Supremo recua e não limita prazo para ações para ressarcimento em ato de improbidade
Por 6 a 5, ministros derrubaram a tese de que uma ação para cobrar a devolução de valores desviados só pode ser aberta em até cinco anos depois do descobrimento do fato atribuído
Amanda Pupo e Rafael Moraes Moura/BRASÍLIA
08 Agosto 2018 | 17h39
BRASÍLIA – Após reviravolta no Supremo Tribunal Federal (STF), a Corte definiu que não existe prazo de prescrição para o ressarcimento de dinheiro público desviado por atos de improbidade administrativa, em situações dolosas (ato com intenção de causar dano, feito com intenção). Por seis votos a cinco, os ministros derrubaram a tese de que uma ação para cobrar a devolução de valores desviados por improbidade (dolosa) só pode ser aberta em até cinco anos depois do descobrimento do fato.
O julgamento do caso começou na semana passada, quando uma maioria de votos tinha sido formada pela fixação do prazo de cinco anos, o que gerou grande repercussão no universo jurídico. Reportagem do Estado publicada nesta quarta-feira (8) mostrou que, na visão de procuradores e juristas, a prescrição iria dificultar a reparação de dano ao erário e aumentar a impunidade no País, incluindo casos antigos da Lava Jato.
A decisão da Corte nesta quarta-feira tem repercussão geral, ou seja, servirá de base para todos os tribunais do País, onde 999 ações estão paradas aguardando essa definição. Os ministros ressaltaram que a imprescritibilidade é exclusiva à prática de ressarcimento, ou seja, se o ato de improbidade prescreveu, não há como aplicar outras sanções a quem cometeu o ato ilícito.
A sessão de hoje contou com uma reviravolta de placar. Na última quinta-feira (2), os ministros Luiz Fux e Luís Roberto Barroso endossaram a corrente da maioria pela prescritibilidade dessas situações. No entanto, no julgamento de hoje, os dois pediram para ajustar seus votos, o que acabou virando o placar.
“Entendo que hoje em dia não é consoante com a postura judicial que danos decorrentes de crimes praticados contra a administração pública fiquem imunes da obrigação com o ressarcimento. Então, com toda humildade, eu peço vênia (licença) aos colegas e retifico meu voto”, disse Fux.
Além do relator, o ministro Alexandre de Moraes, votaram pela prescritibilidade os ministros e mantiveram os votos de semana passada os ministros Marco Aurélio Mello, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, que ficaram vencidos. Pela imprescritibilidade, Edson Fachin, Rosa Weber, Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Celso de Mello.
DEBATE. O tema gerou uma discussão acalorada no plenário. Os ministros que votaram pela prescrição apontaram que não há coerência em haver prazo para condenar alguém como culpado por improbidade, mas não haver prazo para declarar o agente público culpado somente com o fim de cobrar o ressarcimento aos cofres públicos.
Moraes destacou que sua preocupação estava voltada ao ‘devido processo legal’, já que a ação pelo ressarcimento não teria os mesmos ritos de processo que investiga alguém por improbidade, e, mesmo assim, servir para declarar que a pessoa cometeu o ilícito.
“Se não se pode mais discutir o ato de improbidade (em função da prescrição), como se pode discutir o ressarcimento?”, indagou Marco Aurélio.
Moraes ainda criticou as afirmações de que o prazo prescricional “atrapalharia” o enfrentamento da corrupção. “É uma falácia, com o perdão da palavra, que a imprescritibilidade atrapalharia o enfrentamento da corrupção. O que atrapalha o enfrentamento é a incompetência”, disse Moraes, observando que o prazo de cinco anos seria para ingressar com ação após descobrimento do fato. “Chegou-se ao absurdo de falar que atrapalha a Lava Jato, já é uma vacina que previne eventual incompetência”, completou o ministro.
Por outro lado, ao alterar o voto, Barroso disse que a prescritibilidade, nesse caso, não produz o melhor resultado para a sociedade. Foi o ministro quem sugeriu que a imprescritibilidade seja exclusiva aos atos de improbidade dolosos (feitos de intenção, como enriquecimento ilícito, enriquecimento ilícito de terceiros, dano intencional a administração pública), e não aos atos culposos (descaso, inépcia).
Para Barroso, ao decidir, o juiz deve considerar primeiro a norma jurídica. Num segundo passo, identificar se há valores ou direitos fundamentais envolvidos na situação. Depois disso, refletir como gerar o melhor resultado. “Não há popularidade ou impopularidade que possam afastar o juiz desse dever”, disse Barroso.
O CASO. A tese foi definida em um recurso do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) contra decisão do Tribunal de Justiça do estado (TJ-SP) que reconheceu a prescrição em um processo de improbidade de ex-servidores públicos municipais. (Amanda Pupo e Rafael Moraes Moura