Postagem em destaque

Uma crônica que tem perdão, indulto, desafio, crítica, poder...

Mostrando postagens com marcador Jardel Dias Cavalcanti. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Jardel Dias Cavalcanti. Mostrar todas as postagens

domingo, 2 de setembro de 2012

"O texto é uma trança, cada fio, cada código é uma voz, essas vozes trançadas ou trançantes forma a escritura..."


COLUNAS 

Terça-feira, 21/8/2012
Roland Barthes e o prazer do texto
Jardel Dias Cavalcanti 

+ de 600 Acessos

 


"O discurso está cansado, exausto de tanto produzir sentido". Com esse diagnóstico Roland Barthes não pretende instituir um saber, mas um certo jeito de viver o saber: "nenhum poder, um pouco de saber, um pouco de sabedoria, e o maior sabor possível".

Com a proposta de "saber com sabor", Barthes reinvindica, além da liberdade crítica, o prazer. Renunciando a qualquer pretensão de uma leitura sistemática, baseada em verdades linguísticas, históricas ou sociológicas. Barthes produz um texto desejado, sonhado, saboreado, transformado em texto prazeroso e deslumbrante, texto barthesiano.

Sua intensão foi buscar a produtividade do texto. Essa produtividade seria sua capacidade de produzir sentidos múltiplos e renováveis, que mudam de leitura a leitura. Ler não seria, então, aplicar modelos prévios, mas criar formas únicas, que são formas virtuais do texto ativadas pela imaginação do leitor. Ao reagir contra a indiferença da semiologia com relação aos objetos, Barthes reivindica a diferença: "cada texto é único em sua diferença. Cada leitura também é única em sua diferença". O próprio Barthes não desejava que seu trabalho fosse usado como modelo científico suscetível de ser aplicado a outros textos.

No seu livro "O prazer do texto", ele assume o individual contra o universal do modelo estruturalista, do corpo contra o conceito, o prazer contra a seriedade acadêmica, o diletantismo contra o cientificismo. Barthes se desloca a partir de então com um à-vontade despudorado, provocando os que exigem do intelectual uma estabilidade ideológica. Barthes não acredita em nenhuma posição de "verdade"; pelo contrário, achava que qualquer posição que se instala, que toma consistência e se repete, torna-se posição ideológica no mau sentido: uma posição que pode ser facilmente recuperada e utilizada pelo sistema dominante, para que ele mesmo se mantenha imutável.

Mas o livro "O prazer do texto" acabou desagradando a gregos e troianos, ou melhor, a marxistas, que o acusavam de ser um aristocrata, um individualista, um alienado; e a estruturalistas, que o acusavam de abandono do método.

Duas tendências coexistiam em Barthes: uma tendência apolínea (seu lado clássico, metódico, "científico") e uma tendência dionisíaca (seu lado sensual, anárquico). A partir de "O prazer do texto", foi a segunda tendência que prevaleceu: o Barthes do corpo, do gozo sensual dos signos, o Barthes escritor.

Barthes falava da escritura como instigadora da pulsão da curiosidade; e acrescentava freudianamente: "toda curiosidade é de fundo sexual. O que é erótico em um texto não é o tema, é o próprio texto. O texto é uma trança, cada fio, cada código é uma voz, essas vozes trançadas ou trançantes forma a escritura. O texto é em suma um fetiche, reduzi-lo à unidade do sentido, por uma leitura abusivamente unívoca, é cortar a trança, é esboçar o gesto castrador".

Assim Barthes desloca o erótico do tema para o texto, mostrando como o "fraseado" é líquido, lubrificado, "ele conjuga numa mesma plenitude o sentido e o sexo". A escritura é isso: "a ciência dos gozos da linguagem e seu kamasutra (dessa ciência, só há um tratado: a própria escritura)".

O texto não exprime nada, desdobra-se num duplo fetichismo: primeiro, o do sujeito que escreve sob suas eleições (a descrição da suavidade das mãos, o contorno dos lábios, o desenho do nariz, os pés) - tudo que no outro faz disparar o desejo; depois, já longe do quadro, o fetiche volta-se para a própria linguagem. Escreve-se, então, não para ser amado, mas para que as palavras sejam amadas, como fetiche. O texto, então, goza não da apreensão do significado, mas da voluptuosidade do significante.

Na verdade, diz Barthes, o sentido de um texto não pode ser outra coisa senão o plural de seus sistemas, sua transcriptibilidade infinita; um sistema transcreve o outro, mas reciprocamente: face ao texto não há língua crítica "primeira", "natural", "nacional", materna. O texto é, de chofre, ao nascer, multilíngue; não há nem língua de saída, nem língua de entrada, pois o texto tem do dicionário não o poder direcional (fechado), mas a escritura infinita.

Giles Deleuze, no seu livro "Dialogues" parece ter se sintonizado ao pensamento de Barthes, como fica claro na sua sugestão do que seria a leitura hoje: "As boas maneiras de ler um texto, é chegar a tratar um livro como se escuta um disco, como se olha um filme... como se é tocado por uma canção: todo tratamento do livro que exigisse um respeito especial, uma atenção de outra espécie, vem de outra época e condena definitivamente o livro. Não há nenhuma questão de dificuldade nem de compreensão: os conceitos são exatamente como sons, cores ou imagens, são intensidades que convêm a você ou não... não há nada a compreender, nada a interpretar."

O poeta inglês Dylan Thomas também sintetiza bem o que seria o pensamento barthesiano ao responder à pergunta: O que é poesia? "Que importa o significado da poesia? Se lhe pedirem uma definição digam: poesia é o que me faz rir ou chorar, que me faz vibrar, o que me faz desejar isso ou aquilo ou nada. O que interessa na poesia é o movimento eterno que está atrás dela, a vasta corrente subterrânea de dor, de loucura ou exaltação, por modesta que seja a intenção do poema".

No fim da vida, em sua "Aula", no Collège de France, a relação entre a língua e o poder se tornará uma assertiva radical. Para Barthes toda língua é uma classificação, a língua é fascista, pois obriga a dizer. Aqui se encontra a radicalização da idéia de discurso e poder de Foucault. Mas como sair da engrenagem fascista da língua? Para Barthes, só a literatura como "revolução permanente da linguagem" pode alterar essa situação.

Segundo Antoine Campagnon, no seu livro Os antimodernos, a questão que Barthes se coloca é: como neutralizar o poder da língua refazendo dela um objeto amado? Diferente do procedimento da vanguarda (surrealismo, principalmente) que incitava o ódio pela linguagem, em "O Neutro" Barthes propõe não a revolução, não a violência, mas a carícia. Ele diz: "Não desinfetar a língua, mas saboreá-la, roçá-la lentamente, ou até mesmo esfregá-la, mas não purificá-la". A língua como "écriture", lugar onde o homem pode exercer livremente sua sensualidade. Em seu Fragmentos de um discurso amoroso ele anota, finalmente: "A linguagem é uma pele: esfrego minha linguagem no outro. É como se eu tivesse palavras ao invés de dedos, ou dedos na ponta das palavras".

domingo, 12 de fevereiro de 2012

"A origem da dança" - 21/2/2012 - Digestivo Cultural - Jardel Dias Cavalcanti - Colunas

A origem da dança

No palco, o bailarino estende seu braço para além de qualquer gesto identificado no hábito da vida comum. Ele busca expressar alguma coisa, não sabemos bem o que, algo subjetivo,comunicado pela forma com que seu corpo gira, extendendo-se em posições desnecessárias à existência comum: ele dança. Porque ele precisa dançar para nos levar para essa zona obscura da nossa vida: a sensibilidade?

De uma forma geral, diversos autores, entre eles Miriam G. Mendes, Eliana Caminada, Antonio Faro, Luis Elmerich, Dalal Achaar, atestam que a essência da dança do homem primitivo surgiu de uma necessidade emocional de se expressar, percebendo as forças da natureza, o seu poder misterioso e tendo a vontade de imitar essa força, de possuir essa força. A dança teria, então, um caráter mágico, estando ligada a rituais e cerimônias, aos desdobramentos dos poderes da natureza. Essa concepção a respeito da origem da dança descarta outros componentes que poderiam ser discutidos e que explicariam o sentido do dançar.

No Período Paleolítico, quando o homem primitivo fez pinturas de animais em cavernas como forma mágica de se preparar para possuir aquele animal que iria abater na caça, traria a dança em seu corpo como parte integrante desse ritual de emanação de seus poderes? Talvez esteja aí uma grande questão a ser discutida: como o homem chegou ao desenvolvimento desses movimentos e gestos para, então, se utilizar dessa memória corporal usando-a em rituais?


É evidente que há a questão do desenvolvimento físico, do homem se tornar um bípede e na busca por dominar seu corpo, que traz essa apreensão do desenvolvimento gestual como uma memória corporal que vai se formulando:

Podemos afirmar que na busca evolutiva de libertação do corpo, a dança se instala como culminância de um longo processo. Libertar o corpo e dominá-lo parece ser o destino inexorável do homem. A dança emerge como explicitação desta conquista humana. 

Essa discussão acaba por esbarrar em questões levantadas por outros autores, como Miriam G. Mendes, Mônica Dantas, Susanne Langer, que perguntam: até que ponto todo movimento e gesto é considerado dança? Fica claro que não, nem toso gesto é dança, pois fazer-se da dança é a imaginação, pois todo gesto e movimento para ser considerado dança deve ser imaginado.

O homem primitivo já não possuiria no desenrolar de seu desenvolvimento geral e em específico, no seu pensamento, seu processo criativo, o imaginário, para ter criado posteriormente essa noção de possuir os poderes do mágico?

Vários são os pensadores que se debruçaram sobre esta importante questã: afinal o que levaria o ser humano a criar um universo paralelo à sua própria vida e que denominaria ARTE? O que estaria na origem da criação de determinado gênero artístico (música, dança, literatura, pintura, etc) é tão específico em suas origens quanto nas explicações sobre elas.

O universo de explicações à pergunta "o que levou o homem a dançar?" é grande. Cada historiador da dança, cada esteta, cada dançarino que se queira também pensador da dança, emitiu o resultado de suas reflexões sobre o tema. Em geral tantos são os pensadores quanto diferentes são suas interpretações sobre o tema.

Desde a idéia de Susanne Langer, de que "os primeiros ingredientes da arte são geralmente formas acidentais encontradas no meio ambiente cultural, que exercem atração sobre a imaginação como elementos artísticos usáveis" , passando por Rudolf Laban que diz que o gesto (elemento básico da dança) se origina do sentimento real, onde "de um golpe, como relâmpago, o entendimento torna-se plástico" , até Curt Sachs que, no seu famoso livro A world history the dance, vê que "a dança dos homens é, em seu início, uma agradável reação motora em um padrão ritmico" , as interpretações fornecem amplo material para o debate.

Para que o debate seja implementado com coerência e que as diferenças sejam avaliadas claramente, faz-se necessário chegar-se a uma conclusão necessária sobre o que seja a dança, pois na raiz das interpretações sobre a origem da dança estão expostas também as definições do que seja a dança em si enquanto arte. Quando é que um movimento torna-se arte? São perguntas importantes, pois definem a arte da dança.

Seria a dança, então, como define Camila Wedgewood, na Enciclopédia Britânica, "um fenômeno rítmico de alguma ou todas as partes do corpo para expressar emoções e idéias, segundo um esquema individual ou coletivo?"

Suzanne Langer, no seu livro Sentimento e Forma
, questiona esta relevância da função biológica da dança, antes dela ter adquirido o status de arte.
Curt Sachs, por sua vez, definiu a dança como um conjunto organizado de movimentos ritmados do corpo sem nenhum aspecto utilitário, isto é, sem servir para finalidades de trabalho. Considerou-a, também, uma arte básica e prioritária em relação a todas as outras expressões de criatividade humana porque o bailarino usa o próprio corpo par elaborar o produto de sua criação. "Nenhum elemento se interpõe entre o criador e a criação contidos numa só pessoa". 

O mesmo Curt Sachs diz que é perdendo seu caráter pragmático, religioso, que a dança foi elevada ao status de drama, quando sua estrutura voltou-se para o dramático, ou seja, tornou-se uma preocupação do campo da arte.

Idéia que também pode ser questionada, pois a dança não perdeu absolutamente seu sentido mítico (de revelar modelos exemplares de todos os ritos e atividades humanas significativas, segundo definição de Micea Eliade), agregando elementos rituais que expressam a existência de práticas da comunidade humana (casamento, trabalho, alimentação).

Povos primitivos, pelo que se pode ver através de estudos de antropólogos, arqueólogos e historiadores, procuravam expressar como o movimento e o gesto características rituais através de dramatizações dançantes, sendo esses movimentos comunicadores de seu sentido espiritual e social.

É nesse sentido que partem muitas explicações da origem da dança, cuja ênfase é cultural, ou seja, da dança como elemento organizador do trabalho e da comunidade humana.

Não resta dúvida de que a dança modificou-se, que seu sentido alterou-se dentro da história, mas a pergunta que nos ocupa aqui continua sendo relevante: afinal, o que elevou o homem a criar movimentos sem fins utilitários, ou seja, simplesmente dançar? 

Como em todas as artes, foi o desejo de se reinventar para além da sua existência puramente biológica, para além da simples organização prática da vida, em busca de uma transcendência que só a arte pode dar.


Jardel Dias Cavalcanti 
Londrina, 21/2/2012