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segunda-feira, 12 de agosto de 2013

"O Brasil é um lugar chato. Dolorosamente chato de se viver. " // André Forastein / Digestivo Cultural



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http://www.digestivocultural.com/ensaios/ensaio.asp?codigo=430&titulo=A_Cultura_do_Consenso
Segunda-feira, 10/10/2011
A Cultura do Consenso
André Forastieri  
 

Caros amigos, é chato dizer, mas o Brasil é um lugar chato. Dolorosamente chato. Viver aqui é um porre.

O Brasil não tem literatura, não tem teatro, não tem cinema, não tem estilo, não tem ciência. Tinha novelas e música. Hoje, nem isso.

E não adianta jogar toda a culpa no capitalismo avançado, na globalização, ou na pobreza. A Índia, por exemplo, tão miserável e internacionalizada quanto o Brasil, é um país de verdade com uma cultura de verdade ― incluindo indústrias fonográfica e cinematográfica da pesada, uma indústria de software florescente, um número enorme de cientistas importantes etc.

Nem é preciso ser um país continental. Qualquer Nova Zelândia tem seu cinema, qualquer Irlanda tem seu U2, qualquer lugar onde se vá se encontra algum sinal de vida própria.

Aqui não tem nada. Tem a bunda da Carla Perez.

No Brasil não há produção cultural, não há reflexão, não há crítica, não há debate informado. Temos horror pelo conflito, que é o horror pelo mundo moderno, pela iniciativa, pelas idéias. Queremos ser amados e resolver tudo na boa. Vivemos na cultura do consenso.

Quase sempre foi assim, e nunca entendi direito por quê. Herança portuguesa, influência da contra-reforma ― tá, tudo bem, mas não é o suficiente. Pior: fui perguntar para minha mulher, que é jornalista e economista, se ela conhecia algum livro que relacionasse economia e cultura e tentasse dar conta da origem deste lodo todo. Resposta dela: “Não existe”.

É até argumentável que a cultura do consenso comporte aspectos positivos. A tolerância racial, a assimilação rápida de novas tendências, a paciência ― enfim, a adaptabilidade.

Sim, o brasileiro é adaptável ao extremo ― para o bem e para o mal. Estimulado, provocado, informado, o brasileiro consegue lidar com complicações e inovações que dariam nó na cabeça de muito primeiro-mundista.

Este cheirinho de potencial cria a ilusão de que moramos num país, e não num descampado improdutivo. A má notícia é que o espaço da informação, da análise, da provocação ― o que passa por imprensa no Brasil ― raramente vai muito além de press releases porcamente disfarçados. Não informa, não estimula, não debate e influi cada vez menos.

Os meios de comunicação no Brasil não passam de estações repetidoras do consenso. A ação entre amigos que gerencia este país tem seu reflexo perfeito nos jornais, revistas, rádios e TVs. Como Narciso, a imprensa está apaixonada pelo que vê.

Não é preciso ir muito longe para encontrar as provas da mediocridade da imprensa brasileira.

Abra o jornal de hoje. Ligue a televisão. Por baixo das quatro cores ou dos efeitos gerados por computador, a conversa mole e a desinformação correm soltas. O cinema nacional renasceu, consultas crescentes ao SPC significam aquecimento, Chico César é moderno, publicidade é cultura.

Qualquer sinal de idéias destoantes, de conflito, de vida inteligente é abafado tão rápido quanto possível.

Aliás, não é à toa que os vestibulandos estão preferindo publicidade a jornalismo. As profissões são praticamente as mesmas. Mas paga bem melhor quando exercida em agências, em vez de redações.

O pior é que o tédio que domina a vida brasileira tende a se aprofundar. Nos condenamos a pelo menos doze anos, provavelmente dezesseis, de dominação da vida pública e seus porta-vozes.

Com a conivência da leal oposição do rei, com a nossa conivência e descaso, e com o aplauso puxa-saco da “inteligentsia” e da imprensa, que se misturam e se confundem e cuja falta de critérios e escrúpulos não tem igual.

Entre tanta coisa chata, talvez o mais chato de tudo é que até quem está na contracorrente desta miséria mental se rendeu. A única opção visível para as melhores cabeças da minha geração é fazer bem o que se faz, ganhar o máximo de dinheiro possível e viver no Brasil como viveríamos em San Francisco, Nápoles ou Bangkok.

Lemos mais em inglês do que em português, compramos livros pela Amazon, música pela internet, funghi porcini na importadora da esquina e carros importados com airbag.

Não votamos ou votamos nulo. Rimos da jequice dos poderosos e do nosso lumpesinato cultural. O Brasil é isso mesmo. A imprensa é isso mesmo.

Eu esperava e espero mais de mim e da minha geração.

Podemos continuar empurrando nossa mediocridade com a barriga, engolindo a raiva e a frustração de morar num país de merda como o Brasil. Ou podemos criar vergonha na cara, meter a mão nesta merda e tornar este lugar um pouco mais interessante para se viver.

Como, não sei. Mas parece divertido..;

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado na revistaCaros Amigos, em abril de 1997, e republicado no blog de André Forastieri, em fevereiro de 2009 (atualmente no portal R7). 

São Paulo, 10/10/2011 

 
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