Postagem em destaque

NOTÍCIAS DE BRASÍLIA

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

"Lula começou a ensaiar o papel de interrogado" / Augusto Nunes


Lula começou a ensaiar o papel de interrogado

Réu em cinco ações judiciais, o chefão do esquema corrupto decidiu responder a cada pergunta do juiz com uma mentira sobre outro assunto

O noticiário sobre a missa negra celebrada em Salvador pelo MST atesta que a imprensa enxergou um discurso de ex-presidente no que não passou de um script teatral de quinta categoria. O falatório de Lula foi um rascunho dos depoimentos que o réu em cinco ações judiciais terá de prestar nos próximos meses. Forçado a trocar a pose de conselheiro de Deus pelo papel de interrogado, o palestrante desempregado revelou já no primeiro ensaio a fórmula escolhida para tentar escapar da cadeia: depois de cada questão apresentada pelo juiz, vai contar mentiras sobre outro tema.
É o que demonstra o Termo de Interrogatório abaixo reproduzido, cujo formato segue o padrão utilizado pelo Judiciário. A coluna apresentou sete questões que continuam à caça de álibis menos mambembes e transformou em respostas as declarações de Lula em Salvador. Confira.
TERMO DE INTERROGATÓRIO
Aos 11 dias do mês de janeiro do ano de 2017, na missa negra celebrada pelo MST em Salvador, capital da Bahia, por volta das 20 horas,  COMPARECEU o Sr. Luiz Inácio Lula da Silva, de profissão indefinida, acompanhado de 38 advogados, a fim de provar que atos e fatos que lhe são atribuídos pela Polícia Federal, pelo Ministério Público e pela Justiça Federal são invencionices forjadas para encerrar a carreira política da alma viva mais pura do Brasil. Foi lembrado ao acusado que não estava obrigado a responder às perguntas que lhe fossem formuladas e que o seu silêncio não importaria em confissão, nem seria interpretado em prejuízo de sua defesa. A seguir, 1) aos interessados em saber por que é réu em cinco ações judiciais, respondeu que, aos 71 anos, não iria envergonhar a alma da mãe; 2) aos interessados em esclarecimentos que possam invalidar provas e evidências contundentes que o envolvem em crimes suficientes para convencer os procuradores da Lava Jato de que é ele o chefe da quadrilha do Petrolão, respondeu que este ano vai percorrer o país para, primeiro, recuperar a imagem do seu partido e, segundo, recuperar a própria imagem; 3)aos interessados nas origens do dinheiro que lhe permitiu ampliar o invejável patrimônio imobiliário com um sítio em Atibaia e um triplex no Guarujá,respondeu que PT não deve ter vergonha de dizer que quer um novo pleito presidencial já em outubro do presente ano de 2017; 4) aos confiantes na apresentação de álibis que o livrem do enquadramento nos artigos do Código Penal que tratam de corrupção e lavagem de propinas, respondeu que está pedindo a Deus que apareçam outros candidatos, mas que, se necessário, voltará a disputar a presidência da República; 5) aos interessados em descobrir como é que o acusado tem coragem de louvar o desastroso legado político, econômico e administrativo produzido por 13 anos de hegemonia lulopetista,respondeu que quem tem de ter coragem é o atual governo; que ou o presidente Michel Temer tem coragem de aumentar imposto ou ele tem coragem de aumentar sua dívida para aumentar os investimentos; que todo presidente da República tem que ter credibilidade e confiança, o que só se conquista na urna;6) aos interessados em descobrir se já está fazendo as malas para a viagem só de ida a Curitiba, respondeu que se o Temer quer ser presidente, ótimo; o Serra quer, ótimo; o Moro quer ser presidente, os delegados querem, ótimo; que todo mundo tem direito; que entrem todos num partido e tratem de ir à rua pedir voto; que o que não pode é querer ser presidente na base da canetada; 7) aos interessados em esclarecimentos sobre suas ligações com Rosemary Noronha,respondeu que, embora tenha conhecido a senhora Rosemary só de vista, não costuma comentar assuntos íntimos. Encerradas as perguntas que não puderam ser feitas, foi franqueada a palavra ao acusado para, se desejasse, acrescentar mais alguma coisa que se relacionasse com o assunto, ao que o depoente respondeu que preferia discorrer sobre temas menos complicados em qualquer botequim das proximidades. A seguir, foi feita a leitura do presente termo para que o acusado, se desejasse, indicasse as retificações que entendesse necessárias, de modo a registrar expressamente a espontaneidade de suas declarações, que foram prestadas sem nenhuma forma de coação, ao que disse não ter retificações a fazer, por estar de inteiro acordo com o seu teor. Nada mais disse nem lhe foi perguntado.

"Não há explicação aceitável para desligar os equipamentos do Palácio do Planalto," / Editorial do Estadão

O desmonte da inteligência 

EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 18/01

Não há explicação aceitável para desligar os equipamentos do Palácio do Planalto, o centro do poder brasileiro


Ao revelar que o sistema de monitoramento por câmeras no Palácio do Planalto está desligado desde 2009, o general Sérgio Etchegoyen, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), deu um exemplo prosaico do desmonte do aparato de segurança do Estado durante os governos petistas, em especial na gestão de Dilma Rousseff. A título de combater o que via como resquício da ditadura, a ex-guerrilheira Dilma permitiu que esse aparato fosse subordinado não mais a uma política de Estado, mas aos interesses de seu partido político, o PT. E as câmeras desligadas, ainda no governo de Lula da Silva, são apenas um aspecto insólito desse movimento, que se prestava a fazer da sede da Presidência da República um lugar de sombras, por onde puderam transitar à vontade os desqualificados que dilapidaram o País.

Como lembrou Etchegoyen em entrevista à jornalista Eliane Cantanhêde, do Estado, qualquer condomínio residencial dispõe de câmeras para gravar imagens de pessoas que entram e saem. Por essa razão, não há explicação aceitável para desligar os equipamentos do Palácio do Planalto, o centro do poder brasileiro. Nem é preciso ser muito perspicaz para concluir, como fez o general em entrevista à revista Veja, que o desligamento das câmeras atendeu a certas conveniências. Diríamos nós que, entre elas, estava a de manter no conforto do anonimato os agentes da corrupção. “O Palácio passou anos em que, convenientemente, não se registrou nada”, disse Etchegoyen. Segundo ele, a Justiça de tempos em tempos requisita imagens de algum suspeito de corrupção, “mas não tem imagem”. E o general conclui: “Não sei se a decisão de retirar as câmeras foi para obstruir a Justiça, mas pode ter sido para evitar esses registros”.

O desmantelamento do aparato de inteligência da Presidência sob a gestão petista atingiu seu auge em 2015, quando Dilma extinguiu o Gabinete de Segurança Institucional, cuja função é fornecer informações estratégicas ao presidente da República. Oficialmente, a decisão foi motivada pela necessidade de realizar cortes orçamentários, mas a manobra tinha claros objetivos políticos. As atribuições da pasta, até então chefiada pelo general José Elito, foram absorvidas pela Secretaria de Governo da Presidência da República, órgão que na época era dirigido pelo petista e ex-sindicalista Ricardo Berzoini.

Ou seja, a propósito de tirar dos militares e entregar aos civis o comando do serviço de inteligência da Presidência – uma reivindicação do sindicato dos funcionários da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), subordinada ao GSI –, Dilma acabou por entregá-lo ao PT. Esta foi também uma decisão muito “conveniente”. Ao desestruturar o sistema de inteligência, que por princípio desempenha funções de Estado, e não do governo de turno, Dilma e os petistas transformaram a segurança institucional em questão partidária – como foi feito, aliás, com todos os demais setores da administração pública na época.

Felizmente, o governo de Michel Temer, em uma de suas primeiras decisões, restabeleceu o Gabinete de Segurança Institucional, que voltou a ter sob seu comando a Abin. A chefia do GSI foi restituída a um militar, o general Etchegoyen, num movimento que contraria o sindicato dos funcionários da Abin, e a ordem é reestruturar todo o setor de inteligência. É claro que essa decisão foi usada pelos petistas como mais uma prova de que o País está retrocedendo aos tempos da ditadura, depois do “golpe” que destituiu a presidente Dilma.

Não é sensato perder tempo com mais essa provocação petista, cujo objetivo é apenas causar confusão em matéria que, em países civilizados, é cristalina: o Estado tem o dever de manter em bom funcionamento um aparato de inteligência que forneça ao governo as informações necessárias para tomar decisões estratégicas, inclusive para conter grupos que, sob o disfarce de “movimentos sociais”, pretendem desestabilizar o País. Confundir esse trabalho com qualquer intenção ditatorial é muito mais do que ignorância acerca das funções do Estado. É má-fé.


"Para não virar Colômbia "/ Merval Pereira

Para não virar Colômbia - 

MERVAL PEREIRA

O Globo - 18/01

As Forças Armadas vão fazer uma operação limpeza nos presídios, utilizando toda a tecnologia mais moderna, e ao lado disso o governo federal vai financiar os estados para a aquisição de bloqueadores, raios-X e scanners. Essas varreduras serão realizadas aleatoriamente, nos 12 meses seguintes à requisição do governador.

Para cada autorização haverá um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) que dará amparo legal à operação e transferirá totalmente a responsabilidade das ações para as Forças Armadas. As polícias Militares, a Força Nacional, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e as polícias Civis dos estados participarão das operações, mas sob a coordenação das Forças Armadas.
Os militares não lidarão com os presos diretamente, mas com as instalações. O presidente Michel Temer tomou a decisão baseado em sua experiência, quando foi secretário de Segurança em São Paulo logo depois do massacre do Carandiru. Ele relatou a seus ministros que implantou uma sistemática que deu certo: mensalmente, sem avisar, a PM fazia uma varredura minuciosa nos presídios.

Com base nessa experiência, e também achando que havia necessidade do emprego das Forças Armadas, pelo simbolismo, pela força e prestígio que representam, decidiu que era importante essa resposta porque entendia que a questão se transformou em ameaça à segurança nacional.

O ministro da Defesa, Raul Jungmann, concorda com a decisão, a partir da análise da atual conjuntura. Embora o artigo 142 da Constituição, de modo geral, atribua aos estados a responsabilidade pela Segurança Pública, ficando para o governo federal uma atribuição complementar, por meio da Polícia Federal — que cuida da questão de drogas, do contrabando de armas nas fronteiras, dos crimes interestaduais de grande repercussão e dos internacionais —, os estados já não dão conta desse combate.
O crime se nacionalizou, e nenhum governador tem mais condições de fazer o enfrentamento de uma questão nacional, analisa. Problema acrescido da situação fiscal dos estados, que repercute de modo desigual sobre os diversos setores. A Segurança Pública exige despesas elevadas, um contingente numeroso, combustível, carros, equipamentos especiais, e é evidente que a crise financeira fragilizou esse sistema de Segurança, que já não era o necessário. E os bandidos sabem disso e se aproveitam da situação, explicita Jungmann.

O elo mais frágil desse esquema de Segurança muito complexo é o sistema penitenciário. Nele, a rigor, diz o ministro Jungmann, não há demanda da sociedade para investimento, existem demandas em outras áreas numa agenda que é o inverso disso. Hoje, fruto do fato de que a sociedade se sente amedrontada, atemorizada e vulnerável perante o crime, ela não vê na Segurança Pública uma defesa compatível com esse sentimento de fragilidade, e em consequência há um salto regressivo, a sociedade começa a apoiar o “olho por olho, dente por dente”, e isso se reflete nas prioridades dos políticos.

Essa situação fez com que esse processo fosse escalando e se nacionalizasse. Nas análises dos órgãos de inteligência, as gangues estruturadas no Sudeste, no Rio e em São Paulo, se nacionalizaram e até se internacionalizaram. Elas já têm o controle da distribuição das drogas e das armas, e agora buscam o controle da produção. Estão procurando, em termos econômicos, integrar e verticalizar. Hoje tem o PCC e seus associados, e o Comando Vermelho e seus associados, em todo o país, e eles começam a afrontar as instituições.
O ministro Raul Jungmann lembra o ocorrido nas eleições municipais no Maranhão e no Rio Grande do Norte — as gangues ameaçaram até mesmo a realização das eleições, queimando ônibus e escolas que seriam postos de votação. O crime, no seu crescimento, começa a transitar para uma afronta ao sistema democrático, o caminho do Cartel de Medellín.

O governo, segundo Jungmann, tomou uma decisão corajosa para cortar esse caminho “para que não cheguemos ao ponto em que a Colômbia chegou, e agora o México vive”.

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

"´É de pequeno que se conhece o homem..." / portal UOL



Aos 25, Geddel foi investigado por suspeita de favorecer parentes em banco da BA

Flávio Costa
Do UOL, em São Paulo

  • Alan Marques/ Folhapress
    Geddel Vieira Lima foi ministro nos governos do ex-presidente Lula e de Michel Temer
    Geddel Vieira Lima foi ministro nos governos do ex-presidente Lula e de Michel Temer
A trajetória do ex-ministro Geddel Vieira Lima (PMDB), 57, como homem público está marcada, desde seu início, por acusações de envolvimento em casos de corrupção. Mais de 30 anos antes de ter seus imóveis em Salvador ocupados por policiais federais que buscavam, na última sexta-feira (13), provas de sua participação em fraudes na Caixa Econômica Federal, Geddel foi investigado por supostamente favorecer ele próprio e três parentes quando era diretor da corretora de valores do Baneb -- o banco estadual da Bahia, adquirido pelo Bradesco em 1999.
Os auditores da Baneb apontaram o envolvimento de Geddel, nos anos de 1983 e 1984, em um esquema de desvio milionário de recursos que consistia no "favorecimento a um restrito grupo de clientes, por meio da utilização de taxas de rentabilidade superiores às praticadas no mercado", revelou reportagem de 2001 publicada pelo jornal "Folha de São Paulo". Em valores corrigidos, os desvios chegariam a R$ 2,72 milhões. 
Procurado pela reportagem do UOL por telefone na sexta-feira, Geddel não atendeu. Em todos os casos em que foi investigado, o ex-ministro negou ter cometido qualquer irregularidade.

Família teria sido favorecida

Entre os favorecidos, apontou a auditoria interina, além do próprio Geddel, estaria o ex-deputado Afrísio Vieira Lima (1929-2016), pai do ex-ministro e um antigo aliado e posterior rival do ex-governador e senador Antonio Carlos Magalhães (1927-2007). Também teriam sido beneficiados a mãe de Geddel e seu irmão Lúcio Vieira Lima, atual vice-líder do PMDB na Câmara.
Por causa do escândalo de 1984, Geddel foi demitido do Baneb aos 25 anos de idade.
A Receita Federal concluiu, em investigação própria sobre o caso, que "as operações irregulares que envolveram diretores e pessoas ligadas" podem ser consideradas "distribuição disfarçada de lucros a diretores". O Tribunal de Contas do Estado da Bahia chegou a cobrar que Geddel e outros suspeitos na transação devolvessem dinheiro aos cofres do banco público, mas não há registros de que isso foi feito.
Em sua defesa, Geddel disse à Folha que foi inocentado no caso em investigações do Banco Central e pelo Conselho de Recursos do Sistema Financeiro. Acusou ainda os auditores do Baneb de "má fé" e ligados a ACM. "Isso [a auditoria] foi feito quando meu pai brigou com ACM", afirmou.

Choro na CPI do Orçamento

Uma década após o "Caso Baneb", o então deputado federal foi implicado no escândalo dos Anões do Orçamento, episódio em que 37 parlamentares foram acusados de manipular emendas para beneficiar empreiteiras.
Beto Barata/Folhapress
Geddel em foto de 2001, quando rebateu as acusações de ACM
Em de 5 de janeiro de 1994, o então deputado federal Geddel Vieira Lima prestou depoimento à CPI do Orçamento. Ao negar as acusações, ele chorou por diversas VEZES na frente dos deputados. Ele foi convocado a depor após seu nome aparecer em documentos de um diretor da Odebrecht, ao lado de um percentual (4%).
"Esses papéis são de caráter unilateral. Se esse percentual significa um cálculo matemático de ajuda a 

Pena de morte para políticos corruptos... na China !

China aprova Lei que dá Pena de Morte para Políticos Corruptos


O Tribunal Popular Supremo da China e os Promotores Estaduais instituirão uma lei que dá Pena de Morte para os líderes corruptos que paguem ou recebam subornos superiores à de US$463.000 Dólares; para valores inferiores as sanções serão outras.
Esta medida passou a ter efeitos a partir da data da sua publicação, em Junho de 2016. E faz parte de uma revisão do Código Penal de 2015, onde os valores exatos não eram estipulados para justificar ou não a aplicação da pena de morte. Mas se os acusados confessarem os crimes ou devolver o dinheiro desviado, a pena de morte será suspensa, na verdade, isso significa uma comutação à prisão perpétua, o que é habitual para casos de corrupção no país.
Além disso, os colegas ou subordinados destes, podem ser também julgados por cumplicidade se não denunciar a corrupção dos colegas próximos, mesmo se eles forem parte de sua família.

Ensaio com a Ansiedade, o Medo, a Velhice, a Mortalidade / João Pereira Coutinho

terça-feira, janeiro 17, 2017

Sobreviver a grandes naufrágios é uma via estreita e de final incerto - 

JOÃO PEREIRA COUTINHO

FOLHA DE SP - 17/01

Entro na livraria e pasmo: duas mesas, longas, cheias, com títulos que se repetem. A lista é exaustiva mas exaustão é preciso: "Como Viver sem Ansiedade"; "Livre de Ansiedade"; "As 10 Melhores Técnicas para Vencer a Ansiedade" etc., etc.

Depois, os dramas sobem de tom: "Cure os Seus Medos"; "As Regras Essenciais para Viver sem Medo"; "Como Parar o Envelhecimento"; "A Dieta Anti-idade" etc., etc.

Finalmente, e após todas as tormentas, o santo graal: "Pequenos Passos para a Imortalidade"; "Curar para a Imortalidade"; "A Promessa de Imortalidade" etc., etc.

A moda não começou hoje. Mas só hoje reparei na moda. Duas conclusões. A primeira é que a nossa sociedade já não admite certos traços da condição humana que os nossos antepassados compreendiam e com os quais conviviam do berço até a cova. Ansiedade. Medo. Velhice. Mortalidade.

A história da literatura, desde Homero, é um catálogo desse rio permanente. Hoje, é uma mancha que estraga a "euforia perpétua", como a chamou Pascal Bruckner, e que humilha os seus sofredores.

Amigos meus, ansiosos, não sofrem apenas de ansiedade. Eles sofrem com a ansiedade de terem ansiedade. Eles têm medo de terem medo. Eles olham para a velhice e para a morte como os homens primitivos olhavam para trovões e tempestades.

Mas os títulos mostram outra coisa: a pós-modernidade não passa de uma ilusão. Vivemos ainda tempos racionalistas: se existe um problema, qualquer problema, então existe uma solução para ele. Nem a morte escapa a estes "engenheiros de almas humanas". A ideia de que alguns problemas não têm solução –uma solução clara e distinta, como diriam os cartesianos– é intolerável para a sociedade "prêt-à-porter". Que fazer?

Sugestão: assistir ao filme "Manchester à Beira-Mar", que estreia nesta semana, uma espécie de "missa solemnis" filmada por Kenneth Lonergan. Então encontramos Lee (Casey Affleck, em papel que só aparece uma vez na vida), um "handyman" que vive em Boston.
Ele cumpre o trabalho com o entusiasmo dos condenados. Bebe forte e bate forte, normalmente no mesmo bar. Não admite os floreados sociais que decoram as nossas existências –conversas, alegrias, intimidades. Para quem gosta de mortos-vivos, Lee é a prova de que é possível encontrar um fora da fantasia.

Mas eis que chega um telefonema com uma notícia funesta. É o primeiro momento em que Lee permite a sombra de uma emoção. De volta à cidade de Manchester, de onde saiu anos antes, Lee volta também ao passado –um passado brutal, infernal, inominável.

"Manchester à Beira-Mar", apesar de alguns excessos formais que se dispensam (quem ainda usa a música de Albinoni para momentos dramáticos?), cumpre duas ideias antiquadas.
A primeira, explorada em tempos por um certo escritor russo, é a certeza de que não existe nada de tão insuportável como um crime sem castigo –e, por essa via, sem expiação.

Nesse passado, que se vai revelando em sutis "flashbacks", Lee confessou à polícia a sua tragédia. A polícia escutou-o, compreendeu-o e liberou-o.
A reação de Lee é uma mistura de incredulidade e revolta –a revolta de quem não terá punição externa; apenas interna. Em dez minutos, Kenneth Lonergan joga no lixo a ideia simpática de que a "culpa" não passa de uma relíquia judaico-cristã.

Mas existe uma segunda ideia que nos permite medir a vida de Lee e a vida daqueles que "seguiram em frente", para usar a expressão das novelas. Acontece quando ele conversa com a ex-mulher, ou melhor, quando contemplamos a incapacidade de haver qualquer conversa porque até as palavras têm limites.
Só então perguntamos qual dos destinos será pior: o mundo petrificado de Lee ou a busca desesperada de fugir desse mundo rumo a um simulacro de normalidade.

"Manchester à Beira-Mar" não é o filme ideal para quem lê "Como Viver sem Ansiedade" ou "Cure os Seus Medos". Mas é o filme ideal para uma classe de adultos que sabe, ou pelo menos suspeita, que sobreviver a grandes naufrágios é uma via estreita, longa e de final incerto.

No primeiro diálogo do filme, quando a vida ainda era uma vida, Lee conversa com o sobrinho pequeno para lhe perguntar quem ele levaria para uma lha deserta: o pai ou o tio?

Ironicamente, para essa ilha deserta só viajou Lee. E quando nos perguntamos se algum dia haverá um barco para o visitar ou até resgatar, o pano desce com pudor. O futuro é um porto distante para quem navega um dia de cada vez.


Artigo infelizmente profético de Percival Puggina > "Este artigo foi publicado no jornal Zero Hora em 28/11/2012"


NOTAS DO CÁRCERE


por Percival Puggina. Artigo publicado em 
Raramente leio páginas policiais. Evito fazê-lo para não acrescentar doses extras de horror a meus próprios calafrios. Vivemos com medo, aferrolhados. Em nossas conversas habituais não faltam relatos de pavor e sangue. São apontamentos nos diários do cárcere, do cárcere em que nos recolhemos, inseguros e acossados. Há um pânico instalado no país e ele não distingue classe social nem cor da pele, campo e cidade. Como consequência, quem de nós, quando um bandido é morto no exercício de suas atividades, não exclama intimamente - "Um a menos!"?
É sobre essa síndrome que escrevo. Ela tem agentes causadores bem determinados. Não encontro pessoas com medo de serem vítimas de grandes crimes novelescos, por vingança, ciúme, herança ou dívida. O que encontro são pessoas com medo da criminalidade hoje considerada trivial, corriqueira, cotidiana. As pessoas temem ser espancadas ou mortas nas calçadas por motivo fútil. Percebêmo-nos sujeitos a isso. Volta e meia alguém, ao nosso redor, foi parar na mala do carro ou experimentou o metal frio do revólver encostado na cabeça. Quem sai vivo de tais enrascadas ajoelha-se gratificado e lava o passeio com lágrimas de ira e júbilo. Um ano depois, os mais extremados rememoram a data, reúnem a família e sopram velinha. Festejam aniversário. São sobreviventes da criminalidade cotidiana.
O que descrevo tem tudo a ver com luta de classes, com pobres e ricos, com oprimidos e opressores. Mas não pelo motivo que lhe indicam certos analistas. É a bolorenta leitura marxista, conflituosa, da realidade social, sem a qual não conseguem pensar, que produz essa inoperância do Estado e suas consequências. É ela que responde pelo abandono do sistema carcerário e pelo desapreço às instituições policiais. É ela que redige a generosa benignidade dos códigos e os favores concedidos por leis penais que desarmam os juízes bons e compõem o arsenal dos maus. É uma leitura da realidade que minimiza aquilo que apavora o cidadão e aterroriza a sociedade. É uma leitura da realidade que legisla e atua na contramão do que todos temos o direito de exigir. Criminaliza a vítima e absolve o réu.
O bandido que nos sobressalta certamente já foi preso. O desmanche para onde vai nosso automóvel roubado durante o assalto já foi fechado várias vezes. Mas alguém no aparelho estatal não fez e não faz o que lhe corresponde. O legislador brasileiro dispõe sobre matéria penal como se vivesse numa realidade suíça. Inúmeros magistrados desvelam-se em zelos para com os bandidos. Elevam desnecessariamente os riscos a que está exposta a sociedade sob sua jurisdição. E não faltam formadores de opinião para pedir penas brandas exatamente para esse tipo de crime cotidiano, covarde e violento, de consequências sempre imprevisíveis. Em tal contexto, conceder indultos generalizados e soltar presos a rodo é uma bofetada oficial nas vítimas.
Progressão automática de regime, na realidade brasileira? Quanta irresponsabilidade! Existe coisa mais escancarada do que o tal semiaberto? Prisão domiciliar? Estão brincando. "Mas faltam presídios!", alegam os protetores dos apenados. A situação dos presídios brasileiros extrai hipérboles do ministro da Justiça. Mas há dez anos o grupo do ministro governa, dá as cartas e joga de mão no país. Quem sabe Sua Excelência espera que os contribuintes, à conta própria, saiam por aí a construir presídios? Lidam irresponsavelmente com coisa seriíssima, senhores! Da rendição do Estado ante a criminalidade sobrevirão a anomia e o caos.

Este meu artigo, infelizmente profético, foi publicado no jornal Zero Hora em 18/11/2012.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

O Crime continua 'goleando' o Castigo / Revista Época

BRASIL

Traficantes cariocas recrutam e armam crianças cada vez mais novas para o crime

Depois de arregimentar adolescentes para o mercado das drogas, os criminosos agora aliciam também meninos com menos de 12 anos

HUDSON CORRÊA
16/01/2017 - 08h01 - Atualizado 16/01/2017 11h05


 (Foto:  )
A cena se deu na Cidade de Deus, favela carioca notabilizada pelo filme de Fernando Meirelles que retrata a atuação de um bando de traficantes. “Conta por que você fugiu de casa”, pede o professor de jiu-jítsu e PM Fernando Pasche ao garoto V., de 7 anos, diante do repórter de ÉPOCA. Sem encontrar palavras, o menino sai do tatame com seu quimono azul e corre até a porta da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), num contêiner ao lado. Ele pega um objeto no chão e volta até o instrutor. “Foi por isso que fugi”, diz V., exibindo uma cápsula de fuzil que acabara de recolher em bom estado, sinal de que o disparo havia sido feito recentemente.
Apavorado com os tiroteios quase diários que testemunhava por lá, V. resolveu deixar a Cidade de Deus. Certo dia de novembro, ele saiu de casa antes de amanhecer apenas de bermuda. Caminhou sem rumo. Os pais comunicaram o desaparecimento aos policiais, que vasculharam a região e o encontraram na hora do almoço, a alguns quilômetros de casa. Seu barraco se situa na área chamada Caratê, a mais conflagrada da favela, na qual agentes da lei e traficantes enfrentam-se cotidianamente.
Comandante da UPP da Cidade de Deus, o capitão Daniel Cunha Neves ouve impressionado o relato do menino. V. sofre com o terror deflagrado pelos bandidos, que buscam a retomada de território e inovam na estratégia de agora recrutar crianças para suas fileiras. Com quatro meses à frente da unidade, o capitão Neves se diz preocupado com o cerco do tráfico às crianças da favela. Depois de arregimentar adolescentes para o mercado das drogas, os criminosos agora aliciam também meninos com menos de 12 anos. “Já existem crianças pegando em armas para confrontar os policiais”, afirma Neves.
 (Foto:  )
O comando da Polícia Militar confirma a nova prática das organizações criminosas. “A quantidade de jovens com armas tem aumentado muito, a ponto de já observarmos crianças de 10 a 12 anos com pistolas na mão”, diz o porta-voz da PM, major Ivan Blaz. Segundo ele, a UPP identificou meninos como soldados do narcotráfico também no Complexo de Lins, conjunto de favelas da Zona Norte da cidade. “Nossos policiais estão com medo. Se houver confronto e aparecer uma criança baleada, nunca acreditarão que ela estava armada”, afirma Cunha Neves.
Ocupados por meninos com poder de fogo e imprevisíveis como qualquer criança costuma ser, becos e vielas se transformaram num campo de batalha ainda mais traiçoeiro. Na noite do dia 3 de dezembro, policiais da Cidade de Deus capturaram três adolescentes acusados de portar 48 pacotinhos de maconha e 91 de cocaína, além de radiotransmissores. L. e H., ambos de 16 anos, foram levados para a delegacia. Atingido na perna por um tiro, o terceiro garoto, de 12 anos, ficou internado no hospital sob a escolta de PMs.
Instalada no 9º andar do Fórum do Rio de Janeiro, a coordenadora das Varas da Infância e Juventude do estado, Raquel Chrispino, faz uma radiografia cética do fenômeno. “Estamos numa guerra civil. A PM vem apreendendo cada vez mais menores de 12 a 18 anos”, diz ela, apontando esse fator como uma das causas de o crime organizado buscar agora armar crianças ainda mais novas. Em 2015, a polícia do Rio capturou 10.262 adolescentes, 22% a mais que em 2014. “O policial militar não pode pôr a mão num menino de 11 anos. E o bandido sabe disso”, diz a juíza. “É como se, na prática, já tivéssemos os efeitos ruins da redução da maioridade penal.”
Não é apenas por falta de mão de obra disponível que os traficantes vêm baixando a faixa etária de seus soldados. Além de, em tese, não causarem maior desconfiança, crianças de até 11 anos não podem ser internadas em entidades socioeducativas. Quando muito, os garotos são levados a instituições de abrigo até que os responsáveis possam reassumir a guarda. Assim, logo eles estão de volta às ruas, ao tráfico e  a outros delitos, uma vez que boa parte deles dispõe de uma arma de fogo ao alcance.
 (Foto:  )
Um dos efeitos mais nítidos desse aumento de detenções de crianças e adolescentes é o volume de processos na Justiça com a participação de menores de idade. Apesar do drama crescente, a capital fluminense tem apenas uma Vara da Infância e Juventude para cuidar de todos os casos. A comarca acumula hoje 15 mil processos, enquanto numa Vara Criminal comum esse número não passa de 3 mil. Desde junho, sua juíza titular, Vanessa Cavalieri Felix, e os magistrados auxiliares realizam audiências semanais com os menores apreendidos pela polícia. Até 24 de novembro, eles haviam ouvido 1.501 adolescentes. Nessas audiências, liberaram 566 deles (38%) e mandaram 935 (62%) para as unidades de internação. Embora esse universo exclua as crianças de até 11 anos e menos de 20% dos menores tenham sido detidos por suspeita de envolvimento com o tráfico, os dados corroboram as evidências de que o crime organizado está cooptando cada vez mais crianças. No total, 30% dos capturados tinham de 12 a 15 anos. Como as audiências começaram em junho, não há estatística anterior para que possa ser feita uma comparação.
Apesar das detenções crescentes de menores, o Rio de Janeiro tem apenas uma Vara da Infância e Juventude
Dois dias depois de terem sido capturados na Cidade de Deus por porte de drogas, L. e H. entraram escoltados por guardas na sala de audiência da Vara da Infância e Juventude, enquanto a juíza Vanessa conferia a lista de menores capturados no final de semana anterior. Na lista há mais de 40 nomes, um número que costuma crescer nos dias de sol a pino, em que as praias ficam apinhadas de gente. Durante a audiência, L., H. e outros meninos alternaram momentos de serenidade com outros de choro descontrolado, principalmente quando viram suas mães em lágrimas. Disseram que passaram a atuar no tráfico em troca de R$ 300 por semana. A dupla contou que, já rendida no chão, levou chutes dos policiais e levantou a camisa para mostrar os hematomas. Só não soubera esclarecer de onde partiu o tiro que atingiu o colega de 12 anos. A juíza auxiliar Meissa Vilela decidiu que eles responderão ao processo em liberdade e encerrou a sessão com um duro alerta: “Eu vejo aqui que menino do tráfico leva tiro todo dia. Ou morre ou fica amputado”.
Ciente da linha delgada entre o bem e o mal por onde circulam as crianças em área de risco, o PM e instrutor de jiu-jítsu Fernando Pasche oferece uma alternativa de inclusão social por meio do esporte. Seu centro de treinamento de artes marciais na Cidade de Deus, em funcionamento desde 2013, reúne 78 alunos entre 5 e 17 anos, entre eles o menino V., que chegou ao extremo de fugir de casa para escapar daquela realidade. Pasche já perdeu alunos aliciados pelos traficantes, mas vangloria-se de ter tirado muitos outros do crime. Como ele, é preciso que todos os responsáveis suem a camisa para evitar o mal maior de ter crianças na delinquência.