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terça-feira, 8 de novembro de 2016

Depois de palavras, insultos chegou a hora da verdade...

 Trumpillary vai à luta

Semelhanças profundas entre os dois candidatos são camufladas por um tom bélico de campanha que não reflete a realidade 
  08 Novembro 2016 | 05h00


 Leandro Karnal 


 O vice-presidente dos Estados Unidos da América, Richard Nixon, vivia à sombra do popular Eisenhower. Os republicanos tinham assumido em 1953, após 20 anos de domínio democrata. O fim da Guerra da Coreia (1950-1953) iniciava uma diminuição da Guerra Fria e havia um clima de otimismo econômico no ar. O californiano Nixon não era o carisma em pessoa, mas a prosperidade da década de 50 não exigia pessoas carismáticas. Nixon foi enviado para um tour diplomático pela América do Sul, em abril de 1958. A recepção no Uruguai foi morna. Em Lima, no Peru, os estudantes o hostilizaram de forma drástica, tanto na rua quanto no hotel. Em Caracas, na Venezuela, a agressão quase virou uma tragédia. Uma multidão raivosa tentou linchar o vice-presidente. A atitude de Nixon seria louvada como corajosa pela imprensa dos EUA.
 Na América Latina, o antiamericanismo parecia ter aumentado de forma exponencial. O episódio ocorreu há quase 60 anos. A Aliança para o Progresso que Kennedy lançou em discurso aos embaixadores latinos, em 1961, apresentou efeitos limitados. A fratura representada pelas imagens do Vietnã seria duradoura. “Yankees, go home” virou mantra para parte dos pensadores latino-americanos. Intelectuais mais conservadores diziam o contrário. Roberto Campos, no Brasil, era célebre pela americanofilia. O livro Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano aprofundou essa linha afirmando que pior do que ser explorado pelos EUA era não ser explorado. Isso significava que, para os autores como Alvaro Vargas Llosa, países mais ligados à economia estadunidense prosperavam, e os menos ligados ao mundo do dólar, definhavam.
 Parte da tradição simpática aos EUA reapareceu agora, nessa época de disputa presidencial. Um grupo decidiu, em plena Avenida Paulista, fazer uma manifestação pró-Trump. Num domingo de outubro de 2016, alguns brasileiros seguraram cartazes em inglês atacando Hillary e apoiando o candidato republicano. Fica a pergunta: por que pessoas que não fazem nenhuma diferença no processo eleitoral dos EUA necessitam expressar sua opinião? Provavelmente a resposta poderia ser dada tanto pelos estudantes que agrediram Nixon como pelos que manifestaram apoio a Trump na Paulista. 

Repercussão.

 A eleição no grande irmão do Norte abala mais consciências do que votações em outros lugares. Críticos e defensores, pensadores de direita e de esquerda: todos, de alguma forma, consideram os EUA símbolo do que amam ou odeiam. O capitalismo dos EUA ofende quem é inimigo desse sistema e entusiasma aqueles que o defendem. Os EUA sempre constituem o chamado tipo ideal, o protótipo do que deve ser evitado ou seguido. Por um lado, se os EUA apoiam a candidata democrata, todas as posições que, no Brasil são construídas em torno de Hillary (empoderamento feminino, por exemplo) passam a ser mais válidas. Por outro lado, se o apoio a Trump cresce, posições contra aumento do Estado e críticas ao esquerdismo ganham reforço no Brasil. O modelo do Norte servirá de guia e cânon. No fundo, tanto inimigos como aliados, prestam essa homenagem: não importa o sucesso ou fracasso do capitalismo em Luxemburgo, mas, apenas, no seu epicentro nervoso, os EUA. 

A retórica de Trump encarna o político independente que desafia chefões tradicionais do jogo de Washington. Políticos tradicionais são odiados nos EUA e no Brasil. Habilmente, Trump conseguiu parecer um homem de ação e de liberdade de expressão, num mundo onde cada um só fala aquilo que agrada a todos. O republicano usa sua habilidade teatral para reforçar como ele é o verdadeiro americano, aquele que acredita no esforço individual e é livre. Trump é o porto onde nacionalistas, machistas, racistas e homofóbicos podem ancorar seu navio com segurança. 
A retórica de Hillary, da mesma forma, tentou convencer a todos de que ela seria a candidata crítica e alternativa, a primeira mulher a postular a chefia da nação com chances reais de vencer, a ponderada em detrimento do intempestivo adversário. Hillary parece o porto onde feministas, cosmopolitas e liberais podem ancorar seu navio com segurança. 
Quando eu vejo essa polarização, não comum nas campanhas dos EUA, penso seriamente num hipotético polonês, em 1945, tendo de tomar partido entre os nazistas que arrasaram o país (e estavam sendo expulsos) e seus libertadores soviéticos. A pergunta sempre difícil: você prefere nazistas ou soviéticos? 

Agressividade. 

Tanto nos EUA como aqui, as pessoas destemperadas, inclinadas aos palavrões, sem freios politicamente corretos, parecem estar em ascensão. A capacidade de insultar foi associada a uma veia de autenticidade. Ulisses Guimarães, criticando a campanha de Collor (um Trump avant la lettre), teria dito que, em época de campanha, abraçaria até estuprador. É exatamente essa prática do político comendo com felicidade o pastel engordurado na feira e abraçando todos que irrita o eleitor médio. Jânio Quadros conseguiu vender, na sua Vila Maria e no país todo, o marketing da antipolítica. 
A política representativa, no Brasil e nos EUA, está chegando a um paradoxo cada vez mais complexo. O aumento do narcisismo do indivíduo exige que o candidato tenha um perfil que seria a representação do próprio eleitor melhorado. Só assim ele “me representa”, usando a próclise que se consagrou no nosso mundo. Cada vez mais, o candidato deve encarnar meu eu melhorado e seu adversário passa a ser meu perfeito outro piorado. Trump acusou Obama de não ter nascido nos EUA. Foi uma calúnia política e, diante de documentos claros, ele teve de retroceder. 
A mentira política faz parte do jogo, mas, no mundo da internet, ela é usada como ferramenta básica. Um dos manifestantes da paulista usava o cartaz “Obama e Hillary criaram o ISIS” (o Estado Islâmico). É uma calúnia política, mas, atualmente, a verdade não é mais fundamental. A chave é usar os recursos da detração para atingir o outro, o inimigo, aquele que representa o oposto do meu mundo e, por consequência, não me representa. Assim, distantes no espaço, os manifestantes da Paulista e os eleitores dos EUA mostram o verdadeiro candidato de todos: o Narciso. Minha opinião deve ser manifestada, mesmo que ninguém a tenha pedido, mesmo que ninguém a respeite, mesmo que não faça a menor diferença porque isso, em última análise, é liberdade de expressão.

 Semelhanças. 

As diferenças entre republicanos e democratas são mais de slogans do que de práticas concretas. Hillary e Trump são membros de uma elite branca e bem sucedida, uma é rica, o outro, milionário. Ambos estão convictos de valores bem mais próximos do que gostariam de reconhecer. Mas, para fins de campanha, tornam-se polos de dois mundos incomunicáveis e mutuamente excludentes. Você imagina um homem sem controle tendo o poder de acionar o maior arsenal atômico do planeta? Um pesadelo! Você imagina uma mulher que usa servidores não seguros para trocar e-mails portadores de segredos de Estado? 

Um desastre.

 Trump é o modelo do americano xenófobo e bem sucedido. Hillary é a mulher política que ignorou a traição do marido e agora recebe apoio do casal Obama, exatamente o mesmo Obama que ela atacou de forma visceral quando disputou com ele a candidatura democrata. Um que erra por falar demais; outra que muda o discurso de acordo com sua ambição do momento.
 Democracia é o melhor dos sistemas, sempre. Mas há uma conclusão incômoda. Quem manda nos Estados Unidos e no Brasil não está concorrendo e nem precisa do seu voto. Quem tem o poder real, nunca se candidata e nós, como uma plateia de musical da Broadway, batemos palmas para X ou Y, porque isso nos transmite o conforto de que nossa aprovação é determinante para o espetáculo. Orgulhoso, eu ligo para o SAC da grande empresa e sou atendido por alguém que não decide nada e me dá razão. Quem manda, de verdade, está inacessível. Desligo o telefone com sensação de poder. Seria a consulta popular a maneira mais sofisticada de perguntar minha opinião sobre quem não vai, de fato, mandar? Assim, aqueles sobre os quais eu nunca fui consultado podem continuar, democraticamente, fazendo o que querem? Marionete com ilusão de liberdade seria mais feliz? Nosso/a candidato/a é Trumpillary! Só com Trumpillary seremos felizes.

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

A CNBB fez um sermão politico e nele diz que não abençoa PEC 241

A CNBB E A PEC 241

por Percival Puggina. Artigo publicado em 
  Como de hábito, a CNBB resolveu alinhar-se aos partidos de esquerda no combate à PEC 241. Eu andava sentindo falta da CNBB oposicionista, tão silenciosa nos longos anos de insucessos e malfeitos do PT. Aliás, durante os mandatos petistas, a cada quatro anos, ao se aproximarem as eleições, os documentos publicados no site da Conferência com o título Análise de Conjuntura dedicavam-se a combater os argumentos e diagnósticos da oposição. Em outras palavras, disparavam desde a trincheira do governo. Estou chovendo no molhado, bem sei.
O que interessa aqui é esta nota dos senhores bispos contra a PEC 241. Eis sua essência:
"A PEC 241 é injusta e seletiva. Ela elege, para pagar a conta do descontrole dos gastos, os trabalhadores e os pobres, ou seja, aqueles que mais precisam do Estado para que seus direitos constitucionais sejam garantidos. Além disso, beneficia os detentores do capital financeiro, quando não coloca teto para o pagamento de juros, não taxa grandes fortunas e não propõe auditar a dívida pública."
E também:
"A PEC 241 afronta a Constituição Cidadã de 1988. Ao tratar dos artigos 198 e 212, que garantem um limite mínimo de investimento nas áreas de saúde e educação, ela desconsidera a ordem constitucional."
Comecemos por esta última. A CNBB sustenta uma tese surpreendentemente genérica. A de que se uma proposta de emenda à Constituição alterar preceito da Constituição ela é inconstitucional. Nesse caso, para que existiram tais propostas? Uma PEC só será inconstitucional se ferir princípio constitucional ou cláusula pétrea, como tal declarada pelos constituintes originários (1988). Não é o caso. Corporações do Poder Judiciário, por exemplo, se insurgiram contra a PEC por outro viés, invocando o princípio da independência dos poderes, mas o STF já sinalizou que não concorda. O que esse corporativismo pretende é que a cabine dos passageiros de primeira classe não balance quando o avião atravessa zona de turbulência. A própria presidente do STF, ministra Carmen Lúcia, já se manifestou a favor da PEC e contra o argumento dos magistrados.
Quanto ao primeiro ponto da nota, a CNBB acompanha as críticas dos partidos de esquerda, que:
1. se esfalfaram na análise de consequências da PEC 241 que supõem funestas exatamente aos setores que ela pretende proteger;
2. dizem lutar por mais recursos à Saúde e à Educação, mas parecem não aceitar que esses recursos sejam suprimidos de outros setores, ou seja, haverá que buscar nos ventos e nas estrelas os recursos que pretendem obter;
3. apenas como contraponto e denúncia, trataram da não inclusão do setor financeiro nos ônus da contenção da despesa pública.
Desconsideraram, neste particular, que os títulos do governo são adquiridos pela sociedade como forma de poupança e investimento. É o dinheiro para compra da casa, troca do automóvel, educação dos filhos, reserva para velhice, abertura de um negócio. As medidas que a CNBB pretende contra esses cidadãos produzirão fuga de capitais para outros ativos, redução ainda muito maior dos investimentos produtivos, seriíssimos problemas de financiamento para o governo, que redundariam em aumento da taxa de juros e aprofundamento da recessão. Afinal, não foi a irresponsabilidade fiscal que nos lançou no atual cenário de dificuldades?
Não é sensato recusar racionalidade ao comportamento dos agentes econômicos. Nenhum poupador poupa para suprir o Estado e suas funções. Nenhum investidor anda em busca de governos para socorrer generosamente. Só fundos de pensão administrados por petistas investem em títulos públicos venezuelanos. Bobo é quem, pensando que o dinheiro é bobo, gasta mais do que pode. Agora, tanto os que se serviram politica e/ou pessoalmente da gastança, e os que nada disseram contra ela, se introduzem no palco como zelosos defensores do interesse público. O interesse público, hoje, se chama controle do gasto público, segurança a quem empreende, gera empregos, renda e tributos. Ah! sobre a auditoria da dívida, basta perguntar ao PT como conseguiu quintuplicar em13 anos o compromisso que carregamos.

"Politização de estudantes e professores colabora para educação ser um lixo " / Luiz Felipe Pondé

segunda-feira, novembro 07, 2016b

Politização de estudantes e professores colabora para educação ser um lixo 

- LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 07/11
Sei que muitos inteligentinhos vão ficar nervosinhos, mas, no que se refere a esta onda de invasões que tomou conta das escolas, os professores que apoiam e os estudantes autoritários que realizam o fazem, antes de tudo, porque uns não querem dar aulas e os outros não querem ter aulas. Casamento perfeito sob a "bênção" do blá-blá-blá da "luta pela educação". Uma das formas mais cínicas de ser um professor ruim é sê-lo em nome de um mundo melhor. Você pode passar a vida inteira sendo esse professor ruim e enrolar todo mundo. Para isso, basta dizer que "acredita na educação para formar cidadãos do futuro".

Antes, um pequeno reparo: claro que a educação no Brasil é um lixo. Mas a politização dos estudantes e dos professores é uma das causas para ela ser um lixo. Um modo chique de torná-la um lixo, dizendo que a está salvando. Como violentar alguém dizendo que está fazendo aquilo porque ela gosta.

Fiz parte de movimento estudantil. Nunca vi gente tão autoritária e manipuladora. Aliás, foi ali que comecei a desconfiar que o problema da esquerda era um problema de caráter, ainda que no contexto da ditadura não havia como não ser contra ela. "Ser de esquerda" era óbvio para todo jovem. Na época, optei por ser anarquista, pois sempre desconfiei de quem queria fazer assembleias, comitês burocráticos e decidir pelos outros. Além do mais, ser anarquista era mais chique e pegava mais meninas. Sexo ainda é um grande motivo (talvez um dos poucos sinceros) para se fazer movimento estudantil.

A educação se tornou, de certa forma, um dos grandes fetiches do mundo moderno. Não que não seja essencial (antes que algum bonitinho tenha um ataque de nervos), mas defendê-la, muitas vezes, é um modo de não realizá-la. A própria palavra "educação" vai, aos poucos, caindo no mesmo tipo de uso da palavra "energia": todo mundo sabe que é importante, que existe, mas ninguém sabe direito o que é.

Umas das melhores formas de matar a educação é dar a ela missões demais. Outra é dizer que ela forma "cidadãos do futuro". Como são do "futuro", ninguém sabe direito o que são. Desconfio de quem diz "eu acredito na educação". Para mim, soa como dizer "eu acredito em energia ruim" –ou seja, não quer dizer nada.

Eu "não acredito na educação", apenas gosto de dar aula. Aliás, grande parte do problema da educação é que muitos professores não gostam de dar aulas ou não gostam de jovens. Risadas? Que tal um cirurgião que não gosta de sangue? Além do eterno problema de grana, você envelhece, torna-se irrelevante e, num dado momento, nem sabe mais o que está fazendo ali. Ao final, está apenas ganhando uma graninha fazendo um negócio que dá um trabalho do cão.

A educação se tornou um fetiche (no sentido freudiano) porque ela serve para você gozar apenas com uma "parte" da experiência humana, "parte" esta que exclui todo o resto da realidade; "parte" esta que faz os professores, pedagogos e alunos gozarem em sua vaidade de se dizerem do bem. A experiência ampla, o enfrentamento da própria humanidade que nos une e nos inferniza, essa ninguém mais quer saber. Refiro-me aqui, claro, à educação não apenas como informação técnica, mas como formação humana (aquela mesma que os picaretas da "educação para a política" dizem representar na sua condição de novo clero hipócrita do mundo).

Outro problema com essas ocupações é que são levadas a cabo por uma parte mínima dos alunos se dizendo representar a totalidade do alunos. Representa nada. O movimento estudantil sempre foi uma excelente escola para você virar um daqueles "políticos de Brasília": alienado do resto do mundo, mentiroso e manipulador de sonhos. Essas invasões sequestram a escola dos outros, apenas.

Há pouco tempo, recebi um e-mail de um aluno de mestrado de uma grande universidade em que ele contava como um professor de sociais deu aos alunos duas opções de trabalho para nota: a primeira, ir a uma manifestação contra o Temer (e, assim, "fazer política" de fato); a outra, não ir e fazer prova oral. O que você escolheria se não estivesse a fim de estudar?

“Creio que é melhor dizer a verdade do que mentir, saber do que ignorar, ser livre do que depender”.

José Nêumanne: Apenas a verdade, nada menos do que a verdade

Em dois anos e meio de investigação e julgamento do maior escândalo de corrupção de que já se teve notícia, o juiz Sérgio Moro tornou-se o mais popular e admirado brasileiro contemporâneo

Por: Augusto Nunes  
Publicado no Estadão
A entrevista exclusiva que o comandante da Lava Jato, o juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba, concedeu a Fausto Macedo e Ricardo Brandt e foi publicada no Estadão de domingo 6 de novembro é um feito jornalístico e histórico. Em dois anos e meio de investigação e julgamento do maior escândalo de corrupção de que já se teve notícia, o jovem magistrado tornou-se o mais popular e admirado brasileiro contemporâneo e até então só tinha dado suas opiniões em palestras ou nos autos dos processos que julga. Nunca antes havia respondido a perguntas diretas de jornalistas como acaba de fazê-lo.
Nas duas páginas da edição dominical do Estadão ele não fez nenhuma revelação espetacular. Não respondeu, por exemplo, à pergunta que os repórteres lhe fizeram e dez entre dez brasileiros, seus admiradores ou detratores, gostariam de fazer: “O senhor vai mandar prender o ex-presidente Lula?”. Sua resposta foi lacônica: “Esse tipo de pergunta não é apropriado, porque a gente nunca fala de casos pendentes”. Ele também perdeu uma oportunidade de desmentir seus desafetos que o acusam de ser tucano ou filho de tucano ao responder à pergunta se votou no referido personagem. “É o tipo de resposta que eu não posso dar, porque acho que o mundo da Justiça e o mundo da política não devem se misturar”, disse.
Ao longo das respostas que deu apenas repetiu, de forma didática e até acaciana (ao estilo do Conselheiro Acácio, personagem de Eça de Queiroz que só proferia o óbvio), verdades que precisam mesmo ser repetidas. Só isso é capaz de removê-las do lixo ideológico sob o qual têm sido soterradas na guerra retórica em que se debate o Brasil. Neste país da polêmica pronta, onde o argumento vale mais do que o fato, sua entrevista restaura a realidade oculta na ilusão e desmente a falácia da utopia pomposa sobre a rotina do dia a dia.Em Ah se não fosse a realidade, sua recente crônica dominical publicada na última página da Folha Ilustrada, o poeta Ferreira Gullar descreveu essa situação. Ele narra casos do cotidiano em que adeptos do populismo lulopetista, derrotado no impeachment de Dilma no Congresso e massacrado nas urnas em outubro passado, apelam para a descarada desfaçatez de contestar a vida com o lorotário ideológico disponível. O autor ouviu de uma interlocutora esta pérola: “Na cidadezinha onde moro não há desemprego. Duvido muito desses números”. Lembrada de que os dados tinham a chancela autorizada do IBGE, à época em que Dilma ainda presidia o País, a pessoa não se deu por rogada: “E o IBGE não podia estar infiltrado por adversários do governo?”.A negação do fiasco petista tem no trabalho de Moro uma de suas vítimas preferenciais. A citada ex-“presidenta”, com sua caradura de hábito, atribuía ao trabalho da força-tarefa da Lava Jato, composta por policiais e procuradores federais, a culpa pela crise financeira que devasta o Brasil, gerando quebradeira de empresas, desemprego em massa e inflação. Moro ressuscitou o Conselheiro Acácio para repetir aos repórteres o que a realidade clama: “O que traz instabilidade é a corrupção, e não o enfrentamento da corrupção. O problema não está na cura, mas, sim, na doença. O Brasil pode se orgulhar de estar, dentro da lei, combatendo a corrupção. A vergonha está na corrupção, não na aplicação da lei”. A verdade, a simples verdade, nada mais, nada menos do que a verdade.
A retórica tatibitate da ex-presidente afastada pelo Congresso deixou marcas na discursalhada de seu partido, o PT, e da esquerda em geral. Um dos argumentos mais comuns dessa gente tem sido apoiar o desempenho da Lava Jato, mas cobrar de federais, de procuradores e, sobretudo, do juiz acusações contra corruptos não filiados aos partidos que mandaram e desmandaram na República nos 13 anos, 4 meses e 12 dias antes do afastamento da ampla aliança de forças comandadas pelo PT e pelo PMDB. Trata-se de um argumento falso e hipócrita. Moro despacha-o com lógica e singela clareza. “A atuação da Justiça, do Ministério Público e da polícia não tem esse viés politico-partidário. O fato é que contra quem têm aparecido provas, têm sido tomadas as providências cabíveis”.
“Por que só ex-tesoureiros do PT estão presos?”, perguntaram, então, os repórteres. E Moro respondeu: “Considerando os casos que já foram julgados, há uma afirmação de que a vantagem indevida, a propina que era paga nos contratos da Petrobrás, era dividida entre os agentes da estatal e os agentes políticos que davam suporte à permanência daqueles agentes em seus cargos. Nessa perspectiva, quando isso foi de fato comprovado, é natural que apareçam nos processos exatamente aqueles agentes políticos que pertenciam à base de sustentação do governo”.
Na entrevista, o juiz defendeu as dez medidas de combate à corrupção apresentadas com 2 milhões de assinaturas de eleitores e o apoio entusiástico do Ministério Público Federal. A reputação que ele conquistou na sociedade não basta para tornar o projeto imune a críticas. Nem a emendas, que cabe ao Congresso adotar ou não. É claro que o desempenho de sua função, que permite a punição exemplar aos corruptos e justifica seu prestígio na sociedade, lhe dá autoridade para defender tal posição, mas isso não basta para que ela seja seguida, como ele gostaria, na possível lei que dela advier.
Da mesma forma, devem ser avaliadas suas posições críticas contra a lei do abuso da autoridade, que, por ordem expressa do presidente do Senado, Renan Calheiros, foi desengavetada no momento em que este protagoniza 11 inquéritos no aguardo de decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). O parlamentar goza, como todos os seus pares, da prerrogativa de foro, que Moro, com quem muitos juristas concordam e de quem muitos advogados discordam neste caso, prefere ver limitado aos chefes dos Poderes.
O ministro do STF Gilmar Mendes, sempre disponível para se pronunciar fora dos autos, chamou a sugestão do juiz de primeira instância de “simplista” e disparou, sem dó: “Para todo problema complexo, toda solução simples é geralmente errada”. Sua Excelência não pode ser acusado de originalidade. A frase original é: “Para todo problema complexo existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada”, da lavra do genial e impiedoso jornalista, sátiro, crítico cultural, poeta e acadêmico americano Henry Louis Mencken.
É do mesmo autor o aforismo que poderia servir de epígrafe para este artigo, para a coluna de Gullar no último domingo e para a entrevista de Moro resgatando a verdade dos fatos neste Brasil que virou atualmente o reino das versões e das utopias complexas, deselegantes e politicamente corretas: “Creio que é melhor dizer a verdade do que mentir, saber do que ignorar, ser livre do que depender”. O ministro Mendes talvez devesse incluí-la em seu estoque de frases feitas para pronto uso.

domingo, 6 de novembro de 2016

A delação da Odebrecht poderá virar um tsunami político ...

Para lá do fim do mundo - 

FERNANDO GABEIRA

O Globo - 06/11

Os que usaram caixa dois consideram a prática tão corriqueira que querem uma espécie de anistia


Saiu a delação de Marcelo Odebrecht e seus 75 executivos. Trezentos novos casos de corrupção devem inundar o noticiário. Os políticos a chamam de delação do fim do mundo. O próprio Sérgio Moro teria comentado: espero que o Brasil sobreviva. Sobreviverá. Olho Lisboa da janela do avião. Em 1775 houve um terremoto, seguido de uma tsunami e um grande incêndio. A cidade lá embaixo está linda e ensolarada. Não será nada fácil. Como não deve ter sido para os contemporâneos do Marquês de Pombal enfrentar tantas calamidades em série. Não é possível começar do zero, vamos ser governados por mortos e feridos. Um cenário que parece ter saído daquela série americana “Black mirror”, cheia de histórias que projetam um sinistro futuro a partir das tendências do presente. Teremos enfermarias de caixa dois, propinas, achaques, chantagens, formação de quadrilha e lavagem do dinheiro.

Poderemos usar os mortos recolhendo todos os seus posts no Facebook, discursos antigos, confissões, com essa base de dados simularemos suas respostas à nova situação. Os que usaram caixa dois consideram a prática tão normal e corriqueira que inclusive querem uma alta da enfermaria, uma espécie de anistia. Afinal, dizem eles, caixa dois existe desde Cabral (Pedro Álvares). Se todos forem punidos, será preciso reescrever a História do Brasil.

É preciso definir um marco no tempo: as próximas eleições, por exemplo. Quem usou recursos lícitos e não declarou, está livre. A partir de 2018, tudo será diferente.

Vai ser uma confusão. O caixa dois, no caso, seria apenas um dinheiro de origem lícita, não contabilizado na Justiça Eleitoral. Ao contrário da propina, grana em troca de algum favor oficial. Tudo isso ainda está na fase de roteiro, conversas de bastidores. O Ministro da Justiça disse que a Lava-Jato iria até onde os fatos a levassem.

O melhor, portanto, é esperar todos os fatos e ver quem, realmente, estará em que enfermaria, quem será ressuscitado para uma breve vida virtual, quem irá para as nuvens do céu de Curitiba.
Ninguém vai morrer calado. O governo, por exemplo, move-se para salvar Renan Calheiros no Supremo. O próprio PSDB que se saiu bem nas eleições vai passar por momentos difíceis. A empreiteiras estão envolvidas em todos os governos do país, elas eram o verdadeiro ministério do planejamento; as obras, assim como as propinas, brotavam de suas planilhas.

Cada estrada, cada ponte, cada viaduto, cada estádio de futebol, onde quer nossos olhos repousem, com ou sem lente de contato, o dinheiro escorre pelos canais do superfaturamento. Cada edifício que cai, cai vergado pelo peso da grana espúria. Essa é nossa história. Não é preciso que os fatos nos levem a ela. A Lava-Jato é apenas um inventário para efeito dos ritos judiciais. No terremoto que abalou Lisboa, seguido de ondas que varreram suas áreas baixas, e um grande incêndio que lambeu seus prédios, foi preciso decisão rápida.

Pombal era um homem decidido, mandou jogar os corpos no mar, articulou engenheiros e construtores, enfim ganhou tempo em vez de apenas se lamentar. Num desastre de natureza política, o caminho da reconstrução não é tão linear. Depois das eleições, o mar está tinto de algas vermelhas. Não foi preciso prender todo mundo para que os eleitores compreendessem. Da mesma maneira, não será com anistia que os políticos ganharão um passaporte para o futuro. Basta seguir os fatos, conhecê-los de uma forma responsável. A delação do fim do mundo deveria ser homologada rapidamente e divulgada com todos os detalhes, não aos poucos, como se fosse uma ação entre amigos.

É preciso examinar a extensão do desastre para começar a reconstruir. Ou será que os escândalos semanais criaram uma espécie de dependência que ficará insatisfeita quando o trabalho essencial for apenas reformar um país devastado?


A hecatombe nos ameaça de todos os lados. Hillary Clinton diz que Trump levará o planeta a uma guerra nuclear. Melhor fazer logo o que tem de ser feito e ver o que há, realmente, para lá do fim do mundo. Keynes dizia que a longo prazo estaremos todos mortos. Isto é válido para pessoas. Países, com raríssimas exceções, sempre sobrevivem.


A esperada delação está pronta...

Acordo vai acelerar envio de delação da Odebrecht a Teori 

 Negociação deve ser fechada em novembro; intenção é que ministro do STF avalie homologação ou não antes do recesso de fim de ano Beatriz Bulla, Fabio Serpião e Ricardo Brand, enviado especial a Curitiba, O Estado de S.Paulo 06 Novembro 2016 | 05h00 BRASÍLIA -

A assinatura do documento entrou na sua reta final. Previsto para ser celebrado ainda em novembro, o maior acordo da operação ��� cerca de 80 funcionários e ex-funcionários e ao menos R$ 6 bilhões de multa prevista - terá uma logística diferente para evitar vazamento do conteúdo das delações e possibilitar o envio para homologação do ministro Teori Zavascki antes do recesso de fim de ano, em 20 de dezembro.
Ao contrário de outras tratativas, a Procuradoria informou aos advogados do Grupo as penas a serem impostas e agora aguarda o retorno das defesas já com os depoimentos tomados. Depois disso, cada colaborador irá ser ouvido pelos procuradores para confirmar o teor do depoimento entregue por seus advogados.
 As inovações, as dificuldades ao longo das negociações e as penas duras aplicadas pelo MPF são reflexo do tamanho do acordo a ser assinado e do comportamento da empresa desde o início da Lava Jato. Para os investigadores, além do enfrentamento judicial, a empresa atuou "extracampo" para atacar integrantes da investigação, comprar dossiês e tentar desgastar a investigação e seus protagonistas.
 Mesmo sob ataque, tanto a PF como o MPF continuaram com a investigação e chegaram ao coração da maior empreiteira da América Latina. Embora já fosse alvo desde sua citação nas delações de Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa, ainda em 2014, a empresa recebeu o primeiro grande golpe quando a Suíça, em março de 2016, liberou o envio da quebra de sigilo de suas conta naquele país.
 Meses depois, a "bala de prata" veio com as fases Xepa e Acarajé que descobriram o departamento da propina, as várias camadas de offshores utilizadas para camuflar pagamentos no exterior e até o banco que seus funcionários compraram para movimentar ao menos US$ 1,6 bilhão provenientes do seu sistema financeiro paralelo. Desde então, nos bastidores da operação, o acordo passou a ser classificado como dispensável porque o caminho do dinheiro estava às claras, era preciso apenas segui-lo.
 Foi nessa situação nada confortável, com seu sistema financeiro paralelo exposto, que a Odebrecht iniciou a negociação no final de maio. Para Marcelo, a situação era ainda pior. Os e-emails em posse da PF materializam sua ascendência e comando sobre toda a operação do departamento de propina. Muito embora o sistema tivesse vida e modus operandi próprios, a criação da estrutura bem como a palavra final em sua operação era do herdeiro do "doutor" Emílio Odebrecht. Em resumo, sua pena deveria ser exemplar, não haveria como esconder algo do acordo e a punição à empresa deveria tornar-se padrão para as demais.
 A dias da celebração do acordo e, portanto, do início das revelações do que está por vir com a delação, o Estado mapeou os cargos e áreas de atuação de executivos que fazem parte das negociações com a Procuradoria-Geral da República, com as zonas de influência da empresa. Além do núcleo mais próximo à família Odebrecht, são funcionários que vão de presidentes de empresas e diretores de áreas de negócio a secretárias da Construtora Norberto Odebrecht, Odebrecht Ambiental, Odebrecht Óleo e Gás, Odebrecht Realizações Imobiliárias, Odebrecht Defesa e Tecnologia, Braskem e nos braços internacionais da empresa com atuação na América Latina, África e Estados Unidos. As funções dos executivos e ex-executivos demonstram a extensão e a importância da negociação do grupo com o MPF.
 Ao que se sabe, são 53 colaborares que fazem delação premiada e mais 32 que prestam depoimentos como lenientes. Entre os participantes da negociação, ao menos sete nomes são ligados diretamente à cúpula do conglomerado – sendo três ex-presidentes da holding que irão cumprir penas após a delação: Emílio Odebrecht, patriarca e hoje presidente do Conselho de Administração do grupo, Marcelo Odebrecht e Pedro Novis. A lista, incompleta, inclui ainda dois ex-presidentes da Braskem, 14 líderes empresariais ou diretores executivos – cargos mais altos das empresas do grupo, com subordinação direta ao presidente do grupo - e 30 diretores ou ex-diretores. Liderança. A Lava Jato investiga contratos de 28 empreiteiras firmados entre 2004 e 2014 com a Petrobrás.

Em valores, o Grupo Odebrecht possui a maior fatia desses contratos: 16,6% do total, ou R$ 35,5 bilhões – isso sem considerar a Braskem. Para os investigadores, os números revelam que a empresa possuía a liderança do cartel de empreiteiras que dividiam as obras da Petrobrás.
A estimativa é de que ao menos 3% desses valores, ou seja, R$ 1 bilhão, seja dinheiro usado para pagar propina a agentes públicos, embutido no valor dos contratos. Laudo da Polícia Federal mostra que o prejuízo causado pode ser ainda maior, com até 20% de sobrepreço admitido em cada contrato. O valor chegaria na casa dos R$ 7 bilhões em despesa adicional da estatal em razão de corrupção – por isso a multa que a empresa deve pagar na leniência negociada com o Ministério Público tem se aproximado dessa cifra.
A Polícia Federal e o MP identificaram os executivos que trabalharam em dez braços do grupo Odebrecht e tiveram comunicações suspeitas sobre pagamento de propina ou relação com as obras investigadas. Os nomes, levantados pelo Estado, ajudam nas investigações. Parte negocia o acordo de delação premiada e vai cumprir pena após os depoimentos. Outros não irão confessar crimes, mas devem contar o que viram ocorrer na empresa nos últimos anos na condição de lenientes. Há ainda nomes, como Newton de Souza – atual diretor-presidente do Grupo – e Maurício Ferro, diretamente envolvidos na transação, mas que não devem prestar depoimentos formais nem na condição de delatores nem na de lenientes. Ferro é genro de Emílio e responsável jurídico pela empresa. Parte dos nomes listados são líderes de negócios de cada empresa e atuavam com autonomia nos negócios do grupo, embora as movimentações fossem repassadas ao diretor presidente, Marcelo Odebrecht. Há ainda diretores de contrato, considerados hierarquicamente distantes da cúpula do grupo. Todos, no entanto, tiveram algum contato com o esquema que se formou dentro das empresas. Os executivos transitaram pelas empresas do grupo em diferentes fases da carreira, por isso há situações como a de Carlos José Vieira Machado da Cunha.
A ocupação mais recente de CJ, como é conhecido no grupo, foi na diretoria da Odebrecht Transport, mas ele conta em sua delação crimes ocorridos no âmbito da Construtora. Além da Petrobrás. Além das bilionárias obras da Petrobrás, a Odebrecht é alvo de investigação em ao menos outros 38 contratos espalhados pelo Brasil com a União, Estados e municípios. Há casos delatados de fase anterior a 2002 e, portanto, que não ficam circunscritos apenas a épocas em que o PT esteve à frente do governo federal. Há delações que mencionam relatos de irregularidades cometidas nas décadas de 1980 e 1990.
Do Rio Grande do Sul ao Rio Grande do Norte, a empreiteira deverá detalhar pagamentos indevidos para conquistar obras que vão desde o setor de saneamento, passando pela construção de corredores metropolitanos, linhas de metrô e obras ligadas à Copa do Mundo, como a reforma do Maracanã (RJ) e da Arena Fonte Nova (BA) e a construção do Itaquerão (SP).
A considerar os cargos ocupados pelos executivos nos últimos anos, a Odebrecht vai delatar crimes ocorridos em obras de construção, infraestrutura, óleo e gás, empreendimentos imobiliários – como a aquisição do terreno do Instituto Lula-, petroquímica e defesa, no Brasil e, até agora, em sete países. Há executivos que atuaram em Angola, no Panamá, Argentina, Estados Unidos, República Dominicana, Moçambique e Venezuela. Além da pena, os delatores terão de pagar uma porcentagem de cerca de 20% do que receberam de salário durante o período em que trabalharam no grupo.
'Dedo-duro'.
Marcelo Odebrecht resistiu a aderir ao processo de colaboração premiada e, três meses após ser preso, chegou a chamar delatores de “dedo-duro”. “Primeiro, para alguém dedurar, ele precisa ter o que dedurar. Esse é o primeiro fato. Isso eu acho que não ocorre aqui. Segundo, tem a questão do valor moral”, disse à CPI da Petrobrás em setembro do ano passado. Enquanto isso, cada vez mais imersa na Lava Jato, a empresa viu sua dívida bruta crescer e chegou a demitir mais de 50 mil funcionários.
A Odebrecht ficou encurralada após a descoberta do Setor de Operações Estruturadas interno – tido como o departamento da propina – e viu na delação a chance de salvar o grupo. A empresa sistematizou a corrupção com executivos e secretárias no setor, diretamente ligado à presidência. A função dos empregados era receber as demandas do grupo para pagamento de propina e garantir a entrega do dinheiro a políticos de diversos partidos.
Na negociação com o Ministério Público, procuradores insistem que Marcelo não se exima da responsabilidade de coordenar o departamento da propina. A Lava Jato conseguiu identificar parte das obras suspeitas no Brasil e no exterior após apreender uma grande quantidade de e-mails e informações trocadas pelos integrantes do “departamento da propina”. Somente na 35ª fase, batizada de Operação Omertà, que prendeu o ex-ministro Antonio Palocci, a PF avançou sobre os 38 contratos e instaurou inquérito para apurar quem são os agentes públicos camuflados por codinomes como Shark, Santo, Guerrilheiro e muitos outros. Alguns já foram desvendados: o Amigo, Lula. O Italiano, Palocci. Mas são dezenas de apelidos em referência a políticos e demais beneficiados por “agrados” da empreiteira em troca dos contratos com o setor público. Com a delação, os investigadores querem otimizar o trabalho, já que cada um dos executivos flagrados em solicitações de pagamentos ao departamento da propina terão de declinar quem é o agente público relacionado a cada codinome.
Pelos vazamentos de informações do acordo, até agora, serão implicados na delação mais de cem políticos envolvidos nas negociações e, dentro desta lista, ministros de Estado, parlamentares e governadores e ex-governadores que receberam dinheiro de caixa 2 ou propina para facilitar a vida da empreiteira na contratação com o setor público.

"A escola da pedrada " / Guilherme Fiuza

domingo, novembro 06, 2016

A escola da pedrada  

GUILHERME FIUZA

REVISTA ÉPOCA

A reforma da educação já era discutida no governo Dilma – e ninguém invadiu escola por causa disso


Com o impeachment começando a sumir na poeira da estrada, e o país se acostumando a seu novo rumo, vai se impondo a inexorável conclusão: Dilma é que era legal. Pelo menos, a julgar pelo movimento revolucionário dos ocupadores de escolas.

Às vésperas da realização do Enem, a revolução se intensificou. Com invasões a estabelecimentos de ensino em 21 estados, mais o DF (a Federação tem cinco estados alienados), os revolucionários protestam contra o ajuste fiscal proposto pelo governo Temer – PEC 241 – e contra o projeto de reforma do ensino médio.

Como quem ainda lê algo além de disparates no Facebook sabe, a ideia das mudanças no ensino médio visa tornar o currículo menos disperso, aproximando-o dos interesses específicos de cada aluno – enfim, ajudando o estudante a estudar, como acontece em vários dos países mais letrados. Também não é segredo que o projeto é um projeto – ou seja, está colocado para discussão por parte de todos que queiram discutir, pensar e outras ações não tão emocionantes quanto jogar pedra.

Desde que o governo Temer pôs o assunto na pauta, a proporção tem estado mais ou menos em uns 5% de debate e 90% de pedrada (descontando-se uns 5% de isentões – os que têm pedras nas mãos sem a coragem de jogá-las). Se você tentar discutir – no sentido nobre do termo – com algum dos críticos da reforma proposta, provavelmente ele vai gritar que querem acabar com a educação física, tornar o país sedentário e matar todos os inocentes de colesterol alto. Só lhe restará perguntar se o aguerrido interlocutor também não abre mão de moral e cívica.

O maior enigma dessa revolução, porém, está num elemento impressionante: no governo da saudosa companheira Rousseff, essa reforma hedionda já estava em discussão – sem uma única sala de aula invadida por causa disso. Não restam mais dúvidas: Dilma é que era legal.

Mas tem também a PEC demoníaca, já apelidada por algum discípulo de João Santana de “PEC do fim do mundo”. Um voluntarioso exército propagador, com seus diligentes repetidores nas artes, nas universidades e na imprensa, espalhou que essa PEC aí é para tirar dinheiro da Educação e da Saúde. Alguns vão além, explicando que é uma manobra para beneficiar os banqueiros. Eles só não revelam que o Lobo Mau comeu a Vovó e está prestes a devorar Chapeuzinho porque a criançada revolucionária poderia não suportar tanta crueldade.
A notícia de que a PEC 241 vai tirar dinheiro da Educação e da Saúde não corresponde à realidade dos fatos. Ou, em português mais claro: é mentira. Alguns poderão argumentar que se trata de um mal-entendido, mas estarão equivocados. A turma que espalhou a historinha da PEC do fim do mundo sabe bem do que está falando – e tem plena confiança de que a multidão de inocentes úteis dispostos a repetir a falácia jamais se dará ao trabalho de ler uma linha séria sobre ela. A PEC 241 tem o único e singelo objetivo de tentar começar a arrumar a casa após o cataclismo financeiro da última década. Mas os revolucionários não vão cair nessa: a ruína da Dilma é que era legal.

Se a PEC dos homens brancos, velhos, recatados e do lar passar, a Educação e a Saúde vão ter mais dinheiro. Não é naquele futuro imaginário do pré-sal, vendido pelos companheiros como terrenos na Lua: é do médio para o curto prazo. E mais importante ainda do que a apreciação orçamentária dos setores sociais será, se tudo der miseravelmente certo, a descontaminação da gestão dessas áreas – entregues pelos heróis petistas a seus parasitas de estimação. Aí a ocupação das escolas terá de ser para protestar contra o assassinato da moral e cívica.

Os movimentos de invasão das escolas e paralisação das aulas começou no estado de São Paulo – coincidentemente governado por um partido de oposição à então presidente da República. Ainda com a saudosa Dilma no Planalto, surgiram ocupações no Rio de Janeiro e no Paraná, que apresentavam como causa a resistência ao impeachment, contra o golpe etc. Com essas palavras de ordem caindo de maduras, impôs-se a indignação nacional contra a PEC. E quando a PEC passar, será contra a perseguição à alma mais honesta do mundo.

Até que o Brasil pare de passar a mão na cabeça em quem lhe atira pedra fingindo defendê-lo.


sábado, 5 de novembro de 2016

"Deu errado" / J R Guzzo

J.R. Guzzo: Deu errado

Como seria possível, numa sociedade racional, consumir duas unidades para produzir uma — e achar que está tudo bem?

Por: Augusto Nunes  
Publicado na edição impressa de VEJA
Aconteceu numa sessão qualquer de uma dessas comissões da Câmara dos Deputados em que pouca gente fala, pouca gente escuta e quase ninguém presta atenção, mas nas quais, de vez em quando, é possível ficar sabendo das coisas mais prodigiosas. No caso, o deputado Nelson Marchezan Júnior, do Rio Grande do Sul, tomou a palavra a certa altura dos procedimentos e revelou o seguinte: a Justiça do Trabalho deu aos trabalhadores brasileiros que recorreram a ela no ano passado um total de 8 bilhões de reais em benefícios; no decorrer desse mesmo ano, gastou 17 bilhões com suas próprias despesas de funcionamento. É isso mesmo que está escrito aí. A Justiça do Trabalho brasileira custa em um ano, entre salários, custeio e outros gastos, o dobro do que concede em ganhos de causa à classe trabalhadora deste país. Pela aritmética elementar, calculou então o deputado, o melhor seria a Justiça do Trabalho não existir mais, pura e simplesmente. Se o poder público tirasse a cada ano 8 bilhões de reais do Orçamento e entregasse essa soma diretamente aos trabalhadores que apresentam queixas na Justiça trabalhista, todos eles ficariam tão satisfeitos quanto estão hoje, as empresas reduziriam a zero os seus custos nesse item e o Erário gastaria metade do que está gastando no momento. Que tal?
Não existe nada de parecido em país algum deste mundo, ou de qualquer outro mundo. Como seria possível, numa sociedade racional, consumir duas unidades para produzir uma — e achar que está tudo bem? O sistema ao qual se dá o nome de “Justiça do Trabalho” continua sendo uma das mais espetaculares extravagâncias do Brasil — e mais uma demonstração concreta, entre talvez uma centena de outras, da facilidade extrema de conviver com o absurdo que existe na sociedade brasileira. É o que nos faz aceitar resultados exatamente opostos ao que se deseja — estamos nos tornando especialistas, ao que parece, em agir de forma a obter o contrário daquilo que pretendemos. Todos querem, naturalmente, que a Justiça do Trabalho produza justiça para os trabalhadores. Mas fazem tudo, ou aceitam tudo, para gerar o máximo de injustiça, na vida real, para esses mesmíssimos trabalhadores. Que justiça existe em gastar 17 bilhões de reais de dinheiro público — que não é “do governo”, mas de todos os brasileiros que pagam imposto — para gerar 8 bilhões? É obvio que alguma coisa deu monstruosamente errado aí. A intenção era fazer o bem; está sendo feito o mal em estado puro.
A Justiça trabalhista é acessível a apenas 40% da população; os outros 60% não têm contrato de trabalho. Ela não cria um único emprego — ao contrário, encarece de tal forma o emprego que se tornou hoje a principal causa de desestímulo para contratar alguém. Não cria salários, nem aumentos, nem promoções. Apenas tira do público o dobro do que dá. Mas vá alguém querer mexer nisso, ou propor que se pense em alguma reforma modestíssima — será imediatamente acusado de querer suprimir “direitos dos trabalhadores”. Hoje a Justiça trabalhista gasta 90% do orçamento com os salários de seus 3 500 juízes, mais os desembargadores de suas 24 regiões, mais os ministros do seu “Tribunal Superior do Trabalho”, mais os carros com chofer. Em nome do progresso social, porém, fica tudo como está.
Tudo isso, claro, é apenas uma parte da desordem que transforma a Justiça brasileira numa imensa piada fiscal. Com a mesma indiferença, aceita-se que o Supremo Tribunal Federal, com onze ministros, tenha 3 000 funcionários — cerca de 300, isso mesmo, para cada ministro. Mas não é suficiente: o brasileiro tem de pagar também 1 bilhão de reais por ano para ser assistido por um “Tribunal da Cidadania”, de utilidade desconhecida — o Superior Tribunal de Justiça, esse já com 33 ministros, quase 5 000 funcionários, incluindo os terceirizados e estagiários, e capaz de consumir dois terços inteiros do seu orçamento com a folha de pessoal. Tempos atrás, o historiador Marco Antonio Villa trouxe a público o deslize para a demência de um órgão público que foi capaz de consumir 25 milhões de reais, num ano, em alimentação para funcionários, pagar de 400 000 a 600 000 reais de remuneração mensal a seus ministros aposentados e ter na folha de pagamento repórteres fotográficos, auxiliares de educação infantil e até “jauzeiros”. O que seria um “jauzeiro”? Vale realmente tudo, nesse STJ.
Você pode querer que nenhuma mudança seja feita nisso aí. Também pode achar que esse sistema, tal como está, é uma conquista social. Só não pode querer que um negócio desses funcione.

Um novo escândalo acaba de atingir ministro do STF/ Brasil Verde Amarelo / Veja

O maior escândalo da Suprema Corte. OAS entrega ministro do STF


A revista Veja que já circula em São Paulo, informa na sua edição deste final de semana que o dono da empreiteira OAS, Leo Pinheiro, conta detalhes das negociações que manteve com Lula para passar-lhe o triplex do Guarujá e reformar completamente o sítio de Atibaia.


Lula não escapará da cadeia.

A capa, no entanto, é muito mais escandalosa, porque nela surge o ministro do STF, Dias Toffoli, que foi indicado por Lula. Dias Toffoli foi advogado do PT, portanto empregado de Lula, antes de ser nomeado.
A reportagem de capa da revista conta de que modo a empreiteira OAS incluiu o ministro na sua lista de propinas.


É o escândalo do dia.

Esta é a primeira vez que um ministro do STF é incluído numa lista de propinas de empreiteiras da Lava Jato.

Contéudo  Brasil Verde Amarelo

O governo fluminense tem a intenção de mudar os ritos de governança e quer usar transparência para testemunhar sua tomada de decisão...

sábado, novembro 05, 2016

Governo fluminense começa a cair na realidade - 

EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 05/11

Crise obriga a tomada de decisões inevitáveis e começa a nivelar o mundo protegido do funcionalismo com o Brasil real do salário sem reajuste e do desemprego

Não se pode dizer que o governo do Rio de Janeiro tenha sido imprevidente, mas, como reconheceu o próprio governador Luiz Fernando Pezão, de volta ao Palácio Guanabara depois de licença médica, ele não queria tomar as medidas de forte ajuste anunciadas ontem. Compreensível, porém há algum tempo elas haviam se tornado inevitáveis.

O impacto do ajuste fluminense sobre funcionários públicos, aposentados, pensionistas etc. deriva da crise fiscal deflagrada na União pelo lulopetismo, e cujas ondas de impacto foram se espalhando pela Federação desde 2013 e 2014 — mascarada por maquiagens naquele ano eleitoral —, abrangendo, como não poderia deixar de ser, estados e municípios.

No caso do Rio de Janeiro, a crise está sendo amplificada por características do estado, muito dependente de royalties do petróleo e da própria presença da Petrobras. Os royalties desabaram junto com os preços internacionais do hidrocarbureto, e deixaram o estado pressionado por gastos fixos que contratou com base em receitas que caíram. Como salários de servidores estáveis são blindados por lei, o governo entrou em sinuca. Nisso, o Palácio Guanabara foi imprevidente, porque até mesmo a Arábia Saudita já tenta há algum tempo reduzir a dependência ao petróleo.

A crise na Petrobras, por sua vez, derrubou ainda mais a economia fluminense, levando junto a arrecadação. O PIB do estado cai à razão de 7% ao ano desde 2014, revelou Pezão. Como a coleta de imposto, de R$ 46,6 bilhões em 2014, deverá ser de R$ 43,3 bilhões este ano, sem considerar os royalties minguantes, chegou-se à situação de uma empresa em “recuperação judicial” ou mesmo “falência”, palavras do próprio vice-governador, Francisco Dornelles.

Em um aspecto, a crise fiscal fluminense repete a da União: gastos previdenciários estão no centro do problema. Daí a proposta, a ser avaliada pelos deputados, de elevação da alíquota de contribuição do funcionalismo de 11% para 14% e a do governo, de 22% para 28%. Pelo ineditismo, tem-se ideia da gravidade da situação. É o mesmo sentido da criação de uma alíquota adicional, durante 16 meses, que eleva a contribuição final para 30%, destinada a servidores ativos, inativos e pensionistas ajudarem a reequilibrar a previdência.


A crise também desvenda privilégios de corporações, pois é parte do pacote que todos os poderes e órgãos autônomos — Alerj, TCE, Ministério e Defensoria públicos — arquem com a contribuição previdenciária de respectivos servidores. Até hoje, isso cabe ao Tesouro fluminense, um despropósito. Esses poderes e órgãos também se responsabilizarão pelos seus déficits previdenciários a partir de 2018. O esforço fiscal fica mais bem distribuído dentro do Estado.
Além da inexorável redução de secretarias — de 20 para 12 — e o fechamento de sete autarquias e fundações, o que precisa de fato resultar em cortes de gastos de custeio, há o adiamento por três anos de reajustes salariais já negociados. Somem-se ainda cortes em subsídios e programas sociais, e o aumento de impostos — o que prejudica ainda mais a economia do estado, um mau passo.

A reação de sindicatos é grande. Mas é melhor que tudo se estabilize a partir do pacote, para o governo não ser obrigado a demitir estáveis, com base na Lei de Responsabilidade e na própria Constituição. A crise começa a nivelar o mundo protegido do funcionalismo público com o Brasil real dos salários sem reajustes e do desemprego.

Um juiz sob suspeita

http://lavajatosergiomoros2.blogspot.com.br/2016/11/o-maior-escandalo-da-suprema-corte-oas_4.html?m=1