Estudo aponta que gestões estão vivendo de empréstimos e adiantamentos de cotas de TV. Santos é o único no top 20 a diminuir sua dívida
Por Mariana KneippRio de Janeiro
Imagine uma pessoa que não sai do cheque especial. Apesar disso, continua comprando, sem parar, produtos que não garantem retorno financeiro. As contas vão se acumulando, e ela decide pedir um empréstimo. Um, não: dois, três, quatro. Quando percebe, a situação virou uma bola de neve. Os juros bancários ficaram altíssimos, as compras não renderam lucro, e ela ainda é cobrada para investir mais. Agora, transfira esse cenário para o futebol. Assim vivem os 20 maiores clubes do Brasil (Atlético-PR e Bahia ainda não liberaram seus balanços anuais), com uma dívida que já chega a R$ 3,86 bilhões.O número foi apresentado pela empresa de auditoria e consultoria BDO, que fez um levantamento das finanças dos clubes brasileiros entre 2010 e 2011 com base nos balanços divulgados. Apenas neste período, houve um aumento de 19% (R$ 628,4 milhões) no endividamento das instituições. Vale lembrar que o valor usa como referência a dívida líquida, ou seja, o valor do passivo total (quanto o clube deve) menos o ativo (quanto recebe), excluindo o que está imobilizado e intangível, contas bloqueadas.
- Os clubes estão contraindo dívidas para pagar salários. Não estão investindo em marketing, estádios, relacionamentos com torcedor. Estão pegando valores a juros altíssimos para financiar a atividade fim, sem projeção de retorno futuro. É como se fosse aquela quantia a mais que temos no cheque especial. Aquele dinheiro não é nosso, não está ali para ser usado com gastos mensais. Seria apenas para emergências ou investimentos que se pagariam em breve - explicou o consultor da BDO, Amir Somoggi.
O Santos é o único entre os 20 clubes da lista com diminuição da dívida, ainda que pequena: passou de R$ 211 milhões para R$ 207 milhões (2% a menos). O top 5 é ocupado pelos mesmos cinco times do ano passado, apenas com mudanças nas posições. O Fluminense ultrapassou o Vasco e está em segundo. E o Atlético-MG assumiu a quarta colocação, que era do Flamengo. O líder continua sendo o Botafogo, agora com uma dívida de R$ 563,9 milhões, valor 49% maior do que em 2010. O presidente Mauricio Assumpção explica o que aconteceu:
- O que fizemos foi uma correção monetária da dívida, coisa que muitos clubes não fizeram. Por isso há esse número astronômico. Mas, quando outros forem corrigir, o número também não será bonito - afirmou Assumpção, argumentando que aproximadamente 13% da dívida atual (ou R$ 50 milhões) são de sua gestão e que, em quatro anos, pagou R$ 40 milhões para tentar diminuir o montante.
Os presidentes dos clubes não estão preocupados com a conta que vai vir daqui a dois, três anos. Não serão eles que vão pagar"
Amir Somoggi
Assim como no Botafogo, a dívida do Flamengo também é recheada de ações trabalhistas, como as que estão sendo movidas pelo atacante Deivid, que cobra R$ 6 milhões em direitos de imagem, e por Ronaldinho Gaúcho, com R$ 5 milhões em salários atrasados, valor que, segundo a presidente Patricia Amorim, é de R$ 2,25 milhões. Fora isso, o clube pagou R$ 53,7 milhões em empréstimos bancários, sendo que R$ 32,6 milhões só em juros.
Recorrer a uma instituição financeira é um procedimento comum à maioria dos clubes brasileiros que buscam uma solução a curto prazo para sobreviver financeiramente e manter um time competitivo. Adiantamento de cotas de TV é um outro recurso. Dois movimentos arriscados, na opinião de Amir Somoggi.
- Os presidentes dos clubes não estão preocupados com a conta que virá daqui a dois ou três anos. Não serão eles que vão pagar, pois haverá uma eleição, e um novo gestor estará no comando. Então, fica complicado. A única solução para isso seria aprovar uma cláusula no estatuto proibindo de usar recursos dos anos posteriores. Isso, porém, geraria um congelamento de investimentos. Ou seja, o presidente teria que vir à imprensa e avisar o torcedor que não vai contratar nenhum jogador ao elenco, porque está em contenção de despesas, o que levaria embora também os patrocinadores. Imagina o impacto negativo que isso iria gerar - lembrou o consultor.
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