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segunda-feira, 4 de julho de 2016

"Os jovens hoje, por detrás de toda essa "fúria" de acharem que são uma "evolução" das gerações anteriores, morrem de medo."

segunda-feira, julho 04, 2016

Vida medíocre - 

LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 04/07

Ouço com frequência jovens me perguntarem o que fazer para não terem uma vida medíocre. A angústia deles é verdadeira. Os jovens hoje, por detrás de toda essa "fúria" de acharem que são uma "evolução" das gerações anteriores, morrem de medo.

Esse é o sentimento básico da chamada geração Y: o medo. O mundo é mais competitivo, as pessoas, mais egoístas, as opções de escolha, maiores (o que os faz viver como se a vida estivesse na prateleira de uma promoção do freeshop), e, por isso mesmo, a chance de fracassar, muito maior. A ansiedade de errar entre tantas opções os esmaga.

Por detrás desse blablablá de que os jovens de hoje são mais corajosos para seguir seus sonhos, está a boa e velha publicidade vendendo vidas que não existem.

Sei que alguns afirmam que viver segundo o desejo é a solução. Concordo em teoria, mas o problema é que viver segundo o desejo (seja lá o que isso for) é sempre um risco porque, como nos ensinou Arthur Schopenhauer (1788-1860), o desejo pode nos humilhar de duas formas básicas: negando-nos a realização de nosso desejo ou, pior, deixando que realizemos nosso desejo, porque assim perceberemos que, ao realizarmos nosso desejo, perdemos o tesão por ele, um pouco como o velho personagem Dom Juan e seu desespero diante da perda do desejo pela mulher seduzida.

Alguns acham que para escapar da vida medíocre devemos viver uma vida estética, como se diz em filosofia. Uma vida estética é uma vida vivida pelas sensações, como dizia Soren Kierkegaard (1813-1855). Uma vida estética é bastante sedutora: sexo, bebida, jogos, comida, viagens. Mas fracassa pela mesma razão que dizia Schopenhauer: uma hora o tesão pela sensação acaba.

O dinamarquês Kierkegaard levanta outra hipótese, que é a da vida ética. Essa proposta centra o sentido da vida numa busca de vida honesta. Cuidar da família, ser fiel no casamento, ser trabalhador, pagar impostos, investir em previdência privada. O fracasso será, entretanto, muito provável: famílias traem, um dia você pode ser trocado ou trocada por alguém mais jovem e belo, empregadores demitem, injustiças abundam, impostos só aumentam e pouco se ganha em troca. A aposta na vida ética é ainda mais frustrante porque você se sentirá um pouco ingênuo ao perceber que o mundo não leva em conta os esforços para termos uma vida "reta".

Outra opção, segundo nosso dinamarquês, é aderir a uma vida religiosa numa igreja. De nada adiantará porque igrejas são poços de repressão, mentiras e hipocrisias. De volta a estaca zero.

Para Kierkegaard, toda essa busca se dá porque somos um poço de angústia. Tememos uma vida inundada em angústia, e, por isso mesmo, tentamos toda forma de fuga, para ao final tombarmos na mesma constatação: medo, desespero e angústia.

O existencialista Kierkegaard aposta num "salto na fé", livre de instituições religiosas, tipo "você e Deus". Mas, ao mesmo tempo esse "salto" implica um ato de coragem que é apostar numa vida sem medo da angústia. Toda vez que tentamos escapar dela e fracassamos, mergulhamos no desespero: perdemos a esperança de que possamos viver uma vida sem angústia e pautada por alguma garantia contra nossos medos.

Friedrich Nietzsche (1844-1900) apostava numa vida vivida a partir "dos seus próprios valores", longe do espírito de rebanho que assola a humanidade, principalmente na modernidade, essa era dos rebanhos e manadas. Richard Rorty (1931-2007) traduzia essa ideia assim: "Buscar uma vida autoral". Isso significa o seguinte: viver de forma tal que sua vida seja sua obra de arte.

De volta a questão dos jovens: como não ter uma vida medíocre? Acho difícil não ter uma vida medíocre, porque, principalmente, você acaba tendo uma vida medíocre porque quer ter uma vida segura (o que é normal querer, afinal de contas). A modernidade é um parque de mediocridade regado a busca de segurança e garantias.

Creio que a receita para termos uma vida medíocre é termos muito medo. A proposta de Nietzsche e Rorty me parece bastante sedutora. Mas, quem está preparado para não ter medo de sofrer?

domingo, 1 de setembro de 2013

Cubanos e ponto / Yoani Sánchez / Geração Y

Cubanos e ponto

Cubanos e ponto

Torre de la Libertad
Faz uns anos, quando saí pela primeira vez de Cuba, eu estava num trem que saía de Berlim para o norte. Uma Berlim já reunificada, porém que ainda conservava fragmentos dessa feia cicatriz que foi aquele muro que dividiu uma nação. No vagão daquele trem e enquanto me lembrava do meu pai e meu avô ambos ferroviários, os quais teriam dado qualquer coisa para viajar nessa maravilha de vagões e locomotiva, entabulei uma conversação com um jovem que ia sentado frente a mim. Depois da primeira troca de cumprimentos, de maltratar o idioma alemão com um pequeno “Guten Tag” e esclarecer que “Ich spreche ein bisschen Deutsch”, o homem imediatamente me perguntou de onde eu vinha. De modo que lhe respondi com um “Ich komme aus Kuba”. Como sempre ocorre depois da frase de que alguém vem da maior das Antilhas, o interlocutor tratou de demonstrar o muito que sabia sobre nosso país. Normalmente durante essa viagem me encontrava com gente que dizia “ha… Cuba, sim, Varadeiro, rum e música salsa”. Também até encontrei um par de casos em que a única referência que pareciam ter sobre nossa nação era o disco “Buena Vista Social Club”, que exatamente nesses anos estava arrasando em popularidade nas listas de músicas mais escutadas. Porém aquele jovem num trem em Berlim me surpreendeu. Diferentemente de outros não me respondeu com um estereótipo turístico ou melódico, foi mais longe. Sua pergunta foi: “És de Cuba? Da Cuba de Fidel ou da Cuba de Miami?
Meu rosto ficou vermelho, esqueci-me completamente do pouco que sabia da língua alemã e lhe respondi no meu melhor espanhol de Centro Havana: “Garoto, eu sou cubana de José Martí”. Aí terminou nossa breve conversação. Não obstante, no resto da viagem e pelo resto da minha vida, tive sempre presente aquele bate papo. Perguntei-me muitas vezes o que teria levado aquele berlinense e tantas outras pessoas no mundo a verem os cubanos de dentro e de fora da Ilha como dois mundos separados, dois mundos irreconciliáveis. A resposta a essa pergunta percorre também parte do trabalho no meu blog Geração Y. Como foi que dividiram nossa nação? Como foi que um governo, um partido, um homem no poder se atribuíram o direito de decidir quem devia ter nossa nacionalidade e quem não? A resposta a essas perguntas vocês sabem muito melhor do que eu. Vocês que viveram a dor do exílio, que partiram na maioria das vezes só com o que tinham em cima. Vocês que deram adeus a familiares, muitos dos quais nunca mais voltaram a ver. Vocês que tratam de preservar Cuba, a única, a indivisível, a completa em vossas mentes e vossos corações.
Porém continuo me perguntando: O que aconteceu? Como foi que o adjetivo pátrio de cubano passou a ser algo só outorgado por considerações ideológicas? Creiam-me, quando alguém nasceu e cresceu com só uma versão da história, uma versão mutilada e conveniente da história, não pode responder essa pergunta. Por sorte sempre é possível despertar da doutrinação. Basta que a cada dia uma pergunta, como ácido corrosivo, entre na cabeça. Basta que não nos conformemos com o que nos disseram. A doutrinação é incompatível com a dúvida, a lavagem cerebral termina justo quando esse mesmo cérebro começa questionar as frases que lhe foram ditas. O processo de despertar é lento, inicia como um estranhamento, como se de repente se visse as costuras da realidade. Assim foi como tudo se iniciou no meu caso. Fui uma pioneirinha normal, como todos vocês sabem. Repeti cada dia nas manhãs da escola primária aquela palavra de ordem: “Pioneiros pelo comunismo, seremos como o Che”. Corri uma infinidade de vezes com a máscara anti-gás debaixo do braço até um refúgio, enquanto meus professores me garantiam que logo seríamos atacados de algum lugar. Acreditei. Um menino sempre crê no que os adultos dizem. Porém havia muitas coisas que não encaixavam. Todo processo de busca da verdade tem seu detonante. No determinado momento em que uma peça não se encaixa e em que alguma coisa não tem lógica. E essa ausência de lógica estava fora da escola, estava no meu bairro e em minha casa. Eu não entendia bem o porquê daqueles que haviam ido por Mariel eram “inimigos da pátria”, porque minhas amigas ficavam tão felizes quando algum daqueles parentes exilados lhes enviava alguma comida ou roupa. Por que esses vizinhos que haviam se despedido com um ato de repúdio no solar de Cayo Hueso onde eu havia nascido, eram os que mantinham a mãe anciã que havia ficado para trás, que presenteava com parte daqueles pacotes os mesmos que haviam jogado ovos e insultos aos seus filhos? Eu não entendia. E dessa incompreensão, dolorosa como todo parto, nasceu a pessoa que sou agora.
Por isso quando aquele berlinense que nunca havia estado em Cuba tentou dividir minha nação, pulei como um gato e o encarei. Por isso estou aqui frente a vocês hoje, tratando de ajudar para que ninguém, nunca mais, possa nos dividir entre um tipo de cubano ou outro. Necessitamo-los para a Cuba futura e os necessitamos na Cuba presente. Sem vocês nosso país estaria incompleto, como alguém amputado de suas extremidades. Não podemos permitir que nos continuem dividindo. Como da mesma forma que estamos lutando por um país onde se permita o direito de expressão, a associação e tantos outros que nos arrebataram; temos que fazer tudo – o possível e o impossível – para que vocês recuperem esses direitos que também lhes foram tirados. Não há vocês e nós… Só há um “nós”. Não permitamos que nos continuem separando.
Aqui estou porque não acreditava na história que me contavam. Como muitos outros tantos cubanos que cresceram sob uma só “verdade” oficial, despertamos. Temos que reconstruir nossa nação. Nós sozinhos podemos. Os aqui presentes – bem o sabem – têm ajudado muitas famílias da Ilha a colocar um prato de comida sobre a mesa dos seus filhos. Abriram caminho em sociedades onde tiveram que começar do zero. Têm sustentado e dado atenção a Cuba. Ajudem-nos a unificá-la, a derrubar esse muro que, diferentemente do de Berlim, não é de concreto nem de ladrilhos, mas sim de mentiras, silêncios e más intenções.
Nessa Cuba com que muitos sonhamos não fará falta esclarecer que tipos de cubanos são. Seremos cubanos sem meios termos, cubanos e ponto, cubanos.
[Texto lido no ato realizado na Torre da Liberdade, Miami, Florida, em 1º de abril de 2013]
Tradução e administração do blog em língua portuguesa por Humberto Sisley de Souza Neto