Enviado por Rogerio Waldrigues Galindo, 26/11/13 1:31:18 PM
O papa e o capitalismo: algo novo no ar?
Os pronunciamentos do papa Francisco têm sempre chamado a atenção. Para a maioria das pessoas, ele parece algo revolucionário, contestando o que teria sido a posição da Igreja ao longo das últimas décadas, sob João Paulo II e Bento XVI. Para os mais ortodoxos, nada do que ele diz é propriamente novo, muito menos contraria os ensinamentos da Igreja. Compartilharia de toda a visão dos antecessores até porque algo diferente seria absurdo.
No fim das contas, parece que em relação à ortodoxia o segundo grupo está certo. Francisco não contrariou, nem podia, qualquer dogma, qualquer interpretação da tradição. Será sempre contra o aborto e contra as mulheres como sacerdotes, por exemplo. Qualquer um que espere algo diferente disso pode se sentar e aguardar até o fim deste (ou de qualquer outro) papado, pelo menos por um futuro previsível. Digamos, pelos próximos séculos, no mínimo.
Mesmo sobre os gays, quando Francisco disse que não os julgaria (“Quem sou eu para julgá-los?”, disse) o papa contrariou a Igreja. O ensinamento tradicional, que está no Catecismo redigido por Ratzinger, é que os homossexuais devem ser vistos com caridade, embora a Igreja repudie a atividade homossexual em si. Ou seja: o caminho, segundo o texto, seria o de evitar “cair em tentação”. E isso Francisco não contrariou.
No entanto, parece inegável que há uma mudança de tom nas palavras do papa. Um amigo comentou que, mesmo sabendo que tudo faz parte de uma mesma doutrina, parece impensável ver Bento XVI se dizendo incapaz de julgar os gays em público. Muito menos se referir à cúpula do Vaticano como uma “lepra”. Não são palavras fracas: querem dizer muita coisa. E querem dizer coisas que os antecessores imediatos de Francisco não expressavam assim.
C. S. Lewis, um grande pensador cristão, dizia que para alguém de fora do Cristianismo poderia parecer que seguir todas as regras cristãs transformaria todos em robôs, em iguais. Mas ele fazia a seguir uma analogia interessante: quem come comida salgada sabe que o sal modifica o gosto de todos os pratos, mas nãos os torna iguais uns aos outros.
Nesse sentido, Francisco também tem o sal. Mas é diferente, sim, de seus antecessores. Nesta terça, falou duro mais uma vez. Desta vez sobre o capitalismo. Diz o texto de sua Exortação Evangélica:
“Enquanto os problemas dos mais pobres não forem radicalmente resolvidos através da rejeição da absoluta autonomia dos mercados e da especulação financeira, atacando as causas estruturais da desigualdade, não encontraremos solução para os problemas do mundo ou para muitos problemas”.
João Paulo II já havia criticado excessos do capitalismo. Mas as considerações eram feitas em outros termos, sempre menos duros. (Até porque a preocupação dele era muito mais a de combater o comunismo).
A visão de Francisco, dentro das possibilidades da tradição, parece ter muito mais a ver com a sensibilidade das sociedades ocidentais modernas, ser mais compreensiva e menos crítica em relação à modernidade e a seus costumes, e ter um aspecto essencial do Cristianismo: o carisma, a vontade de conquistar o outro, de compreendê-lo antes de julgar.
Tenho amigos católicos que jamais concordariam com isso. Mas até isso é um sinal interessante: o fato de as palavras do papa estarem causando uma discussão sobre seu significado, um debate sobre se isso é inovador ou não (coisa que não acontecia pelo menos desde João Paulo I), em si já representa que algo novo há no ar.