A imprensa é inimiga da perfeição. Ainda bem
Jornalistas se dedicam ao erro como o mercado financeiro ou a emergência dos
dos hospitais
EUGÊNIO BUCCI
25/08/2014 07h00 - Atualizado em 25/08/2014 13h01
O fato (genuinamente bíblico) de Deus ter criado o mundo em apenas seis dias é a maior prova de que a pressa é mesmo inimiga da perfeição. O dito popular está certíssimo. Se o Criador se permitisse demorar um pouco mais em seus afazeres, talvez uns dois meses, ou mesmo um ano, os seres humanos não tropeçariam em tantos defeitos ao longo da existência, o mundo seria melhor, e, principalmente, os próprios humanos não seriam essa combinação perversa de maldades cegas, desejos inconfessos e ambivalências indecifráveis. Como o senhor Deus foi apressado demais em sua cosmogenia, só o que nos resta é comer cru. Ou comer o pão que o diabo amassou. Sem entender nada de coisa alguma, buscamos refúgio filosófico nos chavões e ditos populares – e seguimos em frente que atrás vem gente (muito mais gente, muito mais imperfeita).
Das coisas imperfeitas deste mundo de Deus, a imprensa talvez seja hoje a que mais se dedica à pressa e ao erro. Nesse campo, compete de igual para igual com o mercado financeiro e com os serviços de emergência em hospitais públicos e particulares. Mas aqui, preste atenção, aqui não podemos ser assim tão apressados. Vamos entender essa história com mais cuidado – e mais vagar.
Dizer que a imprensa se dedica a erros não quer dizer que ela goste de cometê- los. Isso ela também faz, mas não por gosto, e sim por força das contingências. Para a imprensa, a pressa não é um atropelo, um “esbaforimento” bíblico, como parece ter sido o caso do Gênesis; para a imprensa, a velocidade, a agilidade, a presteza, isso a que o dito popular chamaria apressadamente de “pressa”, é uma virtude. Não há imprensa sem rapidez. Não é por isso, portanto, que os jornalistas produzem erros em profusão. Eles os cometem por preguiça, distração e, principalmente, por negligenciar o método que dá o caráter da profissão. Quando dizemos que o jornalismo tem parte com o erro, não falamos dos erros cometidos pelo próprio jornalismo. A coisa toda é um pouquinho pior do que isso: o jornalismo gosta mesmo é dos erros dos outros.
Sempre que surge alguma história com ares de perfeita demais, de uma perfeição sobre-humana e, também, sobredivina, imediatamente os jornalistas correm lá e tratam de encontrar um defeito. De preferência, defeito grave. É nisso que a imprensa é inimiga da perfeição. Aos olhos dela, a perfeição é sempre uma fachada, uma máscara, um embuste que pede para ser desbaratado, virado do avesso e, finalmente, exposto à luz do sol. Diz o Eclesiastes que não há nada de novo sob o sol. Pois os jornais se ocupam de, todo dia, trazer à luz segredos impróprios, que sempre são novidades – e novidades desagradáveis.
Com o perdão dos exemplos mundanos, é assim que os repórteres vasculham e encontram operações esquisitas envolvendo dirigentes da Petrobras. É assim que descobrem um aeroporto público beirando a cerca de uma fazenda da família de Aécio Neves, candidato tucano à Presidência da República. Jornalistas inspiram desconforto nas rodas dos poderosos, mesmo quando são jornalistas bajuladores. Todos os políticos, de Trotsky a Obama, sempre desconfiaram de repórteres, e até têm razão. O bom jornalista só tem compromisso com a luz do sol, em nome do qual se sente autorizado a trair todos os outros. É exatamente por isso que a humanidade, miseravelmente condenada à imperfeição, hoje precisa tanto da imprensa. Mais exatamente, é por isso que a democracia depende da imprensa.
Num jornalista, esse traço que seria um defeito (mais um) grave em qualquer ser humano se converte numa virtude inestimável: a indiscrição sem freios, radical, absoluta. O jornalista não é apenas curioso. Isso qualquer um pode ser. O jornalista alia a curiosidade humana à indiscrição institucional. Ele se realiza profissionalmente quando quebra os segredos alheios – segredos que ocultam não apenas o imperfeito, mas o malfeito, aquilo que poderíamos chamar de imperfeição intencional.
É assim que o jornalista pratica o ensinamento de São Francisco de Assis ao contrário: aonde existe a fé, ele leva a dúvida. A imprensa, em seu dever de criticar o poder, não cobre exatamente os fatos, mas os erros que se ocultam sob os fatos. A imprensa dissemina a centelha do ceticismo. O padroeiro da profissão deveria ser São Tomé, aquele que duvidou de Jesus Cristo ressuscitado e pediu para ver e apalpar (com todo o respeito), antes de acreditar. Tudo isso porque, de perfeito, basta Deus. E porque nem tudo pode ser explicado pelos ditos populares.
Dizer que a imprensa se dedica a erros não quer dizer que ela goste de cometê- los. Isso ela também faz, mas não por gosto, e sim por força das contingências. Para a imprensa, a pressa não é um atropelo, um “esbaforimento” bíblico, como parece ter sido o caso do Gênesis; para a imprensa, a velocidade, a agilidade, a presteza, isso a que o dito popular chamaria apressadamente de “pressa”, é uma virtude. Não há imprensa sem rapidez. Não é por isso, portanto, que os jornalistas produzem erros em profusão. Eles os cometem por preguiça, distração e, principalmente, por negligenciar o método que dá o caráter da profissão. Quando dizemos que o jornalismo tem parte com o erro, não falamos dos erros cometidos pelo próprio jornalismo. A coisa toda é um pouquinho pior do que isso: o jornalismo gosta mesmo é dos erros dos outros.
Sempre que surge alguma história com ares de perfeita demais, de uma perfeição sobre-humana e, também, sobredivina, imediatamente os jornalistas correm lá e tratam de encontrar um defeito. De preferência, defeito grave. É nisso que a imprensa é inimiga da perfeição. Aos olhos dela, a perfeição é sempre uma fachada, uma máscara, um embuste que pede para ser desbaratado, virado do avesso e, finalmente, exposto à luz do sol. Diz o Eclesiastes que não há nada de novo sob o sol. Pois os jornais se ocupam de, todo dia, trazer à luz segredos impróprios, que sempre são novidades – e novidades desagradáveis.
Com o perdão dos exemplos mundanos, é assim que os repórteres vasculham e encontram operações esquisitas envolvendo dirigentes da Petrobras. É assim que descobrem um aeroporto público beirando a cerca de uma fazenda da família de Aécio Neves, candidato tucano à Presidência da República. Jornalistas inspiram desconforto nas rodas dos poderosos, mesmo quando são jornalistas bajuladores. Todos os políticos, de Trotsky a Obama, sempre desconfiaram de repórteres, e até têm razão. O bom jornalista só tem compromisso com a luz do sol, em nome do qual se sente autorizado a trair todos os outros. É exatamente por isso que a humanidade, miseravelmente condenada à imperfeição, hoje precisa tanto da imprensa. Mais exatamente, é por isso que a democracia depende da imprensa.
Num jornalista, esse traço que seria um defeito (mais um) grave em qualquer ser humano se converte numa virtude inestimável: a indiscrição sem freios, radical, absoluta. O jornalista não é apenas curioso. Isso qualquer um pode ser. O jornalista alia a curiosidade humana à indiscrição institucional. Ele se realiza profissionalmente quando quebra os segredos alheios – segredos que ocultam não apenas o imperfeito, mas o malfeito, aquilo que poderíamos chamar de imperfeição intencional.
É assim que o jornalista pratica o ensinamento de São Francisco de Assis ao contrário: aonde existe a fé, ele leva a dúvida. A imprensa, em seu dever de criticar o poder, não cobre exatamente os fatos, mas os erros que se ocultam sob os fatos. A imprensa dissemina a centelha do ceticismo. O padroeiro da profissão deveria ser São Tomé, aquele que duvidou de Jesus Cristo ressuscitado e pediu para ver e apalpar (com todo o respeito), antes de acreditar. Tudo isso porque, de perfeito, basta Deus. E porque nem tudo pode ser explicado pelos ditos populares.
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