19 Abril 2016 | 05h 00
Estou aqui no meu cantinho do Alvorada, falando sozinha, agora dei para isso, mas falo, sim, registrando nesse gravador a história de minha missão neste país, onde tentei combater sem trégua os perigos maiores que nos ameaçam. Um, dois, gravando, esse gravador é uma merda que o Mercadante deixou aqui, mas tudo bem... Declaro de peito aberto o que penso da vida e o que fiz para proteger meu Brasil brasileiro. Querem me impichar, dar um golpe. Será que conseguiram? Eu vos falo do passado, pois são sete horas de domingo, depois de uma noite insone. Quando me ouvirem, vocês já saberão se eu fui banida ou não.
Começo dizendo que minha consciência está em paz. Minha máxima sempre foi: os fins justificam os meios. Sim. Muita gente metida a ética acha isso até um crime, mas eu, não. Meus fins uniram o País. Sim, uni vocês até mesmo contra mim, porque confundiram minha sutileza ideológica com incompetência, acharam que eu errava, sem saber que meu acerto era no futuro. Nunca errei.
Meus queridos, o Brasil estava perdido entre muitas ideologias metidas a ‘moderninhas’, social-democracia, liberalismo, mas eu restaurei o essencial: a luta contra o imperialismo norte-americano, contra a desnacionalização de nossas riquezas, contra a sociedade de empresários reacionários, contra o lucro, colocando o Estado no topo, no centro de tudo, pois de lá emana a verdade para essa sociedade de ingênuos e ignorantes. Meus fins sempre justificaram os meios, sim, e não me arrependo de nada.
Essa porra de gravador está gravando?... Vamos ver: ‘...porra de gravador está gravando’, sim. Declaro aqui, também, que acho o Brasil tão frágil ideologicamente, que tem de ser dirigido por um grande Estado, sim. Só um Estado provedor pode proteger o povo nas lutas sociais que ele nem sabe que está travando, mas eu sei, porque nós somos da ‘elite de esquerda’. Não, ‘elite’ não, fica feio. Pronto, apaguei.
Eu tenho orgulho de ter usado o Estado e seu tesouro acumulado para distribuir riquezas para o consumo tão ansiado pelos pobres-diabos, sim, mesmo que os cofres públicos tenham ficado vazios para investir. Populismo? Eu chamo de catequese, conquista de adeptos para o grande futuro que virá! Disseram que eu quebrei o Estado para isso, mas e daí? Fiz isso, sim, porque o fim justifica esse meio; o fim era garantir apoio para próximas eleições do nosso PT, pois era fundamental que ficássemos para sempre no poder desse país alienado e reacionário, até a chegada do futuro socialista.
Eu já vejo nosso futuro. Nossas massas cantarão unidas com desejos uniformes, com uma felicidade preestabelecida, com desejos programados, assim como a Coreia do Norte (de uma forma ‘light’, claro); se bem que nossos irmãos coreanos, às vezes, exageram um pouco... Aquele presidente parece um porquinho, mas está na ‘linha justa’, porque é temido pelos americanos, nosso inimigo principal.
Na luta contra os ianques, sempre falávamos da importância da democracia. Mas tenho de confessar uma coisa: para nós, ‘democracia’ sempre foi uma estratégia para tomada do poder... Falávamos: temos de pedir democracia burguesa, para depois fazer o centralismo democrático, que tanto usou nosso grande irmão Stalin. Democracia o cacete... O povo não sabe se governar. Um minuto de silêncio para tomar um rivotril.
Alô, alô, voltando a gravar... Bem, vamos lá, me criticaram muito pela política de aliança com canalhas. Sim, por que não? Eu odiava ver suas carinhas pedindo verbinhas, puxando meu saco, mas me aliei a eles, sim, uns filhos da p... necessários, para aprovar coisas naquele ninho de cobras, que votam minha saída. Vocês acham que eu gostava daquele hipopótamo do PDT, que me beijou a mão, vocês acham que eu gostava de ver o brilho eterno daquele cabelo pintado do Lobão, do traidor Temer, em quem sempre vi a inveja debaixo de sua cara de mordomo de filme de terror?
Eu fiz tudo certo. Distribuí cargos sem fim, verbas infindas para seus currais... Fiz isso porque sei que é preciso praticar o mal para atingir o bem. Será que o Maquiavel disse isso?
Eu sabia de tudo, eu sabia que a compra da refinaria de Pasadena ia ser um rombo pavoroso, mas como conseguir dinheiro para minha reeleição sem tutu, sem propinas? Propinas de esquerda, é claro. Não mandei comprar aquela refinaria lata velha, mas fiz vista grossa, sim, quando aquele caolhinho Cerveró me entregou uma página solta com uma piscadinha do olho bom.
Bom, gravando mais... Quero dizer tudo para o futuro. Tenho orgulho de tudo que fiz...
Eu menti, sim..., menti na campanha, dizendo que não ia ter comida no prato do povo, menti nos bilhões que arranquei dos bancos para esconder o déficit público, eu menti, sim, sobre as pedaladas. Uma mentira repetida vira verdade, pelo bem de meu povo.
Olha aqui, meu querido, volta com essa bandeja, joga esse café de merda fora e faz outro que eu possa engolir, porra, essa massa atrasada não sabe nem fazer um café? Vai logo, cacete!
Continuando: essa porra desse neoliberalismo funciona muito na prática. Por isso, sempre lutei para impedir que sejamos um país todo ‘coxinha’, todo organizado, com o povo trabalhando feliz para o capitalismo. É muito difícil desenvolver esse país de merda. Por isso, temos de destruir o capitalismo por dentro, já que não dá mais pé uma revolução russa. Mesmo uma avacalhação é melhor, mais revolucionária – seria uma espécie de ‘esculhambação criativa’, ha, ha, ha...
É isso aí... São sete horas da manhã de domingo... Aqui, fica minha mensagem. Se eu for impichada, o Lula vai adorar, porque será o ‘mártir’ da direita e eu é que me fodo como fracassada... E um escroto; vai fazer sua campanha em cima de minha desgraça... Que vou fazer, se banida? Tricô? Para onde vou?
E se eu não for banida, o Lula se muda para o Planalto para preparar sua candidatura em 18.
E eu vou ter de obedecer. Vou ter de recontratar a besta do Mantega, gastar mais ainda para o povão pensar que tudo melhorou (nem que seja por uns meses), até o Lula ser eleito e eu jogada para escanteio.
Quando vocês ouvirem isso, eu terei sido escorraçada ou mantida? Que será que me aconteceu?