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sábado, 20 de setembro de 2014

A Imprensa, talvez seja, uma das instituições mais imperfeita da atualidade / Eugênio Bucci / Época






A imprensa é inimiga da perfeição. Ainda bem

Jornalistas se dedicam ao erro como o mercado financeiro ou a emergência dos 

dos hospitais

EUGÊNIO BUCCI
25/08/2014 07h00 - Atualizado em 25/08/2014 13h01
O fato (genuinamente bíblico) de Deus ter criado o mundo em apenas seis dias é a maior prova de que a pressa é mesmo inimiga da perfeição. O dito popular está certíssimo. Se o Criador se permitisse demorar um pouco mais em seus afazeres, talvez uns dois meses, ou mesmo um ano, os seres humanos não tropeçariam em tantos defeitos ao longo da existência, o mundo seria melhor, e, principalmente, os próprios humanos não seriam essa combinação perversa de maldades cegas, desejos inconfessos e ambivalências indecifráveis. Como o senhor Deus foi apressado demais em sua cosmogenia, só o que nos resta é comer cru. Ou comer o pão que o diabo amassou. Sem entender nada de coisa alguma, buscamos refúgio filosófico nos chavões e ditos populares – e seguimos em frente que atrás vem gente (muito mais gente, muito mais imperfeita).
Das coisas imperfeitas deste mundo de Deus, a imprensa talvez seja hoje a que mais se dedica à pressa e ao erro. Nesse campo, compete de igual para igual com o mercado financeiro e com os serviços de emergência em hospitais públicos e particulares. Mas aqui, preste atenção, aqui não podemos ser assim tão apressados. Vamos entender essa história com mais cuidado – e mais vagar.

Dizer que a imprensa se dedica a erros não quer dizer que ela goste de cometê- los. Isso ela também faz, mas não por gosto, e sim por força das contingências. Para a imprensa, a pressa não é um atropelo, um “esbaforimento” bíblico, como parece ter sido o caso do Gênesis; para a imprensa, a velocidade, a agilidade, a presteza, isso a que o dito popular chamaria apressadamente de “pressa”, é uma virtude. Não há imprensa sem rapidez. Não é por isso, portanto, que os jornalistas produzem erros em profusão. Eles os cometem por preguiça, distração e, principalmente, por negligenciar o método que dá o caráter da profissão. Quando dizemos que o jornalismo tem parte com o erro, não falamos dos erros cometidos pelo próprio jornalismo. A coisa toda é um pouquinho pior do que isso: o jornalismo gosta mesmo é dos erros dos outros.

Sempre que surge alguma história com ares de perfeita demais, de uma perfeição sobre-humana e, também, sobredivina, imediatamente os jornalistas correm lá e tratam de encontrar um defeito. De preferência, defeito grave. É nisso que a imprensa é inimiga da perfeição. Aos olhos dela, a perfeição é sempre uma fachada, uma máscara, um embuste que pede para ser desbaratado, virado do avesso e, finalmente, exposto à luz do sol. Diz o Eclesiastes que não há nada de novo sob o sol. Pois os jornais se ocupam de, todo dia, trazer à luz segredos impróprios, que sempre são novidades – e novidades desagradáveis.

Com o perdão dos exemplos mundanos, é assim que os repórteres vasculham e encontram operações esquisitas envolvendo dirigentes da Petrobras. É assim que descobrem um aeroporto público beirando a cerca de uma fazenda da família de Aécio Neves, candidato tucano à Presidência da República. Jornalistas inspiram desconforto nas rodas dos poderosos, mesmo quando são jornalistas bajuladores. Todos os políticos, de Trotsky a Obama, sempre desconfiaram de repórteres, e até têm razão. O bom jornalista só tem compromisso com a luz do sol, em nome do qual se sente autorizado a trair todos os outros. É exatamente por isso que a humanidade, miseravelmente condenada à imperfeição, hoje precisa tanto da imprensa. Mais exatamente, é por isso que a democracia depende da imprensa.

Num jornalista, esse traço que seria um defeito (mais um) grave em qualquer ser humano se converte numa virtude inestimável: a indiscrição sem freios, radical, absoluta. O jornalista não é apenas curioso. Isso qualquer um pode ser. O jornalista alia a curiosidade humana à indiscrição institucional. Ele se realiza profissionalmente quando quebra os segredos alheios – segredos que ocultam não apenas o imperfeito, mas o malfeito, aquilo que poderíamos chamar de imperfeição intencional.

É assim que o jornalista pratica o ensinamento de São Francisco de Assis ao contrário: aonde existe a fé, ele leva a dúvida. A imprensa, em seu dever de criticar o poder, não cobre exatamente os fatos, mas os erros que se ocultam sob os fatos. A imprensa dissemina a centelha do ceticismo. O padroeiro da profissão deveria ser São Tomé, aquele que duvidou de Jesus Cristo ressuscitado e pediu para ver e apalpar (com todo o respeito), antes de acreditar. Tudo isso porque, de perfeito, basta Deus. E porque nem tudo pode ser explicado pelos ditos populares.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

"A Voz do Brasil' não cumpre sua função pública" /// Eugenio Bucci

“A ‘Voz do Brasil’ é um resquício autoritário e não cumpre função de interesse público”

25 de junho de 2013 
Autor: Comunicação Millenium
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O Projeto de Lei (PL-595/2003), que flexibiliza a transmissão do programa “A Voz do Brasil”, está pronta para votação no Plenário da Câmara dos Deputados. O PL determina que a transmissão do programa, apesar de continuar obrigatória às rádios, poderá ser realizada entre 19h e 22h pelas emissoras comerciais e comunitárias. A transmissão será mantida às 19h para emissoras educativas.
O texto do projeto define ainda que as rádios que optarem por transmitir o programa em horário diferente das 19h deverão informar esta opção ao ouvinte. Segundo a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), o PL não foi votado nas últimas duas semanas porque a pauta de votações da Câmara esteve trancada por falta de acordo sobre a proposta que destina recursos dos royalties do petróleo para a educação.
Para aprofundar o tema, o Instituto Millenium conversou com o jornalista Eugênio Bucci, que enxerga na obrigatoriedade da transmissão do programa um “resquício autoritário perpetuado na legislação brasileira”. Para o professor de comunicação da USP, “A Voz do Brasil não cumpre nenhuma função de interesse público”.
Instituto Millenium - O Brasil revogou a Lei da Imprensa, que data do período militar, apenas em 2009. Ainda hoje vigoram leis ou determinações oficiais anacrônicas que prejudicam o funcionamento da comunicação no Brasil?
Eugênio Bucci - Alguns vazios que foram abertos precisam de algum nível de regramento, não por dispositivos legais ou marcos regulatórios, mas sim pela autorregulação. Um exemplo disso é o direito de resposta. A velha Lei de Imprensa falava sobre isso, a Constituição trata disso, mas o mecanismo mais eficiente está fora da legislação, deveria ser algo de determinação dos próprios meios de comunicação e das entidades. Acredito que a Associação Nacional de Jornalistas (ANJ) poderia orientar seus integrantes a respeitar esse direito com maior eficácia. A questão do direito de resposta não está neste capitulo de anacronismo, mas é um velho hábito, neste caso arrogante, que bloqueia o debate e deveria ser superado numa sociedade mais moderna.
Do outro lado, um dos mais gritantes casos de resquício autoritário que ainda permanece na legislação é “A Voz do Brasil”, um programa transmitido obrigatoriamente todos os dias pelas emissoras de rádio. O programa não cumpre nenhuma função de interesse público, não atende a nenhum direito dos cidadãos, só se mantém no ar pela resistência de uma mentalidade que se acomodou no dispositivo legal do período autoritário da era Vargas. Acho que “A Voz do Brasil” deveria ser tombada como patrimônio imaterial dos delírios autoritários da história do Brasil.
Acho que ‘A Voz do Brasil’ deveria ser tombada como patrimônio imaterial dos delírios autoritários da história do Brasil
Imil – A flexibilização no horário já é um avanço?
Bucci -
 É melhor do que nada, mas o ideal seria tornar “A Voz do Brasil” um programa cuja retransmissão fosse voluntária. As emissoras devem ter essa liberdade. Essa obrigatoriedade é ruim para o programa e para os poderes da República, que ficam com uma imagem antipática, velha e sem capacidade de comunicação.
Imil – Há políticas prejudiciais à comunicação em pauta ainda hoje?
Bucci -
 Primeiro eu gostaria de falar sobre a figura do Estado anunciante, que prejudica em muito a democracia da comunicação no Brasil. A rubrica de verba pública que mais cresce no nosso país é a compra de espaço comercial em veículos para campanhas publicitárias de governo nos níveis federal, estadual e municipal.  Gasta-se uma fortuna anualmente para pressionar veículos de comunicação. Há uma série de jornais e emissoras médias que muitas vezes são dependentes da verba publica. É uma ferramenta pela qual o poder pode inibir, coibir, intimidar, chantagear, cooptar e direcionar o conteúdo das emissoras e jornais. Deveria haver limite para investimento de dinheiro publico em tetos publicitários.
Outra determinação que prejudica a liberdade de imprensa é a emenda constitucional que restitui a obrigatoriedade do diploma jornalístico para o exercício da profissão. A função de publicar jornais deve estar acessível a todos os cidadãos, sem nenhuma restrição legal. Isso é a livre manifestação do pensamento que figura no artigo 5º e no artigo 220º da Constituição. Se o Estado passa a exigir diploma do editor de qualquer jornal, ele está diferenciando os cidadãos e concedendo privilégios a alguns. Por mais que eu, como professor de jornalismo, ache essencial a boa formação dos profissionais de imprensa,  não consigo aceitar o argumento de que para uma pessoa editar política, esportes ou o tema que for, ela precise ter graduação em jornalismo. Isso cerceia a população de editar as informações. Eu defendo todas as medidas para melhorar o ensino de jornalismo e proteger a liberdade de imprensa, nesse caso, a aprovação do diploma é prejudicial a universalização do acesso a comunicação e aos debates.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Lula, um Odorico Paraguacu involuntário... // Eugenio Bucci


EUGÊNIO BUCCI - 09/12/2012 10h00
TAMANHO DO TEXTO

“Apenasmente” Cajazeiras

Como um Odorico Paraguaçu involuntário, Lula se vê prisioneiro do culto de si mesmo

EUGÊNIO BUCCI 
EUGÊNIO BUCCI é jornalista e professor da ECA-USP (Foto: Camila Fontana)>>Trecho da coluna de Eugênio Bucci em ÉPOCA que está nas bancas
As irmãs Cajazeiras entraram para a história da telenovela brasileira em 1973, com O Bem-Amado, uma das criações geniais de Dias Gomes. As Cajazeiras eram três solteironas mal-amadas e reprimidas que andavam emboladas, como um ente mitológico de seis pernas e três cabeças, esgueirando-se pelas calçadas estreitas da fictícia Sucupira. As três, Dorotéia (Ida Gomes), Dulcinéia (Dorinha Durval) e Judicéia (Dirce Migliaccio), perambulavam aos fuxicos íntimos, praguejando contra os outros personagens e declarando seu amor ardente, louco e platônico (que depois enveredaria pelas vias de fato) ao “coroné” que mandava na prefeitura, o impagável Odorico Paraguaçu (Paulo Gracindo). Elas bem que remoíam seus ressentimentos contra os desmandos de Odorico – desmandos amorosos, inclusive – mas, fiéis como cachorras, não o criticavam publicamente. Jamais.
Agora, o espírito desgarrado das irmãs Cajazeiras parece querer sair da história da telenovela e ingressar na história do Brasil real. Os adoradores e as adoradoras que circundam a aura de Luiz Inácio Lula da Silva, como guardadores de uma imagem estacionada no meio-fio da política, carregam em silêncio eventuais dores e dissabores. Nunca ousam expressar em público uma letra, uma vírgula de discordância, mesmo que num discreto e mudo repuxar de sobrancelhas. A lealdade irracional e fervorosa desses (e dessas) tomadores (e tomadoras) de conta não cede. Todos e todas, possuídos e possuídas por sua devoção incondicional, numa idolatria que arrebata ateus e crédulos indistintamente, não deixam que se veja em seu ídolo um único lapso de um único desvio. O cenário é francamente grotesco. Blindaram Lula a tal ponto que o ex-presidente começa a lembrar, inadvertidamente, a figura caricata do bem-amado de Dias Gomes. Como um Odorico involuntário, cercado de elegias e apologias tão fanatizantes quanto patéticas, vê-se prisioneiro do culto de si mesmo. Tão refém que não tem o que dizer. Ou: não tem como dizer o que deveria dizer.

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