Comecemos por onde? Pelo começo não dá mais, pois Janoesley, marqueteiro do PT, impõe a narrativa fraudulenta que deslocou para o governo Temer a gênese e o comando da roubalheira+incompetência que trouxe o país a um momento tão perigoso. Uma espécie de começo posposto pelos fatos borrados, pelo pensamento aplainado. O fim, não sabemos como será, então fiquemos com o impreciso momento presente: Geddel é investigado por atos cometidos no governo Dilma Rousseff e também foi ministro de Lula. Ah, e isso muda o quê? Isso desentorta a informação, torna honesta a crônica dos fatos, ilumina o centro da cena e oferece ao público que assiste abestalhado a coisa como a coisa é. Na chamada grande imprensa, os poucos que fazem tais lembretes sustentam a esperança de o debate ainda respirar, mesmo que acabem agredidos pelo berrante avisando que o combate é a pessoas: o combate ao crime se tornou coadjuvante.
Nauseado-parcial da república
No programa Conexão Roberto D’Ávila, o procurador-parcial da república disse que sentiu náuseas ao ouvir a gravação ilegal da conversa imprópria entre Joesley e Temer. Mas não por ela ser ilegal. Somente com autorização do STF o presidente de qualquer poder da república pode ser gravado. Por isso Teori Zavascki determinou a Sérgio Moro o descarte dos áudios gravados de Lula, aquele em que Dilma foi pega falando do Bessias. Ao contrário de Zavascki, Janot não fica nauseado com uma ilegalidade para combater a ilegalidade que lhe dá náusea. O nauseado-parcial da república não sentiu nada ao ouvir Dilma gravada falando sobre o “papel que o Bessias tá levando, viu, Lula?”; nem com a gravação da tentativa de Mercadante, então ministro de Dilma, de comprar o silêncio do senador Delcídio do Amaral que estava preso; nem quando Monica Moura contou do endereço de e-mail clandestino pelo qual Dilma avisava ao casal marqueteiro os passos da Lava Jato. O que falta para desmascarar o nauseado-parcial da república que tem um antiemético natural para as ilegalidades petistas?
Flechas contra a Lava Jato
“Enquanto houver bambu, lá vai flecha”. Ótimo, que os merecidos alvos sejam alvejados! Mas o súbito arqueiro poderia contar onde guardava tanto bambu enquanto Dilma Rousseff era presidente. Só Pasadena era um extenso bambual e o arqueiro, talvez se imaginando no lugar trágico de Sofia a fazer uma escolha entre poupar Dilma e poupar Dilma, resolveu poupar Dilma. Cumprir a lei não lhe pareceu estímulo suficiente para mandar algumas flechas contra alvos escancarados em vigarices sem fim. Assim, estava o arqueiro posto em sossego, sem ter enxergado um calheiros ou um mercadante a um palmo do arco, quando Joesley Batista apareceu. Alvo fulgurante para flechas flamejantes parido no tremendo bambual cultivado por Lula e Dilma, Joelsey as desviou para Temer, alvo menor, mas isso se arranja transformando-o no chefe da bambuzada. O arqueiro se empolgou para nova escolha de Sofia: basear uma denúncia contra Temer numa prova ilegal ou basear uma denúncia contra Temer numa prova ilegal? Decidiu basear uma denúncia contra Temer numa prova ilegal. O problema não é investigar ou não investigar este ou aquele político, mas decidir contra a lei. Deixando Joesley livre e mais rico, apresentando uma denúncia contra Temer cujo próprio teor admite a inexistência de provas, Janot talvez não consiga derrubar o presidente, mas cumpriu metade da meta ao desidratá-lo antes das reformas que não serão como seriam e tirou Lula da cova política. As flechas do arqueiro lambão atingiram o país e a própria Lava Jato.
A grandeza de Fernando Henrique Cardoso
FHC quer um gesto de grandeza do presidente e pede que renuncie para abater a Constituição antecipando-se eleições diretas. Não tenho certeza, talvez fosse melhor Temer renunciar, nem por grandeza, e sim porque ou bem um governante governa ou bem se defende, mas que sua eventual renúncia preserve os ditames constitucionais. A fala de FHC é só mais uma tristeza nestes dias tristes contemplar a falta de coragem do nosso último estadista vivo para convidar a alguma sobriedade e ao respeito à Constituição. Ele quer grandeza de Temer. Compreendo. Talvez por passar tanto tempo considerando Dilma Rousseff honrada, FHC não saiba ao certo o que fez da própria grandeza, restando-lhe apelar à alheia.
O que a Harvard Law School não ensina
Aécio e Temer têm foro especial, não estão, portanto, na “jurisdição” de Deltan Dallagnol. Mas o dono de currículo brilhante, lustrado na Havard Law School, militante das redes sociais e procurador do MFP nas horas vagas, tem dedicado posts à prisão/investigação do senador e do presidente. Sobre Lula, que está na jurisdição do blogueiro, nada. Se entendesse como funciona uma democracia, silenciaria sobre quaisquer investigados. A tagarelice panfletária do blogueiro e o fanatismo do militante conspurcam as funções institucionais do procurador num proselitismo incabível que pode melar-a-Lava-Jato; no mínimo, isso toma o tempo e/ou a atenção na busca de provas para condenar a bandidagem. Dallagnol parece ignorar o que os brasileiros imunes à idolatria ao MPF/LJ já sabemos: power-point e politicagem não mandam ninguém para a cadeia.
Um dos meus defeitos
Pensei em comentar o fato de o PSDB ameaçar outra vez abandonar a base do governo. Mas um defeito meu impede que me ocupe desses tucanos: não tenho paciência para maricas.
É a economia, fanáticos
Frustrante para grande parte da grande imprensa anunciar os pequenos sinais positivos da economia – por serem positivos, não por serem pequenos. Apesar do perigoso fundamentalismo de uma porção patética da Lava Jato, apesar do fundamentalismo à esquerda e à direita, apesar das flechas, apesar do berrante tangendo a manada; e o Brasil que presta e trabalha responde bem, mostrando alguma imunidade contra quem se elegeu para o arruinar e contra os que se autoatribuíram a autoritária missão de o salvar.
Certezas escondidas atrás da lata de biscoito
Como todo indivíduo é discutível, tenho cá meus fatores de indeterminação, mas tento me apegar a algumas certezas na vida, umas três ou quatro – não sei com certeza – que escondo atrás da lata de biscoito na última prateleira do armário da cozinha. Eu as protejo de mim mesma como a noiva esconde do noivo o vestido de casamento. Uma delas é que no mundo há belezas, o mistério é saber tocá-las e por elas deixar-se tocar. Talvez, meu eventual leitor, você pense que estou falando de coisas grandiosas, profundas ou definitivas. Desculpe, não tenho esse alcance. Falo de alguém que o tem, aliás de um texto dele: a resenha de Augusto Nunes, publicada na atual edição da Veja, de Oswaldo Aranha – Uma Fotobiografia, de Pedro Corrêa do Lago. Nestes nossos dias em que a era da covardia vestida de insensatez parece suceder a era da mediocridade sem que esta seja superada, o texto confirma a impressão. Nunes garante que o livro está à altura do grande Oswaldo Aranha, vou conferir assim que puder. A resenha está e é luminosa negação do desencanto que nos tornamos ao mesmo tempo em que o desvela. Só lendo. Toque esta beleza e deixe-se tocar.