Homicídios ocorridos no Brasil em 2012 representam 10% de todos os homicídios no mundo
Sete anos após 64% dos eleitores brasileiros terem rejeitado a proibição da venda de armas de fogo e munições num referendo popular, em outubro de 2005, o Brasil atingiu a marca de 56.337 homicídios no ano de 2012, a maior de sua história, de acordo com dados do SUS (Sistema Único de Saúde). Deste total, 40.077 pessoas foram mortas por armas de fogo, ou seja, 71% de todas as mortes.
O número total de homicídios ocorridos no Brasil em 2012 representa 10% de todos os crimes do tipo no mundo, segundo o Relatório Global de Homicídios da UNODC de 2013 (Escritório da ONU para Drogas e Crime, na sigla em inglês).
Embora o país já tenha uma legislação que controla o porte e o uso de armas de fogo (o chamado Estatuto do Desarmamento, aprovado em 2003), para especialistas consultados pela BBC Brasil os atuais índices de violência poderiam ser mais facilmente revertidos caso o país adotasse leis que restringissem ainda mais o uso e a venda de armas do tipo.
Eles argumentam que em outros países, como o Reino Unido, onde o acesso a armas e munições é mais difícil, o menor número de armas de fogo em circulação tende a diminuir a incidência de homicídios.
SEGURANÇA E ELEIÇÃO
A abordagem dos temas da violência policial e da violência contra os policiais como parte da cobertura especial da BBC Brasil sobre as eleições de 2014 foi sugerida em uma consulta com leitores promovida pelo #salasocial - o projeto da BBC Brasil que usa as redes sociais como fonte de histórias originais.
Na página da BBC Brasil no Facebook (www.facebook.com/bbcbrasil), leitores participam do debate e fazem comentários sobre a questão. Dê você também sua opinião!
“É difícil comparar, porque são contextos muito diferentes, mas falta uma política de segurança pública mais efetiva nesta área, e reduzir o número de armas de fogo e munições é, sem dúvida nenhuma, benéfico para a segurança”, diz Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo, sociólogo, professor da PUC-RS e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Para o pesquisador, embora o Estatuto do Desarmamento tenha passado a penalizar de “forma adequada” o porte ilegal de armas, o fato de os índices de homicídios no Brasil continuarem entre os maiores do mundo faz com que novas medidas sejam necessárias.
Campanhas e momento atual
Luis Flávio Sapori, sociólogo e professor da PUC-MG, no entanto, é mais crítico com a atual legislação sobre armas em vigor no Brasil.
“O Estatuto (do Desarmamento) não melhorou a segurança pública no Brasil. A violência continuou crescendo no país, as armas de fogo continuam se proliferando de forma acelerada nas ruas das cidades brasileiras. A capacidade da polícia de pegar essas armas ilegais não foi aumentada”, diz.
Para ele, a legislação foi enfraquecida quando, em 2007, o Supremo Tribunal Federal (STF) permitiu o pagamento de fiança para quem fosse preso em flagrante portando arma de fogo ilegal.
“O assunto perdeu destaque. As campanhas eleitorais para Presidência poderiam ser um bom momento de retomar essa discussão, mas nem os movimentos de direitos humanos estão se atentando para isso. O estatuto está desmoralizado. Se não conseguiram proibir a venda, então que ao menos tornem o uso e o porte bem mais difíceis”, argumenta.
A lei atual pune com dois a quatro anos de reclusão - além de multa - o porte ilegal de armas no fogo no Brasil.
Para Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo, a legislação aprovada em 2003 é avançada e a rejeição dos brasileiros à proibição da venda de armas e munições, em 2005, não esvaziou o estatuto.
Armas apreendidas em 2010 no Rio de Janeiro; segundo a ONU, Brasil foi responsável por 10% dos homicídios no mundo.
Ele lamenta, porém, que o movimento de entrega voluntária de armas tenha pedido força ao longo dos anos, e que o momento atual não seja de avanço, mas sim de ameaça de retrocesso.
“Não há confiança na polícia por parte da população e é claro que há uma questão ideológica, e de lobbies de interesses”, diz o especialista.
Resistência
Tanto Sapori como Ghiringhelli de Azevedo concordam que a redução das armas de fogo em circulação seria um avanço para a segurança pública e reduziria o número de homicídios, mas nem todos partilham da mesma opinião.
Tanto entre os parlamentares quanto na sociedade há uma série de mobilizações contrárias à legislação e a favor de uma liberalização maior do porte de arma, tornado mais restritivo pelo estatuto.
Mais de 40 projetos de lei neste sentido foram apresentados no Congresso nos últimos anos, entre eles o do deputado Rogério Peninha Mendonça (PMDB/SC), que pede a revogação total do Estatudo do Desarmamento.
Para ele, as normas mais rígidas não diminuíram os índices de violência, e os criminosos seguem tendo acesso a armas ilegais de qualquer maneira.
Tema gerou debate acalorado entre leitores da BBC Brasil no Facebook
Recentemente um desses projetos de lei que visam alterar cláusulas do estatuto foi aprovado, e as guardas municipais de todo o país passaram a ser armadas, no que foi visto como um retrocesso por analistas.
“Temos um discurso no Congresso argumentando que a pessoa precisa ter a capacidade de defesa própria, senão está à mercê da criminalidade. É um discurso muito disseminado e acho que se houvesse outro referendo hoje em dia, o resultado infelizmente seria o mesmo”, avalia Ghiringhelli de Azevedo.
O pesquisador questiona o argumento de que o uso de armas de fogo pode propiciar melhores meios para que as pessoas comuns se defendam de criminosos.
“A arma de fogo disponível na rua não está sendo usada para defesa pessoal. Ela acaba sendo usada pelo crime e, em 90% das situações de tentativa de defesa, o que ocorre é o latrocínio, quando a vítima de um assalto acaba sendo morta pelo bandido”, diz.