Existe o risco de uma ‘Brasilapatia’?
Pablo Uchoa
Da BBC Brasil em Washington
Atualizado em 16 de julho, 2012 - 06:29 (Brasília) 09:29 GMT
Em um cenário de renovada desaceleração econômica global, o Brasil pode vir a enfrentar uma temível "apatia" dos investidores estrangeiros, de acordo com a avaliação de um economista brasileiro da Universidade de Columbia, em Nova York.
Até agora, o país surfou em uma onda positiva de boom de commmodities, dinamismo econômico, expansão do mercado doméstico, aposta do setor privado neste mercado e status de destino privilegiado de investidores internacionais.
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Entretanto, o modelo centrado no aumento do consumo doméstico e na expansão do crédito dá mostras de arrefecimento.
Especialistas ouvidos pela BBC Brasil alertam que é preciso resolver o impasse das reformas para estender o bom momento econômico no futuro.
No campo externo, um dos motores do crescimento brasileiro – a expansão rápida da economia chinesa – esfriou no segundo semestre deste ano, desacelerando para o seu menor nível desde 2009.
Paralelamente, as revisões para baixo da capacidade de crescimento do Brasil podem corroer a capacidade do país de atrair investimentos, crê Marcos Troyjo, professor-adjunto de Escola de Assuntos Públicos e Internacionais de Columbia, em Nova York.
Para Troyjo, este seria o efeito mais importante da desaceleração global, já que o Brasil tem uma taxa de poupança relativamente baixa e precisa dos investimentos externos para complementá-la.
"Antes havia uma Brasilfobia – achava-se que o Brasil não era um porto seguro para os investimentos. Depois houve uma Brasilmania. Agora estamos vendo uma Brasilapatia", argumentou o pesquisador.
"Está todo mundo esperando para ver se o país avança nas reformas para aumentar a sua competitivdade: diminuir e simplificar impostos, reduzir o Estado, investir em ciência e tecnologia e modificar suas leis trabalhistas."
Dependência chinesa
O esfriamento da economia chinesa no segundo timestre deste ano, quando registrou crescimento de 7,6% - sua pior taxa em três anos -, acendeu o sinal amarelo para os efeitos disto no mundo e no Brasil em particular.
A China responde por 18% das exportações brasileiras. Uma desaceleração no país asiático, portanto, tem impacto sobre as trocas do Brasil com o exterior.
Todo o comércio exterior equivalia a apenas cerca de 20% do PIB brasileiro no fim do ano passado, com a participação das exportações para a China representando menos de 2% da riqueza nacional.
Mas para o vice-presidente executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), Fábio Martins Faria, a maior preocupação da desaceleração chinesa não é o impacto direto sobre as trocas bilaterais. É o efeito da redução da demanda sobre os preços das commodities vendidas pelo Brasil para o mundo.
As exportações nacionais para a China são concentradas em cinco produtos – soja, minério de ferro, petróleo, celulose e açúcar – sendo que os três primeiros respondem por 85% do total.
"Setorialmente, o efeito que a China tem sobre a economia do Brasil é maior do que a participação no PIB revela", diz Faria. Ele dá como exemplo os contratos para fornecimento de minério de ferro, que têm sido fechados a preços menores desde o ano passado.
Troyjo argumenta que o Brasil apostou tanto no seu comércio com a China, centrado em matérias-primas, que "dormiu no ponto" na questão fundamental de elevar a participação das manufaturas na sua pauta de exportações.
Tanto Troyjo quanto Faria concordam que seria benéfico para o Brasil fazer um esforço na relação com os EUA – para quem o país vende produtos de maior valor agregado e na qual nenhum produto tem dominância completa sobre a pauta.
A participação dos EUA nas exportações brasileiras tem caído para cerca de 10% do total comercializado com o exterior em 2011. No ano passado, as vendas brasileiras para o país chegaram a quase US$ 26 bilhões, ainda um pouco abaixo do nível de 2008.
Neste ano, até junho, o desempenho estava caminhando para se repetir. Mas Faria nota que parte do impulso por trás das vendas brasileiras para os EUA se deve às exportações de petróleo.
Além do quê, é possível que uma desaceleração tanto ao norte quanto ao sul do Equador tenha um efeito negativo sobre essas trocas.
Investimento
Possivelmente, uma desaceleração global também pode afetar os investimentos no Brasil, por causa da percepção reduzida de ganhos por parte dos investidores.
Após chegarem a prever uma expansão de 4,5% para a economia neste ano, as estimativas do mercado já se situam abaixo de 2%. Apenas o governo e organismos multilaterais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) são mais conservadores no rebaixamento de suas projeções.
Ao mesmo tempo, os céticos ainda aguardam os resultados das medidas de estímulo tomadas pelo governo brasileiro, de isenção de impostos combinada com compras governamentais. Medidas que os críticos têm qualificado de "paliativas".
É consenso que, sem o mesmo dinamismo econômico das principais economias emergentes, é mais difícil para o Brasil abocanhar uma parte mais significativa dos investimentos destinados a esses países.
A Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e Globalização Econômica (Sobeet) estima que o Brasil receberá investimentos estrangeiros da ordem de US$ 50 bilhões neste ano, uma queda de 25% em relação ao ano passado.
'Exportar ou morrer'
No mesmo período, o fluxo global de Investimento Direto Estrangeiro (IDE) no mundo deve chegar US$ 1,6 trilhão – ou aumento de 5% no mesmo período do ano anterior, nas estimativas da agência da ONU para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad).
Ao divulgar uma pesquisa da Unctad no início deste mês, o presidente da Sobeet, Luís Afonso Lima, disse que "no longo prazo, o Brasil começa a perder um pouco o brilho" de que hoje goza aos olhos dos investidores.
Os especialistas creem que o país só recuperará este brilho se fizer reformas que desonerem as suas exportações e aumentem a sua competitividade no mercado externo.
"O Brasil está na mesma situação que estava depois da crise asiática (de 1997), quando o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse que a alternativa para o país era ‘exportar ou morrer’", sustenta Troyjo.
"O melhor estímulo para a economia brasileira não é tentar aumentar o consumo através de renúncia fiscal deste ou daquele produto, mas dar um sinal de que está comprometido com reformas sérias para elevar a sua competitividade."
Na mesma linha, Faria acredita que o país precisa aproveitar um momento econômico que ainda lhe é favorável para fazer as reformas e se tornar mais atrativo aos olhos externos.
"Há uma incapacidade das forças políticas do Brasil de pensar no mais longo prazo”, reclama o porta-voz dos exportadores. "O problema é que esse momento favorável uma hora pode deixar de sê-lo."