo de Kaliningrado (no meio da Europa). 

O envolvimento dos Estados Unidos em conflitos em diferentes partes do mundo com a crescente subida de tom ameaçador principalmente na Síria contra a Rússia e no Mar do Sul da China deixa no ar qual seria o posicionamento de uma eventual administração de Hillary Clinton. Clinton seguidamente vem acusando a Rússia de tentar influenciar as eleições americanas a favor de Donald Trump e culpou os russos pelo vazamento de informações sobre ela e o Partido Democrata para o WikiLeaks. 

Quais são as reais chances, ao dia de hoje, 14 de Outubro de 2016 desses diversos conflitos paralelos escalarem para uma "Guerra Mundial"? Diversas análises denotam a baixa probabilidade disso acontecer, envolvendo um ataque direto dos Estados Unidos à Rússia e vice-versa.

Em contrapartida, é tangível um escalonamento ainda maior das tensões na Síria. Caso não sejam retomadas conversas conciliatórias naquele conflito, por conta da presença de diferentes atores e da falta de comunicação entre todos os envolvidos, existe um altíssimo risco de um "acidente": um avião russo derrubado por americanos ou um avião americano ou britânico derrubado por russos tornar-se a justificativa para um engajamento direto de tropas terrestres em solo sírio. 

Assustadora, também, é a inabilidade das Nações Unidas de atuar em seu papel mediador (que é uma de suas principais missões em seu charter) para tentar encontrar uma solução para o conflito sírio. Com a entrada do novo Secretário-Geral à partir de Janeiro, deverão ocorrer mudanças neste sentido, pois o português António Guterres já declarou ontem, após eleito, que a situação na Síria era seu principal desafio. 

Pouco provável, portanto, que vejamos nos próximos 2 meses uma mudança drástica da situação atual, tanto para melhor quanto para pior, mas o panorama pode se modificar a qualquer momento baseado em más decisões de qualquer um dos lados envolvidos nos diversos conflitos paralelos. 

Guilherme Schneider é colaborador internacional do Sul Connection

"A esquerda que caiu não está preparada para essa nova fase. Ela não só acha que os salvadores da pátria merecem comida grátis. Ela acha que os defensores dos pobres podem encher a cueca de dólares."



domingo, outubro 16, 2016


Hora de usar a cabeça -

 FERNANDO GABEIRA

O Globo - 16/10

Ao som do tiroteio no morro Pavão-Pavãozinho, reflito sobre o momento político cujo ponto alto na semana foi a votação da PEC que estabelece um teto para os gastos do estado. Sempre houve tiroteio por aqui. Na primeira viagem que fiz ao Haiti ouvi tiros à noite. Pensei: estão fazendo tudo para me sentir em casa. E dormi em paz. Mas o tiroteio dessa semana parece marcar o fim de uma época e o começo de tempos bem mais difíceis. A ruína do projeto do PMDB no Rio acabou levando consigo algo que o sustentava, eleitoralmente: a política de segurança.

Tempos difíceis pela frente. A decisão de criar um teto para os gastos é correta. No entanto, há argumentos da oposição que merecem um exame. Acompanhei os debates e concordo com a tese de que a demanda com saúde e educação deve aumentar nos próximos anos. Como encará-las com recursos decrescentes?

Alguns setores da esquerda propõem questionar a dívida pública. Acredito que isso apenas vai nos levar a uma crise maior. Todos os caminhos da esquerda radical nos farão cruzar a fronteira com a Venezuela e nos fundir com o fracasso bolivariano.

O acerto de determinar um teto pode ser problemático adiante, se o governo se contentar com isso. Não me refiro apenas à reforma da previdência como um rumo de continuidade. Não teremos recursos para atender às demandas. O que fazer? O governo afirma que o dinheiro virá com o crescimento econômico, mais investimento, empregos e, consequentemente, mais arrecadação. Isso leva algum tempo. No meu entender, em vez de simplesmente sentir-se vitorioso com a votação do teto, o governo deveria preparar um choque de gestão. É a única maneira de fazer com que a escassez não torne mais difícil a vida das pessoas vulneráveis.

Por onde começar? Nem todo o aparato do governo é irremediavelmente incompetente. Existem algumas ilhas de excelência que deveriam ser estudadas, não para que sejam universalizadas artificialmente, mas como fonte de inspiração. Eu faria algumas perguntas simples. Por que a rede Sarah de hospitais funciona? O que é possível aprender com ela e aplicar em outros setores da saúde? Por que funciona a distribuição de água durante a longa seca no Nordeste, organizada pelo Exército Brasileiro? O que é possível aprender da experiência?

O choque da gestão é tão ou mais importante do que acabar com a roubalheira. O cenário que o governo nos apresenta deve ser avaliado com calma para que não surjam falsas expectativas. O governo quer fazer crescer a economia para voltar a gastar. E possivelmente a roubar, porque uma grande parte dele esteve associada ao PT no assalto aos cofres públicos. Portanto a questão é essa: como voltar a crescer de forma sustentável, em termos econômicos, e, ao mesmo tempo, evitar a roubalheira?

A corrupção está sendo combatida pela Lava-Jato e outras operações. As medidas para combatê-las, com o aval de mais de dois milhões de eleitores, estão na mesa dos parlamentares para serem transformadas em lei. Mas o problema da eficácia passa ao largo das considerações políticas. O próprio Congresso é um exemplo de desperdício. Inúmeras vezes defendi a tese de que a redução de mais da metade dos gastos não influenciaria o resultado do trabalho. Sei que pode parecer mesquinho o que vou dizer. Mas o próprio processo de articulação política para reduzir os gastos foi dispendioso. O presidente ofereceu almoço e jantar para quase 300 parlamentares. Ninguém pensou em pagar a própria comida porque, afinal, estavam todos salvando a pátria. É esse raciocínio que dificulta a reforma. O trabalho de todos é importante, poucos se dispõem a buscar uma racionalidade que os tire da zona de conforto.

Os brasileiros, sobretudo os mais pobres, serão de alguma forma tocados pelas medidas de austeridade. Não creio que apenas o crescimento econômico resolverá, magicamente, os problemas acumulados. Será preciso domar o monstro irracional que se tornou o estado brasileiro. Há quem ache que defender os mais vulneráveis se resume a pedir mais dinheiro. De um modo geral, são as pessoas cujos salários e benefícios dependem de mais verba. O desafio agora é gastar bem, fazer com que cada centavo tenha o maior efeito benéfico na vida das pessoas.
A esquerda que caiu não está preparada para essa nova fase. Ela não só acha que os salvadores da pátria merecem comida grátis. Ela acha que os defensores dos pobres podem encher a cueca de dólares. Muito se fala do buraco em que a esquerda se meteu. Acabaram os partidos? Não importa. As ideias de que as pessoas mais vulneráveis têm de ser consideradas não desaparecem. Acabam ressurgindo no próprio bloco dominante.

Não foi apenas a corrupção que nos levou ao fundo do poço. Foram também o populismo de esquerda e a formidável incompetência brasileira. Suas características mais patéticas se expressam na engrenagem do estado. Não sei até que ponto o próprio mundo das empresas foi contaminado e isso virou um traço nacional.

A racionalidade não se obtém em jantares e almoços no palácio. Tem de ser um pão nosso de cada dia.

Quem protege os bandidos são 'quinta-coluna ? / Percival Puggina

domingo, outubro 16, 2016

Quinta-coluna. Ou, quem protege bandidos? - PERCIVAL PUGGINA

ZERO HORA - RS - 15 E 16/10

Importado da Guerra Civil Espanhola e largamente usado durante a Segunda Guerra Mundial, o termo quinta-coluna designa quem, no desenrolar de um conflito, serve à causa do inimigo nacional comum. Não é outra coisa a zelosa proteção de malfeitores conduzida por proselitismo ideológico, estratégia política e administração da justiça. Assumida com motivações de esfumaçada nobreza, implica ações e omissões que colidem com a segurança e a defesa da sociedade, com elevados atributos do bem comum e com finalidades essenciais ao Estado.

Num tempo em que nossas sirenes mentais disparam ao colocarmos o pé na soleira da porta, ou pararmos num semáforo, ou escrutinarmos cada passageiro que embarca no coletivo em que nos aventuramos, a palavra paranoia tende a cair do vocabulário, substituída por duro e puro realismo. Há uma guerra declarada pelo crime contra a sociedade. E nós não somos militares ou policiais. Somos os desarmados objetivos de forças inimigas, que evitam se confrontar com o Estado pois este tem armas e tropas, reduzidas, mas treinadas. É conosco, é contra os civis, que tal guerra foi estabelecida.

Por isso, decidi alinhar nesta coluna, para adequada identificação, diversas posições e atitudes de colaboração com as forças inimigas. Podem, por isso, ser qualificadas como quintas-colunas. Você verá, leitor, sem surpresa alguma, que todas essas atitudes procedem do mesmo arraial ideológico onde se articulam ações revolucionárias.

São protetores de bandidos os adversários à posse e ao porte de armas. Eu mesmo me alinhei entre estes, até aprender de minhas sirenes mentais o quanto a prudente prevenção serve à nossa segurança e à de nossos familiares. Uma população civil desarmada vira pombinha branca para as armadilhas do banditismo, tão alva e tão ingênua quanto as dessas revoadas lançadas por manifestantes em favor de uma paz unilateralmente declarada. É bem assim que as forças inimigas querem ser recebidas. Elas desejam ser, sempre, o único lado com o dedo no gatilho.

São protetores de bandidos todos os que emitem a cantilena do "só isso não resolve" ante qualquer demanda racional por rigor contra o crime, a saber, entre outras: mais presídios, penas de reclusão mais longas, severas exigências para a progressão de regime e uso mais intenso do Regime Disciplinar Diferenciado nas execuções penais.

São protetores de bandidos os que proclamam, como se argumento fosse, o fato de já termos "presos em excesso". E tudo se passa como se miragens e alucinações, não bandidos reais, andassem por aí todo ano, armas na mão, matando 60 mil brasileiros, roubando meio milhão de carros, praticando número muito maior de furtos diversos não notificados e algo como 520 mil estupros (estimativa feita pelo Ipea, levando em conta a subnotificação, a partir de 41 mil ocorrências registradas).

São protetores de bandidos os políticos, formadores de opinião, juristas e ideólogos cujas vozes, em pleno estado de guerra, mas longe do tiroteio cotidiano, só se fazem ouvir para recriminar ações policiais, promovendo a associação ideológica dessas corporações à repressão, autoritarismo, brutalidade, ditaduras e assemelhados. São protetores de bandidos os militantes de ideologias instalados nas carreiras jurídicas e ganhando acesso aos parlamentos. Para estes, os criminosos são agentes ativos da revolução social com que sonham sem terem a coragem de acionar com mão e gatilho próprios.

São defensores de bandidos todos que espalham as sementes do mal por plantio direto, lançando-as ao léu, com a afirmação de que os criminosos são seres humanos esplêndidos aos quais foi negada a realização de sua bondade natural por essa sociedade perversa (eu, você que me lê e os executados de ontem em atos de extrema frialdade). Veem-nos — a nós, nunca a si próprios — como potenciais cenas do crime, corpos de delito com culpabilidade constatada e contas a ajustar.


A lista é extensa e não há como condensá-la nestas linhas. Não tenho como pedir a qualquer desses grupos que mude de conduta. Só peço que, ao menos, respeitem nossa inteligência, já que não respeitam nossos direitos naturais.

Você suspeita nas boas intenções do governo Temer ?

Número de cargos de confiança aumentou nos meses de governo interino

O Globo
O presidente Michel Temer ainda não cumpriu a promessa de reduzir os cargos no governo federal. Segundo dados do Portal da Transparência, o número total de cargos de confiança e funções gratificadas aumentou nos meses de governo interino, passando de 107.121, em maio, para 108.514 em 31 de agosto, dia em que o impeachment foi finalizado e data da última atualização do banco de dados público.
Segundo o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, esse aumento é resultado do processo de reformulação das equipes do novo governo, com remanejamentos, demissões e contratações. Questionada sobre o número de exonerações e nomeações nesse período, a pasta informou que não divulgaria um balanço parcial.
Na última segunda-feira, foi publicada uma lei que extingue 10,4 mil cargos de chefia no governo federal que podiam ser ocupados por qualquer pessoa indicada e os substitui por gratificações que só podem ser dadas a funcionários públicos de carreira.
Saiba mais
Michel Temer, presidente da república (Foto: André Coelho / O Globo)Michel Temer, presidente da república (Foto: André Coelho / O Globo)

domingo, 16 de outubro de 2016

Frases ...

Frase de Mario Sergio Cortella

"Quando morre um velho é como se incendiasse uma biblioteca"

Em palestra no Café Filosófico da CPFL da TV Cultura

Great Pyramids of Giza in Egypt

A polêmica sobre 'uma nova tradução da Bíblia' / Frei Herculano Alves / OBERVADOR


Uma nova tradução da 

Bíblia


Frei Herculano AlvesSeguir
16/10/2016, 0:16165
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Traduzir uma Bíblia é vencer a enorme distância 
entre a língua e cultura cristalizadas num 
texto-origem  e a língua e cultura atual. 
É um processo de transculturação, o que tem 
as suas complicações

Os leitores de BÍBLICA ouviram falar de uma nova Bíblia, traduzida apenas por uma pessoa, o prof. Frederico Lourenço, e pediram a minha opinião de caráter técnico sobre esta obra, que trata da palavra de Deus. Faço-o limitando-me apenas ao que se conhece neste momento: a introdução geral ao projeto, o I dos seis volumes prometidos (Os Quatro Evangelhos) e várias entrevistas publicadas.
E faço-o porque o tradutor se referiu ao meu nome no que toca às traduções da Bíblia em Portugal (DN, 18.09.2016,) e fez considerações explícitas sobre a tradução que coordenei para a Difusora Bíblica, em 1998 (O Sol, 01.X.2016). Mas também porque os leitores têm direito a ser esclarecidos, não apenas sobre uma tradução a partir da língua grega, mas sobre a tradução da Bíblia em geral; pois a Bíblia não é um livro qualquer.
Entretanto, apenas me pronuncio acerca de certas confusões destacadas pela linguagem do marketing jornalístico. Dizendo, desde já, que essa linguagem só tem prejudicado a obra e o seu autor, por lhe faltar a informação e a verdade exigidas para falar de um tema como este. Veja-se, por exemplo, o DN, 28.07.2016, onde se diz: «Bíblia dos Setenta, escrita entre os séculos I e VII» — quando a Setenta foi escrita no séc. III a. C.

1. O que é traduzir uma Bíblia?

O conhecido tradutor de obras clássicas gregas decidiu traduzir, sozinho, uma Bíblia. Como se um trabalho destes pudesse ser feito por uma só pessoa. De facto, como ele próprio esclarece, houve traduções feitas por um único tradutor: J. Ferreira Annes d’Almeida, o Padre António Pereira de Figueiredo e, já no séc. XX, o padre Mattos Soares.
Os dois últimos, católicos, traduziram da Vulgata latina usada nessa altura, e não é qualquer pessoa da nossa praça que tem capacidade para contestar essas traduções. Elas têm os seus defeitos, mas também as suas virtudes; mas têm, sobretudo, um defeito fundamental: são obras de um único tradutor. Quanto a João Ferreira d’Almeida, é incorreto afirmar que ele traduziu a Bíblia a partir do hebraico e do grego. Isso, não só não está provado como é altamente duvidoso, sobretudo no que diz respeito ao hebraico.
Traduzir uma Bíblia é vencer a enorme distância entre a língua e cultura cristalizadas num texto-origem e a língua e cultura atual, no caso presente. Trata-se de um processo de transculturação, que tem as suas complicações. Cada livro da Bíblia é diferente dos outros, porque nasceu numa época culturalmente diferente, com o seu Sitz im Leben próprio; e tem, por isso, o seu vocabulário próprio técnico. Além disso, mesmo o Novo Testamento possui um substrato inegavelmente semita. Duvido que Lourenço, ao desconhecer o hebraico, tenha competência para entrar em todos esses meandros.
Portanto, traduzir todos e cada um dos livros de toda a Bíblia é tarefa demasiado complicada apenas para uma só pessoa, por mais conhecimentos que ela tenha da língua grega. Isso aconteceu no passado, é verdade; mas, hoje, tal tarefa é impensável. A não ser que se faça uma tradução preocupada, apenas, com os valores culturais do texto bíblico, isto é, traduzi-lo simplesmente como um texto comum, neutro.
Assim, esta é uma tradução possível e até culturalmente louvável, quando ficar no seu território próprio, sem invadir o terreno alheio; coisa que Frederico Lourenço, como salientam alguns destaques das suas entrevistas na imprensa escrita, por vezes parece não fazer nem aceitar.

2. Uma “Bíblia cristã” ou uma “Bíblia neutra”?

Por estas razões, a tradução em causa não poderá ter o valor de uma Bíblia cristã propriamente dita, pois esta é, essencialmente, o livro da fé de um povo, dirigido a um povo de fé. E a fé utiliza um vocabulário próprio, como qualquer ciência tem o seu. Portanto, na Bíblia, como em qualquer tradução científica, temos que utilizar, na língua de chegada (neste caso, o português), uma linguagem equivalente à do texto de origem. Até porque, possivelmente, o ilustre tradutor desconhece tal linguagem, pois se confessa de formação católica, mas “não praticante, há uns anos” (DN, 18.09.16). E também não consta que tenha formação superior em Teologia ou em Ciências Bíblicas.
Por esse motivo, poderíamos chamar à tradução do Professor Frederico Lourenço uma tradução cultural da Bíblia. De facto, como ele próprio afirma, esta será uma “Bíblia neutra”. Damos-lhe os parabéns pela honestidade, pois ele diz que não quis traduzir uma Bíblia propriamente cristã, porque esta tem uma linguagem própria; diríamos, “interessada”… em transmitir e fortificar a fé dos leitores / ouvintes, sem ser infiel à filologia; mas numa tradução da Bíblia, não basta ter em conta a filologia, o valor denotativo das palavras; também é necessário ter em conta a semântica, o género literário, as conotações, a simbologia e, sobretudo, as palavras da linguagem cristã, usadas através dos séculos para transmitir as verdades da fé. Assim, por exemplo, foi a linguagem da Vulgata (traduzida ou não) que configurou o vocabulário da teologia, da liturgia, da cultura da Europa cristã, em geral. E a Europa não perdeu nada com isso; pelo contrário, foi uma luz para muitas civilizações. Na liturgia, por exemplo, não se lê a palavra de Deus por uma Bíblia “neutra”.
Portanto, um bom tradutor da Bíblia, como livro de fé de um povo, não pode prescindir desse contexto de fé, que é o da Bíblia.

3. Que Bíblia devem ler os cristãos?

Pelo que foi referido, não estamos de pleno acordo quando o autor afirma que “os católicos têm tanto a ganhar em conhecer a fundo o Novo Testamento. Regressar à origem, à fonte…” (ib., p. 39). Dá a impressão que ainda não houve tradutores “a fundo”… Será que os tradutores da Bíblia, ao longo de 20 séculos, não tinham descoberto o Novo Testamento “a fundo”. Até hoje, não houve uma verdadeira tradução da Bíblia em geral e do Pai-nosso em particular? Dizer que, durante mais de 1500 anos, andámos a rezar o Pai-nosso mal traduzido em Portugal é, no mínimo, deselegante. Estamos perante um vocabulário, por vezes, polissémico, ao qual os cristãos de todas as épocas atribuíram determinado sentido. E que motivos temos nós para os reprovar? Será que a generalidade dos tradutores cristãos, até hoje, não sabia grego?
Também é de pasmar que o tradutor diga que encontrou o verdadeiro sentido das Cartas de S. Paulo, ao afirmar: “Às vezes pasmo com as traduções de S. Paulo, que se fazem por esse mundo fora e que dão uma imagem totalmente distorcida do texto do Apóstolo” (ib., p. 39). É caso para perguntar, uma vez mais: só agora, depois de 20 séculos, em tantas línguas europeias, apareceu, precisamente em Portugal, o verdadeiro tradutor de S. Paulo?
Por isso, afirmar que o “distanciamento” em relação ao cristianismo dá mais liberdade de tradução, dá mais liberdade ao tradutor, pode ser verdade, mas também pode significar falta de “rigor bíblico” e, portanto, “científico” na tradução. É dentro do cristianismo que melhor se compreende o sentido profundo da linguagem da Bíblia; pois não basta traduzir as palavras da Bíblia, mas sentir-lhe o perfume cristão, o perfume que elas foram ganhando ao longo dos séculos, ao passarem pela vida de milhares de milhões de cristãos, no povo de Deus, que foi sempre acompanhado pelo Espírito de Jesus. Isso, sim, é fazer uma tradução cristã, “rigorosa”, da Bíblia. Como disse o Concílio Vaticano II: “A Bíblia deve ser lida com o mesmo espírito com que foi escrita” (Dei Verbum, 12). E se lida, também traduzida.
É igualmente digno de admiração que o tradutor de Coimbra julgue estar a fazer a verdadeira tradução do Novo Testamento, quando afirma: “Porque é que os leitores de língua portuguesa não hão de ter a oportunidade de se confrontarem com o texto real do Novo Testamento? Penso que é o momento de o fazerem” (ib., 39). Isto equivale a dizer que nenhuma tradução portuguesa apresenta o tal “texto real” do Novo Testamento. Ou seja, todos os outros tradutores portugueses do Novo Testamento, até hoje, não apresentaram o tal “texto real”…

4. Alguns conceitos confusos

Lamentar que a versão grega do Antigo Testamento tenha ficado esquecida (ib., p. 39) não retira mérito às traduções que foram feitas a partir da mesma: a Vetus Latina, a Vulgata e tantíssimas outras. É que a Igreja teve sempre um feeling tradutor que a levava ao texto original da Bíblia, que era, e é, o da Bíblia Hebraica e não a Setenta, a não ser nos deuterocanónicos e apócrifos, que são assim chamados por não estarem na Bíblia Hebraica. Portanto, dir-se-ia que a Igreja procedeu bem ao não traduzir a Bíblia dos Setenta, que é já uma tradução, mas foi traduzir dos originais hebraicos existentes.
Dizer igualmente que os judeus aceitaram bem a Bíblia grega, é só meia verdade, pois aconteceu precisamente o contrário, com os judeus da Palestina/Israel: já na época cristã, “inventaram” outras traduções gregas do Antigo Testamento, a fim de desacreditarem a Setenta e os cristãos que a usavam. E isto, por motivos teológicos importantes. Deste modo, apareceram outras traduções gregas dos judeus: a de Áquila, a de Símaco e a de Teodocion. Cabe perguntar aqui: De que Bíblia grega vai ser traduzido o Antigo
Testamento de Frederico Lourenço? Da Setenta ou destas Bíblias gregas do Antigo Testamento? De facto, dizer Bíblia grega, sem mais, é pouco rigoroso.
Neste sentido, não se pode afirmar com tanta convicção que esta tradução da Bíblia é para “leitores de todas as proveniências e convicções” (DN, 18.09.2016).

Em resumo

Ninguém contesta a capacidade do tradutor da língua grega para a língua portuguesa. Pelo contrário, é digno dos melhores elogios, por se meter em tamanha tarefa. Mas pode fazer-se alguns reparos à tradução de uma Bíblia. E porquê? Precisamente porque, como acima se diz, a Bíblia, grega ou hebraica, não é um livro clássico, como outro qualquer. Tem um vocabulário “técnico” próprio, tem a linguagem da fé, situa-se num contexto de fé, pois, como livro de fé, nasceu e cresceu num povo de fé e foi escrita precisamente para transmitir os valores da fé desse povo. Tudo isto porque a Bíblia não é uma obra literária escrita para manifestar apenas os valores literários, estéticos; pois ela é um conjunto de documentos que manifestam as vicissitudes e o conteúdo da fé de um povo e dos seus respetivos valores. É esta compreensão global do texto bíblico que deve funcionar também como critério de tradução.
Enfim, falar da Bíblia não é nada fácil. Traduzi-la ainda é mais difícil. E falar da Bíblia grega dos Setenta também não é para iniciados. É pena que, em alguns textos de apresentação da obra, apareçam algumas imprecisões e meias verdades, que não favorecem a preciosa e importante obra do Professor Frederico Lourenço, a quem endereçamos daqui os nossos parabéns e as nossas saudações bíblicas.
Franciscano capuchinho, professor de Sagrada Escritura na Universidade Católica do Porto, coordenador da nova tradução da Bíblia da Difusora Bíblica (1992-1998), realizou a sua tese de doutoramento sobre “A Bíblia de João Ferreira Annes d’Almeida”

POR QUE LULA ESTÁ ME PROCESSANDO? / Vídeo de Joice Hasselmann

"Presenteando gregos e troianos" / Leandro Karnal

Presenteando gregos e troianos
Temo os gregos, mesmo quando dão presentes. A advertência foi feita por um ilustre troiano ao final da guerra. Ele suspeitava que o estranho cavalo diante das muralhas da cidade poderia ser uma armadilha. Não foi ouvido. Troia caiu. A desconfiança originou a expressão “presente de grego”.
Presentes são altamente simbólicos. Quem me oferece algo diz muito sobre nossa relação. Um presente ruim é recebido com estranheza dupla. Primeiro, não gosto do que recebo. Segundo, desconfio que traduza um equívoco de compreensão da minha pessoa. Uma oferta é uma radiografia das almas.
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O campo é vasto. Um presente pode ser uma forma de controle. Dar algo que alguém não possa retribuir é uma forma de afirmar meu poder. Parte da questão foi tratada por Marcel Mauss no seu estudo clássico sobre a dádiva. Presentes falam muito além de seu simples pacote.

A boa educação e os sentimentos piedosos ensinam a aceitar qualquer coisa em nome do afeto contido no gesto. É um conselho sábio. Quem me presenteou, gastou algum tempo e algum dinheiro com isso. Em nome dos bons modos, todo pacote deve ser bem recebido. O presente é secundário, a intenção é central. Também é adequado empanzinar-nos de capim sem sal para que nossa saúde floresça com o viço das ervas ruminadas. Raramente o correto é gostoso. O caminho da virtude, por vezes, contém renúncia abnegada.


Um presente é um gesto de sensibilidade. Implica na abdicação do meu gosto para perceber o alheio. Muita gente dá algo para si, ao invés de dar ao outro. A primeira virtude do bom presenteador é evitar a universalização das afinidades estéticas e conceituais.


Do parágrafo anterior, emerge outro risco. Leandro ama vinho tinto? Que bom, eu estava numa cidade do interior e lá eles fazem um vinho maravilhoso... Trouxe para você! Voltamos ao sentimento piedoso: que bom que você se recordou do meu gosto. E ponto. Decisão silenciosa: a portaria do prédio será presenteada com a garrafa gestada nas vinhas da ira.




Não é uma arte fácil. Leandro gosta de ler? Vou dar um livro! Duas hipóteses: o livro é expressivo e bom e, nesse caso, há uma chance alta de eu possuir a obra. Hipótese alternativa: o livro é um horror, portanto, não o tenho e não desejaria tê-lo. E lá vamos à portaria de novo...
Presentes caros podem ser bem recebidos pelo valor em si ou porque demonstram que sou importante a ponto de a pessoa gastar mais comigo. Precisamos ressaltar: os presentes especiais são os que mostram o cuidado e não o valor.
Vejam um exemplo trivial. Vai presentear vovó? Uma toalha de rosto com o nome dela bordado é simples e barata. Será mais bem recebida do que um vaso com flores comprado a caminho da casa dela. O primeiro presente demandou certa antecedência e possui o toque especial do nome. O segundo sinaliza: tenho de levar algo, compro no caminho. Importante: nem toda pessoa mais velha gosta de receber sabonetes em todas as datas.
Faltou dinheiro? Conheci uma senhora que recortava gravuras bonitas de revistas, criando um cartão original. De novo: o cuidado torna o presente significativo. Meu tempo é, sempre, a entrega maior.
A boa oferta é definida no evangelho como o óbolo da viúva. Ao depositar as minúsculas moedas que lhe fariam falta, ela deu mais do que os ricos, que lançavam o que sobrava.
No filme A Pele do Desejo (Salt on Our Skin, 1992), a protagonista, sofisticada, ganha vários presentes ruins do namorado pescador. No final, ele acerta: uma âncora, pequena e significativa, uma peça-símbolo do que ele fazia e do que eram um para o outro. Ela fica emocionada. Ele aprendera que menos é mais.
Algumas pessoas emitem sinais do que desejam. Outras pedem diretamente. Ao contrário de mim, há quem se deleite com surpresas.
Além da pessoa, existe o momento. Nada de peso deve ser dado a quem vai pegar avião ou está em viagem. Um colega palestrante segredou-me que recebeu, ao final de um trabalho, uma enorme faca de churrasco. O objeto era quase uma espada. Faria soar alarmes até a sede da Otan. Como eu, quase todo viajante profissional não despacha bagagem. Não existe fórmula, mas existe uma sensibilidade a ser desenvolvida.
Por fim, existem pessoas focadas. Sempre lembro de uma tia-avó que, em todos os aniversários, trazia a mesma coisa: uma bola embrulhada. Eu e meus irmãos sabíamos: ano após ano, lá estava ela, constante como o relógio-cuco da nossa casa, segurando a indefectível bola. Diante do pacote esférico, ela perguntava: adivinha o que eu trouxe? Nós fingíamos dúvida e abríamos com falsa avidez. Uma bola! Que bom! Era um ritual simpático da nossa infância.
Bíblia define que ninguém tem maior amor do que aquele que dá a própria vida pelo outro. O segredo está nessa ideia. O presente deve ter sua vida em diálogo com a vida do outro. Dar-se é uma grande dádiva. O bom presente é uma via dupla e alegra o que oferta e o que recebe. É um gesto de comunhão e de afeto.
Já pensou em dar algo imaterial e precioso como sua atenção total? Ofereça um jantar e não leve seu celular. Siga com genuíno afeto tudo que ela ou ele fala e esteja inteiro na conversa. É um presentão! 

    O resto são pacotes... Um bom domingo a todos vocês.

É sacanagem de todos os lados... e nós aqui esperando a punição !

Investigação do TSE expõe submundo das finanças eleitorais

Inspeção em campanha da chapa Dilma-Temer mostra gasto de R$ 416 mil com caminhada de 1 quilômetro
Dilma Rousseff e Michel Temer (Foto: Orlando Brito)
José Casado, O Globo
Na mesa havia uma montanha de dinheiro: R$ 14 bilhões em contratos, 80% financiados pelo banco estatal BNDES, para a construção da Usina de Belo Monte, no Pará, uma das maiores hidrelétricas do mundo.
O governo Lula decidira obrigar as empreiteiras concorrentes a se juntar num consórcio liderado pelos grupos Andrade Gutierrez, Odebrecht e Camargo Correa. Otávio de Azevedo Marques, então presidente do grupo Andrade Gutierrez, não esquece daquele outono de 2010: “Eu fui chamado pelo deputado, ex-ministro Antonio Palocci, para uma reunião. Na época ele não era ministro, né? Trabalhava na arrecadação de fundos da presidente Dilma, futura presidente, candidata.”

A conversa foi objetiva, contou dias atrás a Herman Benjamin, juiz-corregedor do Tribunal Superior Eleitoral: “Ele me disse que aquela escolha, feita pela ministra Erenice (Guerra, chefe da Casa Civil na época), precisaria ter um entendimento de que havia um projeto político para ser apoiado. E que nós deveríamos recolher 1% do valor dos nossos faturamentos naquele consórcio: 0,5% para o PT e 0,5% para o PMDB.”
As empresas privadas pagaram na proporção da sua participação no negócio, relatou o executivo. À Andrade coube uma fatura de R$ 20 milhões. “Também pagaram nos outros projetos federais?”, quis saber o juiz-auxiliar Bruno Cesar Lorencini, referindo-se às obras em rodovias, ferrovias e aeroportos. “Também houve contribuições”, confirmou o executivo.
O dinheiro de empresas investigadas por corrupção em contratos públicos irrigou o caixa das campanhas da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer (PT-PMDB) nas eleições de 2010 e 2014. Algumas usaram métodos convencionais de lavagem. Outras, como a Andrade, preferiram disfarçar pagamentos como doações eleitorais.
Recursos fartos levaram a um recorde de gastos. Nunca uma campanha presidencial foi tão cara quanto a de 2014. A chapa Dilma-Temer liderou nos votos e na gastança: declarou despesas equivalentes a R$ 514,2 milhões (valor atualizado pelo índice IGPM/FGV). A oposição achou que a derrota foi provocada pelo “abuso de poder econômico” do governo e pediu uma devassa nas contas.
Há 21 meses a Justiça investiga a origem e o destino desses recursos. Financiamento eleitoral ilícito é punível com a cassação dos eleitos. Desde o impedimento de Dilma, em maio, o processo avança no TSE com um único alvo: o antigo vice-presidente. Numa ironia da história, Temer, o sucessor de Dilma, hoje é um presidente “sub judice” — por iniciativa do seu principal avalista político, o PSDB. O inquérito sobre o caixa da campanha presidencial de 2014 está expondo em detalhes, pela primeira vez, como funciona o submundo dos negócios e das finanças eleitorais.
Na quinta-feira, por exemplo, o TSE resolveu decretar a quebra do sigilo de três gráficas (Red Seg, Focal e VTPB). Juntas, teriam sido responsáveis por 15% dos gastos totais declarados pela chapa DilmaTemer na eleição de 2014. A documentação coletada mostra o seguinte: do total de despesa declarada pela chapa PT-PMDB com serviços dessas empresas (R$ 77 milhões, em valores corrigidos), o tribunal só conseguiu comprovar regularidade sobre 21% (R$ 16,1 milhões).
Significa que só existem comprovantes fiscais para R$ 16 de cada R$ 100 gastos pela chapa Dilma-Temer nessas gráficas. Dois terços desses gastos da chapa Dilma-Temer foram concentrados em gráficas (Focal e VTPB) que não dispunham de empregados ou maquinário suficiente e multiplicaram por dez seu movimento de caixa com “serviços” ao PT e PMDB nas eleições presidenciais de 2010 e 2014.
Criada como empresa de “banca de jornais e revistas”, a VTPB se transformou em “impressora de material publicitário” em julho de 2014, às vésperas da campanha eleitoral. É controlada por Beckembauer Rivelino de Alencar Braga, filiado ao PT paulista, segundo o TSE. Já a Focal tem como controlador Carlos Alberto Cortegoso, militante do PT mineiro com histórico em inquéritos sobre lavagem de dinheiro na política.
Foi personagem no caso do mensalão, delatado pelo publicitário Marcos Valério Fernandes, que repassou-lhe R$ 1 milhão (valor atualizado). Cortegoso também aparece em dois processos sobre corrupção em curso na Justiça Federal, em Curitiba. Num deles figura como receptor de sete imóveis do pecuarista José Carlos Bumlai, que se confessou à Justiça como o “trouxa perfeito do PT” em negócios ilícitos com a Petrobras.
Em outro foi delatado como intermediário da empresa Consist na lavagem de R$ 67 milhões para o PT (80% obtidos na cobrança de taxas ilegais sobre empréstimos consignados tomados por servidores do Ministério do Planejamento). Ao conferir as despesas declaradas pela chapa Dilma-Temer em 2014, peritos judiciais estranharam pagamentos elevados por alguns “serviços” em eventos de campanha.
À Focal, por exemplo, pagou-se R$ 204 mil pela “organização” de um “comício de Michel Temer na quadra da Portela”, no Rio. E R$ 431 mil pela “organização” de uma “coletiva de imprensa no Hotel Royal Tulip Brasília” para Dilma. Os documentos apresentados para justificar gastos de R$ 77 milhões com as gráficas são sugestivos. A “organização” de carreatas custou R$ 390 mil em Aracaju, R$ 204 mil em Campinas e R$ 138 mil em Padre Miguel, no Rio.
Gastou-se R$ 322 mil para “organizar” uma caminhada de Dilma em Canoas (RS). Outros R$ 416 mil num percurso de 1,3 mil metros no Centro do Recife, e R$ 127 mil em 500 metros da rua Barão de Itapetininga, em São Paulo. Cobrou-se R$ 404 mil pela “organização” de um encontro de Dilma com estudantes em Maceió. E R$ 314 mil pela reunião com artistas no Leblon, Rio. E um “ato pela Igualdade Racial”, em Nova Lima (MG), custou R$ 302 mil.
Os preços da “organização” de comícios oscilaram entre R$ 433 mil (Guaianases, SP), R$ 639 mil (Goiânia) e R$ 719 mil (Ceilândia, DF). Nesses eventos, supostamente, foi consumida parte dos 693 milhões de santinhos da chapa Dilma-Temer que teriam sido impressos por uma das gráficas sob investigação. Volume suficiente para distribuir três panfletos a cada brasileiro, com ou sem título de eleitor.
Dilma Rousseff e Michel Temer (Foto: Orlando Brito)