Em tempos de legalização, delegacia e 'loja da maconha' são vizinhas no Uruguai
Loja que vende acessórios para consumo da maconha é vizinha de delegacia no Uruguai
No balneário uruguaio de La Pedrera (228 km de Montevidéu), a delegacia de polícia local convive com uma loja vizinha que já virou ponto turístico por vender acessórios para o consumo da maconha e até camisetas com mensagens sobre o consumo da droga.
Hoje ela é um ícone da postura liberal de parte da sociedade uruguaia. Cidadãos que o presidente José Mujica tenta agradar com uma proposta para legalizar a maconha e tornar a sua produção e comercialização atribuições do Estado.
A Yugo Brothers já foi revistada durante uma operação policial. Os agentes da lei encontraram apenas papéis para enrolar cigarros, "pipes" - cachimbos típicos dos usuários do entorpecente - e uma grande diversidade de roupas com as mais diversas mensagens de apreço à maconha. Porém, a droga não foi encontrada no local e por isso nada aconteceu.
"Não existe o delito de apologia (ao crime) aqui (no Uruguai), nem se criminaliza o consumo. Assim que não podemos ser enquadrados em nenhuma lei", disse Juan Tubino, de 35 anos, um dos proprietários do estabelecimento.
Debate
No Uruguai, consumir maconha não é crime, mas comercializá-la ainda é. Projetos de lei que tramitam no Congresso tentam descriminalizar também o plantio do tóxico.
Contudo, a proposta de Mujica para tornar a legislação do país ainda mais liberal começa a perder apoio no país.
Uma pesquisa divulgada pela consultora Cifra nesta semana indica que 66% dos uruguaios são contra a legalização da maconha.
O resultado foi publicado pouco depois de o presidente relativizar sua proposta inicial dizendo que só a levaria adiante se “pelo menos 60% da população” a apoiasse.
Entre os consultados, 24% disseram estar a favor da legalização do comércio da droga e 10% não quiseram opinar. A margem de erro máxima é de três pontos porcentuais.
O projeto de Mujica ainda não foi apresentado formalmente ao Congresso.
Para a semana que vem, o governo espera a visita de uma delegação da Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes (JIFE), a quem informará sobre a proposta.
A ONU havia considerado o projeto presidencial uma "violação" à Convenção das Nações Unidas sobre Drogas, que adota a política da "guerra às drogas".
De acor
Filial
do com o secretário da Presidência, Alberto Breccia, estão sendo estudadas "em profundidade" legislações como a holandesa. O objetivo seria saber "de que modo esses países chegaram a soluções que não violam tratados internacionais aos que também aderem".
"Desenhamos, confeccionamos e vendemos roupas. Aos poucos fomos importando materiais para consumo de maconha. Há outras lojas no Uruguai, mas creio que nós somos os que tratam mais explicitamente o que vendemos”, disse Tubino.A Yuyo Brothers prosperou e já abriu uma filial na capital, Montevidéo.
A filial não perde para sua sede praiana: está situada a um quarteirão de distância da sede da polícia da capital. "Pura coincidência", diz o proprietário, entre risos.
Ele afimou que o projeto presidencial não o convence – "É necessário tomá-lo com cautela", afirmou.
Tubino disse acreditar mais em um projeto mais antigo que visa a legalizar o plantio da droga.
"É mais produtivo, possibilita a existência de lojas e, além disso, vai ocupar o tempo de muita gente, vai gerar trabalho. Seria um produto agrícola a mais."
Se o projeto for aprovado, ele pretende plantar cannabis. "Dois holandeses já me visitaram, querendo me vender sementes e tudo o mais."
Propostas
Enquanto Mujica debate sua proposta, tramitam no Congresso dois outros projetos, mais antigos, que descriminalizam o cultivo da maconha para uso próprio.
Um é de Luis Lacalle Pou, deputado do opositor Partido Blanco, e outro de Sebastián Sabini e Nicolás Núñez, deputados da coalizão governista Frente Ampla.
Essa normativa – que conta com apoio de parlamentares de outros partidos da oposição, como o Colorado - teve origem na preocupação em se estabelecerem parâmetros equânimes no tratamento da questão, segundo afirmou Sabini à BBC Brasil.
Segundo ele, as penas aplicadas para pessoas flagradas comprando a droga ou a cultivando em casa dependem da origem social do suspeito e de suas possibilidades de pagar um advogado.
"Por isso se criam injustiças, se termina punindo jovens que são consumidores, e não traficantes."
Sabini afirmou que seu projeto pode terminar com a "insegurança jurídica" dos consumidores.
Em linhas gerais, a proposta estabelece a quantidade de cannabis que pode ser plantada para consumo próprio e também o quanto de maconha pode ser transportado na via pública.
A quantidade estabelecida (de oito plantas) é a considerada a habitual para fins de consumo pessoal. Segundo a proposta, estarão livres de punição o plantio o cultivo e a colheita dos frutos da planta. Para o transporte na rua a quantidade a ser liberada será de 25 gramas por pessoa.
"O objetivo do projeto é também reduzir o narcotráfico em escala internacional, já que será muito simples produzir maconha dentro de casa ou em um clube de consumidores, e essa maconha não terá em sua origem o mercado negro com todas as suas consequências negativas", diz Sabini.