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terça-feira, 21 de novembro de 2017

" Thomás Sowell é coisa de preto" / Ana Paula Henkel

http://politica.estadao.com.br/blogs/ana-paula-henkel/thomas-sowell-e-coisa-de-preto/
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Thomas Sowell é coisa de preto

Ana Paula Henkel
20 Novembro 2017 | 21h13
Quem é o maior intelectual vivo do mundo? Impossível chegar a um consenso, mas não há dúvida de que Thomas Sowell deve ser incluído em qualquer lista de candidatos. Se existe uma “consciência negra”, difícil imaginar um representante mais qualificado e admirável.
Autor de mais de trinta livros fundamentais sobre temas que vão da política e da economia até as questões raciais mais complexas e polêmicas, Sowell é uma das grandes referências intelectuais das últimas décadas e muitas de suas obras já foram traduzidas para o português. Se você nunca leu Sowell, largue esse texto agora e escolha um livro dele, qualquer um, e mergulhe de cabeça. Você sairá da experiência muito maior do que entrou.
Um dos mais brilhantes economistas da história, Sowell é um incômodo para os arautos das narrativas ideológicas que usam o negro para manipular ideias que vão da eterna culpa da sociedade pela escravidão à adoração mais servil ao politicamente correto. Sowell é um gigante do pensamento contemporâneo e um exemplo de superação, trabalho duro e talento, e por isso muitos preferem fingir que ele não existe.
Quantos brasileiros já ouviram falar em Thomas Sowell? Agradeço quem tiver a informação correta, mas o resultado da pesquisa no Google Trends não é nada animador. Um outro Thomas, também economista e autor, o socialista francês Piketty é muito mais pesquisado no Google brasileiro desde 2014, ano do lançamento do equivocado “O Capital do Séc. XXI”, o que diz mais sobre o Brasil do que sobre ambos.
De volta ao mercado, Sowell se formou com louvor em economia em Harvard, complementando os estudos com mestrado em Columbia e um doutorado pela Universidade de Chicago, uma das mais prestigiosas escolas de economia do mundo. Pupilo preferido de Milton Friedman, com quem participou de debates antológicos que ainda fazem sucesso no YouTube, Sowell é considerado por muitos o mais brilhante aluno do vencedor do Nobel de Economia de 1964 até os dias de hoje.
Seu primeiro trabalho como economista foi no governo federal, realizando estudos sobre o impacto do salário mínimo no emprego. Até aquele momento, Sowell se dizia um marxista, mas nada como uma experiência rápida como funcionário público para mudar para sempre sua cabeça. O que pode parecer óbvio para o cidadão comum que depende do Estado é motivo de espanto para muitos intelectuais.
Ao perceber que a política de salário mínimo criava uma barreira de entrada para negros com pouca experiência ou especialização no mercado, gerando desemprego em vez de vencimentos mais altos, Sowell se surpreendeu ao entender que nenhum funcionário do ministério do trabalho estava interessado em suas descobertas. Sowell viu que os burocratas do governo não tinham qualquer compromisso com os resultados práticos de suas políticas, a única preocupação era a manutenção dos próprios empregos. Foi a lição que mudou sua vida.
Sowell nunca relativizou ou ignorou o racismo, do qual já foi alvo, mas escolheu rejeitar a vitimização por entender que ela escraviza a alma numa agenda de ressentimento e ódio que nunca termina bem. Ele preferiu vencer com inteligência, talento e trabalho duro e sua vida é uma prova definitiva de como tudo é possível quando há disposição pessoal e um ambiente com abundância de oportunidades, o que só uma sociedade livre e próspera fornece.
O menino negro e pobre da Carolina do Norte se tornou uma voz ativa nos anos 80 e 90 contra a política de cotas raciais, principalmente nas universidades aqui da Califórnia. Através de suas pesquisas, ele mostrava que a lei de cotas raciais americana (Affirmative Action) era um desastre para a comunidade negra. Em suas palestras e entrevistas ainda nos anos 80, Sowell mostrava que a política de cotas raciais para admissões servia apenas para mostrar boas intenções por parte das universidades, mas as reais consequências nunca eram mostradas.
Os números de estudantes negros graduados e com diploma após quatro anos eram frustrantes. Apenas na Universidade da Califórnia em Berkeley, por exemplo, 70% dos negros que entravam usando o programa de cotas raciais desistiam da vida acadêmica ainda no primeiro ano, o que não acontecia antes da adoção do sistema de cotas.
Aplaudido e respeitado como professor de algumas das principais universidades americanas como UCLA, Harvard e Stanford, Sowell sempre defendeu que a política de cotas raciais colocaria muitos negros em ambientes em que não estariam preparados academicamente para estar, fazendo com que estes potenciais bons alunos de universidades menos badaladas se tornassem péssimos estudantes das faculdades de elite, o que foi comprovado por outros estudiosos e autores como Malcolm Gladwell.
Thomas Sowell celebrou quando a política de cotas universitárias foi abandonada na Califórnia em 1996 (Proposition 209) num referendo com quase 55% dos votos a favor do banimento. Os números de admissões de negros nos anos seguintes (1998-2006) caíram quase pela metade e Sowell foi muito criticado por apoiar a proposição, mas pouco tempo depois, entre 2007 e 2015, as admissões de estudantes negros voltaram ao patamar dos anos anteriores. A diferença agora é que quase todos os estudantes conseguem o diploma.
Enquanto Sowell continua fornecendo contribuições intelectuais incomparáveis aos 87 anos, o Brasil hoje parou para um feriado que tem como símbolo Zumbi dos Palmares. Sabe-se pouco de Zumbi, mas após fugir do cativeiro organizou um quilombo em que ele próprio tinha escravos. O líder de Palmares não era contra a escravidão, mas contra ser escravizado. Zumbi comandou seu quilombo com mão de ferro e sua conduta não é, na essência, muito diferente de seus antigos senhores. Pesquise.
Respeito todos que idolatram Zumbi, mas acredito que Thomas Sowell deveria ser seriamente considerado como um modelo alternativo para quem quer conhecer histórias inspiradoras de superação da comunidade negra. O Brasil já teve um presidente negro, o jurista Nilo Peçanha, igualmente ignorado pela militância. Outros intelectuais do primeiro time como André Rebouças, Lima Barreto e, claro, Machado de Assis, são também pouco lembrados nestas datas.
Sowell é avesso à tietagem e dá poucas entrevistas, mas isso não impede que façamos a nossa parte em render homenagens a esse gigante intelectual. No dia em que deveríamos avaliar como criar um ambiente mais propício para que todos, incluindo negros, tenham mais oportunidades para uma vida livre, próspera e feliz, faça a sua parte e abra um livro dele. Quanto mais populares as idéias de Sowell, um pouco melhor o mundo vai ficando. Viva Sowell!

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

"Assédio sexual e pânico moral" / Lúcia Guimarães

Assédio sexual e pânico moral

A retaliação ao momento que atravessamos me parece inevitável

Lúcia Guimarães, O Estado de S. Paulo
20 Novembro 2017 | 03h00


Lúcia Guimarães, O Estado de S. Paulo
20 Novembro 2017 | 03h00
Quem se hospeda num hotel de Nova York e ouve a arrumadeira bater à porta, espera sabonete, shampoo, uma troca de toalhas. Muitos não sabem que ela traz sempre consigo um aparelho discreto: um botão de pânico. Depois que o ex-diretor do FMI Dominique Strauss-Kahn foi preso e acusado de tentar estuprar uma arrumadeira num hotel de Manhattan, em 2011, o sindicato que reúne 30 mil empregados na indústria hoteleira da cidade conseguiu incluir o botão de pânico em contratos. Strauss-Kahn não enfrentou a justiça por inconsistências na acusação, mas o caso chamou atenção para o segredo sujo da indústria hoteleira.
Mulheres são mais da metade dos empregados na indústria de serviços nos EUA e, embora não se saiba se alguma delas atraiu a fúria do provável réu e estuprador serial Harvey Weinstein, elas formam também a maioria das vítimas de agressão sexual no local de trabalho.
A rotina semanal de novas acusações de assédio sexual praticado por homens poderosos em Hollywood, no Congresso, nas redações e em corporações está provocando um pânico moral que pode levar a uma retaliação e, quem sabe, a um retrocesso. O que seria mais grave para as vítimas anônimas que precisam de proteção. Quanto mais baixo o salário, mais vulnerável a(o) empregada(o). As arrumadeiras de hotel são presa fácil por ficarem a sós com hóspedes no quarto. Mas, nos últimos três anos, pesquisas entre empregados de restaurantes em todo o país colocaram o índice de vítimas entre 40% e 60%.



Sobre o pânico moral, a excelente autora russo-americana Masha Gessen lembrou esta semana, num artigo na revista New Yorker, que ele é geralmente o resultado de um problema negligenciado por muito tempo, até que um caso marcante – o de Harvey Weinstein – captura a imaginação do público. O problema do pânico moral, além do óbvio risco de destruir vidas de inocentes falsamente acusados, é oferecer uma catarse que não vai proteger a arrumadeira do hotel ou trazer transformação cultural.